Marcelo Henrique
Há uma possibilidade real do Espiritismo tornar-se a filosofia do futuro. Debater esta possibilidade e os caminhos para a mesma é o nosso papel no hoje.
“Gnothi Seauton” (Conhece-te a ti mesmo)
Sócrates.
A filosofia é a racionalidade aplicada aos fatos da existência humana. Ela se debruça sobre diversificadas situações, construindo teorias e explicações teóricas. Toda ciência possui a sua própria filosofia, isto é, o acervo intelectual que registra apontamentos decorrentes das experiências e serve de anteparo à compreensão de determinadas “verdades”, num certo intervalo (variável) de tempo.
Mesmo considerando a inexorável Lei do Progresso, que a tudo rege, teses filosóficas resistem à passagem do tempo e subsistem, ainda, em nossos dias. E é assim porque se fundam em Leis Universais, atemporais, persistindo as justificativas e explicações razoáveis sobre fenômenos, seja da Natureza, sejam sociais.
O mesmo se dá em relação ao segmento das experiências espíritas e anímicas. As provas se acentuam, acumulam e multiplicam todos os dias, justificando as teses estabelecidas pelo Espiritismo, que auxilia o entendimento sobre a essência humana (o Espírito), a razão da existência material (a vida física), a longevidade espiritual (reencarnação) e o fim ôntico espiritual (progresso).
Recordemos que um dos maiores expoentes da Filosofia contemporânea, diante da grandeza e amplitude dos conceitos insertos em “O livro dos Espíritos”, assinalou com entusiasmo incontido: “O Espiritismo será a filosofia do futuro” (León Denis).
Será mesmo? E quando seria (será) esse futuro?
Consideremos que as “verdades espíritas” (isto é o conjunto de informações espirituais sistematizadas por Allan Kardec) não são acessíveis à maior parte da Humanidade, em termos de conjunto. A parcela dos espíritas é diminuta no contexto planetário. Mas, aqui ou ali, algumas filosofias espiritualistas possuem elementos de conexão ou proximidade com os fundamentos da Doutrina dos Espíritos, embora isto não seja suficiente para que se constate que a maior parte da Humanidade esteja caminhando para a compreensão em moldes espíritas. Afinal, ainda é majoritária a ideia da unicidade da vida e, também, o princípio geocêntrico, ancorado na inexistência de comprovação de vida inteligente extraterrena e da cientificidade da habitabilidade exclusivamente ao planeta que habitamos. Portanto, tanto a religião quanto a ciência se baseiam num conjunto de crenças ou conhecimentos que prevalecem como “verdade”.
Somente as inteligências consideradas progressistas, fundadas em consciências bem formadas, são capazes de contradizer os postulados religiosos ou científicos, para acessar e aceitar novas verdades promissoras, as quais se constituem as bases da civilização futura.
Para estas, a teoria da “vida única” não é capaz de solucionar as questões sociais – sobretudo em termos de justiça social ou de igualdade entre os homens – por não ser capaz de explicar racionalmente as anormalidades e as injustiças presentes na sociedade. E, por outro lado, a aceitação do “princípio geocêntrico”, para o qual a Terra é o centro do universo, por não haver prova da existência de outros seres, similares, bem como da habitabilidade física em outros planetas, coloca os demais astros no infindo Universo como peças decorativas ou de embelezamento. E contra isto, igualmente, as mencionadas inteligências se indispõem.
Por enquanto, ainda que muitos se interessem por buscar conhecer a transcendência, grande parte da Humanidade ainda prossegue seguindo as hosanas, dogmas e sacramentos das religiões que prometem céus ou paraísos celestes e estabelecem julgamentos (espirituais) com base na submissão às instituições e prescrições religiosas, numa precária e parcial distribuição da justiça divina (ou universal). Outra parte caminha adotando a filosofia do materialismo e do positivismo, consolidando um “modus-vivendi” vinculado ao “viver bem”, o melhor possível, numa única experiência (vida).
Diante, então, da deficiência de numerosas escolas filosóficas, que não conseguem, para um bom número de contextos e situações, aclarar a inteligência e formar os caracteres humanos, sendo impotentes para satisfazer a ânsia de saber, prosseguem as lacunas, crescentes, na análise de uma multidão de problemas que, até aqui, permanecem insolúveis e inexplicáveis, racionalmente.
Deste modo, tanto as filosofias acadêmicas como as clericais prosseguem como formas ancestrais de conhecimento, porquanto sejam produtos de civilizações que já tiveram seu tempo e oportunidade, praticamente relíquias que o passado nos legou, muitas delas, de fato, conquistas do progresso possível para épocas de atraso e obscurantismo.
A nova geração, que virá, em decorrência desta, permitirá à filosofia espírita – sistematizada de forma magnífica por Allan Kardec –, a dilatação de todos os horizontes existenciais dos homens do futuro, a partir da condenação dos modelos organocêntrico e geocêntrico, para proclamar, em substituição natural a estes, a ótica comprovada pela lógica, da pluralidade das existências e a dos mundos habitados, na prova inconteste de que a fonte criadora do Universo nada faz inutilmente.
Por isso, despidos de misticismo e de religiosidade exacerbada, os espíritas (do hoje e os do amanhã) precisarão retornar à contingência da fenomenologia espiritual, com apoio nos equipamentos e nos laboratórios de ciências humanas, catalogando e explicitando os “fatos espíritas e anímicos”, capazes de demonstrar, com a precisão dos elementos matemáticos e estatísticos, a vida fora e além, independente do corpo carnal, aproximando a Doutrina dos Espíritos de várias filosofias espiritualistas que hoje existem, para a demonstração cabal da sede e do fator da vida, que independe da matéria, que preexiste e sobrexiste.
A filosofia espírita, assim, apresenta aos estudiosos e interessados um novo sistema, cosmogônico, alta e criteriosamente científico, para a satisfação das mais exigentes aspirações e questionamentos da Humanidade. E irá se consolidar, não porque se vincula aos fatos físicos, biológicos ou sociais, mas porque aponta para a Ética, em termos de consequências morais, numa base sólida, de concepção fácil e convincente, para resolver os mais difíceis e embaraçosos problemas dos filósofos e cientistas de todos os tempos.
Falta-nos, tão-somente, a parte mais difícil: o diálogo interespecialidades, com as filosofias, religiões e academias científicas do nosso tempo, sem descurar de nenhuma delas. Dialogar pressupõe abertura e interesse, sem intenção de cooptação ou colonização de mentes. A partir dos pontos de conexão – que são muitos, embora não uniformes nem totais, em cada uma das expressões do pensamento humano – será possível construir as pontes de aproximação e trabalho conjunto. Um despertar recíproco, posto que, aos espíritas, mesmo os mais estudiosos e capazes, também falta o conhecimento pleno de TODAS as coisas. E a humildade de reconhecer de que pouco sabemos, em muitos setores e áreas do conhecimento humano-espiritual, é essencial para o gesto fraterno do compartilhamento.
Assim – e somente – o Espiritismo poderá se tornar a filosofia do futuro!
Acesse cada texto:
A interdependência entre filosofia e ciência, por Lawrence Sklar
Ciência, Filosofia e Religião?, por Carlos de Brito Imbassahy
A confusão entre a Filosofia de Jesus e o Cristianismo, por Nícia Cunha
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