Enfoques mais profundos sobre o aborto, por Saara Nousiainen

Tempo de leitura: 4 minutos

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Se estamos caminhando sobre a ponte da transição para uma nova mentalidade, a forma como tratar a questão do aborto precisa ser urgentemente revista nos meios espíritas.
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Acordei sobressaltada com o toque do telefone. Era alta madrugada e a voz, feminina, mal conseguia falar, engasgada em contidos soluços de desespero.

Era uma ouvinte do programa espírita que eu fazia em uma emissora de Fortaleza, Ceará, e, sem ter a quem apelar, pedia mil perdões por importunar-me em hora tão imprópria.

Disse-lhe que não tinha a mínima importância e que ela podia ficar à vontade para desabafar.

Contou-me então que fora doutrinadora num centro espírita que era presidido pelo marido e que, há muitos anos, havia feito um aborto num momento de grandes aflições em sua vida, sem nada dizer ao esposo. Falou sobre o sofrimento, as angústias e o desespero que a levaram àquele ato.

Disse que recentemente foi visitá-los um orador de um outro centro e a reunião fora toda de perguntas. As pessoas perguntavam e ele respondia tão rapidamente como se já tivesse as respostas na ponta da língua. As pessoas diziam que eram os Espíritos que respondiam por ele.

Criando coragem, a senhora perguntou sobre o que acontece a uma mulher que faz um aborto e o cidadão imediatamente respondeu: “- Quando quiser voltar a reencarnar, vai ser abortada tantas vezes quantos abortos tenha feito”, continuando a dizer que esse é um dos piores crimes que podem existir, e que a mulher que o comete é uma criminosa diante das leis de Deus e por aí afora.

A partir daí ela começou a mudar. Sentia-se tão indigna que acabou afastando-se dos trabalhos de doutrinação. A palavra criminosa passara a pesar tanto em sua alma que começou a sentir-se cercada de espíritos tenebrosos que a convidavam a segui-los. Eles riam e diziam que seu lugar era com eles e não num centro espírita, dando uma de boazinha, de moralista. Começou também a ter pesadelos terríveis, nos quais sentia como se fosse um feto na barriga de uma prostituta e ouvia as pessoas gritando: “Apedrejem a Madalena!”.

Com isso, acabou caindo numa depressão que não conseguia controlar, passando a viver no pior dos infernos. As crianças começaram a ir mal na escola e o marido, coitado, não conseguia entender o que se passava com ela, que não tinha coragem de contar-lhe aquelas ocorrências. Estava tão desesperada e descontrolada que já pensava em suicidar-se, mesmo sabendo das consequências desse ato.

Quando concluiu o relato, perguntei-lhe: – O que acha pior: fazer um aborto ou destruir a vida de sua família? Um erro você já cometeu, mas não tem como voltar atrás. Não cometa outro, afundando-se nessa culpa. Em vez disso, trate de trabalhar para corrigir seus enganos, em vez de torná-los ainda maiores.

Continuei dizendo que a consciência de culpa e o remorso são dores desnecessárias, que devem servir apenas como elementos de ajuda em nosso crescimento, mas jamais como pesos nos espremendo a alma. Por isso, não devemos carregá-los, a não ser como lastro para que o balão da nossa vida possa ganhar altura.

Percebi claramente o imenso alívio que ela experimentava. Chorou, suspirou profundamente e com a voz vibrando sonoridades de novas esperanças agradeceu-me com exageros e retornou à vida, conforme suas próprias palavras.

Naquela época, eu estava escrevendo o roteiro para um vídeo que pretendia produzir sobre esse tema. Fui, então, conversar com algumas médicas da Secretaria da Saúde. Umas se posicionavam contra, enquanto outras eram a favor do aborto. Além disto, conversei com mulheres que haviam interrompido a gravidez – conforme preferem dizer. Procurei lhes sondar o íntimo e observei que a maioria não tinha a menor noção de como se processa, passo a passo, o desenvolvimento do feto, entendendo que se tratava ali, apenas de um punhado de tecidos que iriam transformar-se numa criança.

Diante disso e, sob a inspiração de um Espírito Benfeitor, escrevi o romance “O Olhar de Juliana”, que, nos meandros da trama, trata dessa questão do aborto, a crueldade e o horror que representa e, no contraponto, glorifica a vida, mostrando passo a passo a soberanamente bela e grandiosa obra da natureza a partir da concepção e o desenvolvimento do embrião e depois, feto, tudo isso entrelaçando-se com situações do passado reencarnatório, com vistas a um futuro mais equilibrado e feliz.

Esse livro tem sido adotado por várias instituições espíritas como referência para suas atividades contra o aborto, porque vê o problema por ângulos bem mais variados, e, em vez de cuidar da crucificação da mulher que o pratica, procura mostrar-lhe de forma bem mais profunda e abrangente a realidade, diante da qual, poucas terão coragem de “interromper” a gravidez.

Se estamos caminhando sobre a ponte da transição para uma nova mentalidade, a forma como tratar a questão do aborto precisa ser urgentemente revista nos meios espíritas, começando por perguntar: aqueles que crucificam a mulher que fez aborto, a tachando de criminosa, alguma vez experimentaram colocar-se em seu lugar?

Procuraram mensurar as angústias de alguém que, de repente, se vê ante uma situação que vai estrangular seus projetos de vida e colocar em seus ombros uma carga que ela acredita ser incapaz de carregar? Já se perguntaram se ela sabe exatamente o que é um feto, ou acredita tratar-se apenas de um punhado de tecidos que pretende modificar seu destino? Se conhece os divinos mecanismos da concepção e gestação, passo a passo, tendendo assim, a reverenciar a vida desde o seu comecinho?

Na verdade, essa didática da “crucificação” da mulher que faz aborto, muito em uso nos meios espíritas, não me parece boa nem produtiva, ao contrário. Afinal, o Espiritismo veio para ajudar o ser humano e não se ajuda alguém acusando ou incriminando, mas esclarecendo e procurando mostrar melhores caminhos.

Editorial: A Revista Espírita Harmonia está de volta!

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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