Marcelo Henrique
As vacinas são uma das mais efetivas ferramentas para proteção das pessoas contra a covid-19. São importantes as medidas direcionadas ao aumento das taxas de vacinação, visando atingir as metas de saúde pública e, por conseguinte, gerarem uma situação de conforto físico, jurídico e especial, para todos os que participem de atividades presenciais espíritas.
Chegou ao nosso conhecimento, neste momento (ainda) doloroso e delicado da pandemia (Covid19) de que algumas atividades espíritas presenciais estão retornando. Neste intervalo, mais ou menos curto, dependendo da ótica e da percepção de cada um e de suas próprias necessidades – além do fato de “como” cada um acaba lidando com elas – o chamado movimento espírita teve de se reinventar.
A interdição dos espaços públicos, na fase de amplo contágio, em face, inclusive, da não-imunização (vacinação) da população brasileira, exigiu dos grupos e instituições que adotassem, além da interrupção presencial das atividades nos “centros”, a disponibilização de alternativas (virtuais) para trabalhos de palestras, estudos e atendimentos. Todos à distância, ou por meio das ferramentas cibernéticas, sem a presença física em ambientes coletivos.
Deste modo, registre-se a capacidade do ser humano em buscar opções possíveis destinadas não só à chamada instrução/educação espiritual-espírita, mas, também, para manter o nível de fraternidade e as relações entre dirigentes, expositores, trabalhadores e frequentadores. Como disseram os Espíritos Superiores a Kardec, o vínculo entre os seres (encarnados entre si e com os desencarnados) se baseia nas leis de afinidade, havendo laços mais profundos e permanentes entre aqueles que possuem, entre si, ligações em função do pensamento, raciocínio, lógica e, é claro, sentimentos.
A imunização, conforme os números disponibilizados pelas entidades estaduais de Saúde, vem aumentando, gradativamente, em termos da aplicação das (duas) doses ou da dose única, originais. E já há um contingente recebendo uma terceira dose, em face da condição peculiar que alguns segmentos possuem em relação a outros, em termos de vulnerabilidade.
Por outro lado, o vírus é um ser mutante e tem apresentado variações evolutivas (cepas), tornando-se resistente à imunização disponível. Razão pela qual os procedimentos e protocolos de saúde e saneamento, assim como as medidas preventivas e de distanciamento social são, ainda e não se sabe por quanto tempo, exigíveis de todos os “homens de bem”.
A proposta lógico-racional da Doutrina dos Espíritos aponta, em diversos textos das 32 obras de Allan Kardec, para a utilização de TODOS os meios disponíveis para a preservação da vida (Lei de Conservação) e para a assunção de posturas individuais e coletivas correlacionadas à saúde (corporal). Não há, sob nenhuma hipótese, qualquer “imunidade espiritual” ou “proteção espiritual” a quem quer que seja – inclusive, temos visto alguns “expoentes” ditos espíritas patrocinando estas afirmações totalmente desprovidas de sentido e distantes do conteúdo genuinamente espírita.
Imunização (vacina) e procedimentos de distanciamento, assim como a utilização (adequada) das máscaras de proteção facial constituem atitudes cívicas, fraternas, socialmente adequadas e espiritualmente recomendadas. E não há como justificar outras condutas, diversas destas, sob o viés Espiritual-Espírita.
As provações/expiações constituem elementos naturais e concernentes à Lei de Progresso, aplicando-se a máxima atribuída a Yeshua: “a cada um segundo suas obras”. Se há situações que decorrem de contingências do passado, grande parte das experiências que vivenciamos na atual reencarnação são decorrentes da aplicabilidade (inafastável e para todos) da Lei de Causa e Efeito, de modo que às nossas ações humanas (causas) haverá, sempre, a reverberação de efeitos (pessoais).
Dito isto, chegamos ao ponto central que motiva este ensaio e está associada às práticas espíritas neste momento em que as atividades estão voltando a ser presenciais, embora, ainda, com algumas obrigatórias e necessárias restrições. No cenário de qualquer instituição dita espírita, considerando as distintas atividades nela desenvolvidas, rotineira e semanalmente, podemos considerar os seguintes contingentes populacionais: 1) Dirigentes; 2) Expositores (próprios ou convidados); 3) Trabalhadores; e 4) Participantes ou Visitantes.
