Algumas Reflexões sobre Eventos Espíritas, por Allê de Paula e Marcelo Henrique

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Somos seres progressivos. Individual e coletivamente. Nossas realidades momentâneas nos direcionam a reflexões e, não raro, mudanças. O ideal é que sejam, estas últimas, qualitativas, nos levando a progressos efetivos. Mas, nem sempre o são, sabemos. O que não nos impede, contudo, o “começar de novo”.

Nos últimos anos temos observado grandes discussões sobre os eventos presenciais “espíritas” pagos, isto é, aqueles em que são cobradas taxas de participação, ainda que, parcialmente, possam ser convertidas em produtos individualizados (livros, dvds, etc.). Alguns destes debates ocorrem de maneira mais acirrada, outros nem tanto. O fato é que as opiniões estão bem divididas dentro do movimento espírita.

Nestes contextos, alguns argumentos são até compreensíveis, uma vez que abordam o ponto de vista de que tais eventos, quando presenciais, geram custos variados (com transportes, alojamentos, alimentação, infraestrutura, publicidade, segurança e limpeza do local, confecção de materiais de divulgação, entre outros). Por outro lado, a gratuidade – que é defendida por muitos que se posicionam contra a cobrança –, encontra um ponto forte de argumentação contrária ou justificativa: os valores precisam ser cotizados para compor fundos destinados à cobertura das despesas do evento, o que é, neste ponto, correto e louvável.

Ainda assim, é preciso ponderar que algumas iniciativas no segmento espírita resultam em eventos luxuosos, em locais cinco estrelas, com decorações deslumbrantes, apresentação de artistas consagrados, contratação de jornalistas e mestres de cerimônia famosos, gerando, assim, custos exorbitantes. E, por conseguinte, levam à elitização do movimento, já que restringem a participação àqueles que tenham condições de arcar com os custos correlatos.

Para onde caminha, então, o movimento espírita brasileiro?

Fazemos esta provocação em face da divulgação, recente, de eventos sendo programados por instituições espíritas, a serem realizados, neste momento de pandemia, de isolamento e distanciamento social – em face, é claro, dos altos índices de mortalidade – e considerados, ainda, os efeitos sociais, de muita escassez econômica, no formato virtual, ou seja, ONLINE. As alternativas buscadas pelo movimento, por grupos e instituições, evidentemente, são louváveis e merecem registro.

Temos dito, inclusive, que, após a tempestade (pandemia) não seremos mais os mesmos e, por esta via, o próprio segmento espírita terá aprendido novas alternativas de comunicação, difusão, estudo e debate do Espiritismo. Podemos dizer, então, que é muito provável que os espíritas estejam se reinventando em termos de atividades e propostas, o que é muito salutar.

Mas, como em (quase) tudo o que é humano, em face da imperfeição dos nossos sentidos e entendimentos, há os elementos desabonadores que precisam ser cogitados. Um deles diz respeito à chamada monetarização de tais eventos, virtuais, porquanto estão sendo divulgados para o segmento espiritista já apresentando um “custo de participação”, que varia entre R$ 50,00 (cinquenta reais) e R$ 100,00 (cem reais), conforme os materiais publicitários a que tivemos acesso. Consideramos profundamente lamentável que, inexistindo os tais custos correspondentes à realização de eventos presenciais, seja utilizado este expediente “caça-níquel”, cobrando por algo que não tem, em tese e a priori, qualquer dispêndio efetivo para sua realização.

Do contrário, os custos já são do próprio interessado em assistir às palestras (ou, raramente, debates – já que, também, de modo usual, o espírita “abomina” o debate, por considerar discussões como “elementos das trevas”, mas isso já é tema para outro artigo), com base em seus equipamentos pessoais (celular, tablet, computador) e sua própria franquia de internet banda larga. E os apresentadores e expositores, de igual modo, já se utilizam de ambos (equipamentos e internet) para suas atividades habituais, pessoais ou profissionais, portanto, nada justificando o “investimento”.

Ficamos pensando quais seriam as justificativas para esta cobrança… Haveria necessidade? Que gastos seriam efetivados? Seria necessário alguma “produção” especial para a divulgação? Um simples banner, com uma redação tradicional sobre o programa do evento e o detalhamento dos temas e participantes, sem nenhuma “especialização gráfica” já não atenderia o objetivo da divulgação? Reflitamos…

Há quem possa justificar a cobrança em relação a eventuais investimentos para que a qualidade da transmissão e exibição possa estar imune a falhas ou interrupções. Sim, talvez… Ou, então, que parte da arrecadação esteja sendo captada para o investimento na “cultura espírita”, como a produção de material que possa ser doado a instituições espíritas, futuramente. Louvável. Ou, ainda, que dado percentual da renda auferida seja destinada a entidades assistenciais espíritas. Outro elemento importante.

Então, se estes são os “motes”, faltou à organização do evento um componente essencial: a transparência. Transparência, aliás, que não é algo comum em relação às instituições espíritas. Pergunte a si mesmo, em relação à entidade que você frequenta, quando é que você viu publicado e em detalhes o balanço financeiro mensal e anual, contendo a descrição minuciosa de gastos e arrecadações. Quando se publica algo, até por exigência legal, tudo é muito resumido. E se defende esta prática, dizendo que cada entidade tem um “conselho fiscal” para a aferição da regularidade dos movimentos financeiros. Mas, francamente, toda e qualquer pessoa, sejam os contribuintes, os associados ou os meros frequentadores, têm o DIREITO de conhecer a realidade financeira institucional. Pelo menos isto seria o recomendável e o eticamente desejável.

É de se cogitar se, tanto os que organizam tais eventos virtuais “pagos” quanto a própria “falta de transparência” das finanças de entes espíritas, se realmente devemos considerar os mesmos como “espíritas”, em face daquilo que demonstram.

Buscando nossa referência maior, não apenas em teoria (filosofia), mas em prática (vivência e experimentação), vamos transcrever a fala do Mestre Allan Kardec (1) (2) respondendo ao convite dos espíritas de Lyon e de Bordeaux:

“Ainda uma palavra, meus amigos. Indo ver-vos, uma coisa desejo: é que não haja banquete, e isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos estão duros.”

Ficamos aqui, refletindo… Qual o custo físico, material, demonstrado, de um evento ONLINE para justificar tal cobrança?
Kardec (2), novamente, com todo o seu bom senso releva que:

“Eu vos digo com toda a sinceridade que o pensamento de que aquilo que faríeis por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos, me tiraria o prazer da reunião.”
Certas atitudes injustificadas, mesmo que isoladas, dentro do movimento espírita precisam urgentemente ser repensadas. Afinal, que movimento estamos construindo e qual estaremos legando às futuras gerações?

Findando estas provocações, queremos citar, uma vez mais, Allan Kardec (1) (2):

“O que de mais agradável me podeis oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida.”
Sempre COM Kardec!

Muita paz!

Fonte:
(1) Kardec, Allan. Viagem espírita em 1862. Trad. Wallace Leal V. Rodrigues. 5. Ed. Matão: O Clarim, 2020.
(2) ___. Revista Espírita. Setembro. 1862. Resposta ao convite dos espíritas de Lyon e de Bordeaux. Trad. Salvador Gentille. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1999.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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