Por Cláudia Jerônimo e Nelson Santos
Um dos erros mais frequentes do Espiritismo no Brasil é a interpretação religiosa que seus adeptos concedem à Doutrina. Por mais que Kardec afirmasse que o Espiritismo não seria uma religião no seu sentido e contexto e, sim, um conceito moral e espiritual legado pelos Espíritos Superiores partícipes da chamada Codificação Espírita. Em consequência disto, os espíritas, em sua grande maioria, interpretam o Espiritismo segundo o Evangelho e não o Evangelho segundo o Espiritismo. Interpretar o Evangelho, neste caso, seria, em seu cerne, a desmistificação dos dogmas e misticismos implantados ao longo de séculos, dentro de um projeto de poder que visava sobretudo apascentar um rebanho cristão.
Ao longo do desenvolvimento do Espiritismo em terras brasileiras, o que se viu foi a predominância dos chamados místicos e religiosos, o que subverteu toda a teoria kardeciana e a transformou em uma espécie de revelação secundária, ou revelação da revelação, e – perdoe-nos o neologismo –, igrejificando-a, para abraçar a teoria trinitária: criando santos e sacerdotes, na forma de guias, médiuns e oradores de renome, para apregoar uma verdade absoluta, perene e inquestionável e, portanto dogmática.
Iniciamos nossos artigos com Marcelo Henrique e seu precioso depoimento sobre sua iniciação e vivência na Doutrina Espírita, a contar de seus 12 anos, irrequieto e com sede de conhecimento. Suas lutas para sorver o Espiritismo e sua filosofia sem os dogmas e os igrejismos, que atravancam o progresso moral, espiritual e intelectual, são explicitadas no texto, que demonstra a busca do conhecimento e da maiêutica dos grandes pensadores, distante, portanto, das explicações fáceis.
Paulo César Fernandes nos traz, na sequência, a compreensão do mito e sua superação na formação do livre-pensar, destacando-se a significação do ser perante o mundo material e o espiritual e sua complexão com o movimento espírita e com a própria Doutrina.
O pensamento pós-moderno e sua correlação com o Espiritismo é o ponto de partida para Luiz Fuchs, apresentando a progressão de entendimentos iniciada pela aurora do Iluminismo, na busca do aprimoramento e valoração do ser e, sobretudo, pela instituição das premissas da igualdade, da liberdade e da fraternidade que culminam na justiça social.
Nícia Cunha, em seu artigo, aponta os equívocos interpretativos de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, muitos já bem conhecidas, bem como a resistência injustificada e o pânico dos dogmáticos em atualizar-se a Doutrina, o que resulta na “perseguição” que estes últimos fazem a quem se opõe ao atraso evolutivo.
A proposta cultural do Espiritismo é ampla demais para aprisionar-se em conceitos formais, cientifica Milton Medran, para quem a agonia das religiões está sob o olhar de quem deseja, uma vez que o dogmatismo não permite as respostas para os anseios evolutivos da humanidade.
Adiante, José Carlos Lucchetta Palermo discorre sobre o fanatismo religioso e a crendice que levam à fé cega, opondo-se ao raciocínio lógico, crítico e filosófico que deveria nortear aqueles que se dizem espíritas. Eis que os que assim procedem almejam a felicidade do paraíso, porém, perdem-se em devaneios até que a crua realidade os desperte, por vezes demasiadamente tarde.
O saudoso Maurice Hebert Jones, legou-nos belos artigos e, entre estes, a síntese kardequiana, que expressa todo o ensino dos Espíritos e o pensamento de Kardec em resposta às perguntas que o ser humano fez (e faz) ao longo dos séculos, tecendo em suas linhas, como referenciais: a educação, a cultura e a filosofia; e, como motor de compreensão, o livre-pensar.
Finalizamos, resgatando que o Professor José Herculano Pires sempre dizia: “O Espiritismo é uma questão de fundo e não de forma”…
E, vocês, caros leitores, irão ficar com a forma ou o fundo?
Acesse os textos da edição:
O dogmatismo (nem sempre ameno) dos espíritas, por Marcelo Henrique
Dogmatismo, Imobilismo e Ausência de Fraternidade (*), por Nícia Cunha
Espiritismo, Igrejismo e Questões Sociais, por Lindemberg Castro
A síntese kardequiana, por Maurice Herbert Jones (in memoriam)
Excelente exemplar, com diversos autores contemporâneos e altamente qualificados. Orgulho-me de conviver com essa gente danada, que pensa, que ousa divergir, explorar e criar. Parabéns pela edição do Harmonia, Marcelo. Muitíssimo obrigada aos articulistas pelas excelentes contribuições.