A orientação/determinação dos órgãos de saúde é para a vacinação. Discute-se, é claro, no âmbito do Direito brasileiro (porque estamos neste país) acerca da OBRIGATORIEDADE (OU NÃO) de submeter-se à vacina (contra a Covid19). No final de 2020, a mais alta corte judiciária do país (Supremo Tribunal Federal – STF) se posicionou [1] no sentido de validar a COMPULSORIEDADE da vacinação [2], em todo o país, mas determinar que não haja condução coercitiva ou imposição física a ninguém, para os procedimentos correlatos, podendo, no entanto, impor sanções [3] àqueles que voluntariamente se recusarem à imunização.
Tem-se que a chamada vacinação compulsória não representa, assim, vacinação forçada, sendo facultada a recusa por parte do usuário. Mas a não-vacinação poderá importar, com o respaldo na lei e na decisão da Suprema Corte nacional, medidas indiretas, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, no sistema jurídico brasileiro, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, no mais absoluto respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais das pessoas. Deve-se considerar, ainda, a condição de competência concorrente entre os entes federados brasileiros (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) para produzirem normas locais que, entretanto, devem obedecer ao contido na lei federal (nacional) antes mencionada e ao teor da decisão do STF que foi explicitada neste ensaio.
Vale dizer, ainda, que, em território brasileiro, as vacinas são distribuídas universal e gratuitamente, de modo a, por condições afetas à comorbidades ou faixas etárias, assim como em face dos estoques disponíveis, estarem disponíveis a todos os que residam ou transitoriamente estejam em nosso país.
Não se pode, portanto e inclusive, alegar quaisquer motivações ideológicas, políticas, filosóficas ou religiosas, para não se submeter às vacinações ou para usufruir, pessoalmente, da vantagem de, em tendo optado por não se vacinar, o indivíduo tenha acesso às atividades ou entrada e permanência em ambientes onde seja exigido o comprovante de vacina [4].
Deste modo, considerando os aspectos legal e jurisprudencial, já tratados neste artigo, em sede de atividades e instituições espíritas PRESENCIAIS, havendo a regulamentação de que certas ações ou tipos de comportamento sejam adotadas para proteger o bem-estar de indivíduos ou comunidades, entende-se que, tanto a adoção de protocolos de segurança (máscaras, distanciamento social, medição de temperatura, exigência de comprovantes de vacinação, e outras), são eticamente justificadas, pois podem ser cruciais para proteger a saúde e o bem-estar do público.
Se o cada uma destas ações ou comportamentos notadamente interferem na liberdade e na autonomia individuais, elas devem buscar um equilíbrio entre o bem-estar da comunidade e as liberdades individuais, considerando, assim, preocupações éticas (e, também, espirituais), direcionadas a um objetivo social valioso, como a proteção da saúde pública.
Por fim, tem-se que a atitude individual do espírita ou simpatizante do Espiritismo, no sentido de atender ao requisito de demonstração da sua imunidade e de exigir dos demais conduta semelhante e paritária, representa, para o conjunto dos espíritas que participem de qualquer evento presencial, um gesto de profunda solidariedade e humanidade. E, por consequência, estar-se-á materializando os caracteres do “homem de bem” e do “verdadeiro espírita”, que faz para o seu semelhante aquilo que quereria vos fosse feito.
Notas do Autor:
[1] Decidiu o Plenário do STF que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei Federal n. 13.979/2020.
[2] O teor da decisão, merece registro, como legítima tese de repercussão geral, ou seja, aplicável a todos os brasileiros e àqueles que, mesmo temporariamente, estejam em território nacional (Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1267879): “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
[3] A decisão judicial autoriza os vinte e seis Estados e o Distrito Federal a impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola, utilizar meios de transporte coletivos, entre outros).
[4] O entendimento do STF derivou do julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587, que tratam unicamente de vacinação contra a Covid-19, e do já mencionado ARE 1267879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas.