Trabalhador sim senhor!, por Marcelo Henrique

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Marcelo Henrique

Trabalho é e será sempre trabalho. Não poderemos “falsear-lhe” o significado, ou minimizar sua ocorrência utilizando-nos de sinônimos ou “floreios”.

Meados da década de 1990… Eu transitava por atividades de órgãos federativos em Santa Catarina. Inicialmente vinculado às atividades de infância, juventude e mocidade, passei a colaborar e a assumir funções em outras áreas. Época de muita movimentação em termos de organização de instituições e de colaboração com as casas espíritas, principalmente da Grande Florianópolis.

Em um evento administrativo, voltado às rotinas institucionais e atividades corriqueiras de gestão, um debate sobre aspectos jurídicos estava acirrado. Um vetusto dirigente, então, pegou a palavra e passou a discorrer sobre ocorrências envolvendo centros espíritas e a Justiça do Trabalho. Era, ele, advogado, como eu. E falava como “representante processual” de algumas instituições espiritistas da região, inclusive sem cobrar honorários. Fazia por amor à causa – dizia ele.

Não irei discutir o alcance desta atitude, se de abnegação ou renúncia, ou se de relativa autopromoção, em função da atividade voluntária, ainda que sob o império do estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que legitima a atividade forense e disciplina, inclusive, a prática gratuita da profissão, a chamada “advocacia pro bono”.

No relato, o dirigente mencionava haver defendido algumas instituições em demandas trabalhistas – de reconhecimento de vínculo empregatício – entre “voluntários” e casas espíritas. E arrematou: fomos vencidos em todas elas, porquanto não havia qualquer documento firmado entre a instituição e o colaborador, que reconhecesse a condição de gratuidade da atividade voluntariamente prestada. Eram pessoas que arrumavam o salão de palestras, limpavam banheiros ou o piso da casa, arrumavam livros ou os donativos que a instituição recebia para a cesta básica ou a campanha do agasalho destinada aos “mais necessitados” atendidos por aquela entidade.

Então, ele, em tom entusiasmado, disse: “Não há trabalhadores espíritas. Prestem bem atenção. Não há trabalho espírita. Porque se houver, a Justiça irá reconhecer o vínculo empregatício e vocês serão condenados às verbas indenizatórias, todas em dobro e com correção e juros”. E completou: “Vamos então chamar de tarefeiros ou seareiros”.

Na oportunidade, me manifestei contrariamente à sugestão, dizendo que a mera nomenclatura não iria descaracterizar a condição “laboral”, ainda que sem o contrato de trabalho, formal ou tácito, como reconhece a instância judiciária, por todo o país. A questão era bem outra. E sugeri que, em todos os casos, de pessoas que assumirem encargos na instituição, diversos das atividades ditas “doutrinárias”, ou seja, aquelas que seriam atividades-meio e não finalísticas (como limpar, arrumar, conservar, cuidar de móveis ou instalações, trocar lâmpadas, repor papel higiênico ou a bombona de água do bebedouro), fosse firmado um “termo de voluntariado”.

Dias depois, inclusive, encaminhei à direção da união regional uma minuta para ser distribuída a todos os dirigentes, que passaram a instituir e a preencher, com os dados dos “trabalhadores” voluntários, com a assinatura dos mesmos.

De lá para cá, tenho visto, com relativa alegria, a utilização deste documento, que, creio, tem ajudado os militantes espíritas a terem menos incômodos e prejuízos, assim como prevenir que pessoas inescrupulosas, aproveitando-se de descuidos “administrativos”, vejam a possibilidade de auferir benefícios financeiros com uma condenação trabalhista.

Mas o tema, em si, prossegue ecoando em mim e, também, nas próprias atividades espiritistas.

Em “O livro dos espíritos”, Kardec consultou os Espíritos Superiores, no tópico reservado ao exame das Leis Morais (ou Leis Espirituais) que se aplicam a todos os seres espirituais em todos os mundos habitados, acerca da LEI DO TRABALHO. Os questionamentos do Codificador e as respostas das Inteligências Invisíveis estão perfiladas a partir do item 674 desta obra.

Pontualmente, é conceituado o trabalho como “uma lei da Natureza, e por isso mesmo é uma necessidade”. E conclui: “Toda ocupação útil é trabalho”. Pelo trabalho, intelectual ou físico, a individualidade angaria os meios para a sua subsistência e experimenta o prazer do dever cumprido. Ou, para lembrar conhecido adágio popular, “o trabalho dignifica e enobrece o homem”.

Trabalho é e será sempre trabalho. Não poderemos “falsear-lhe” o significado, ou minimizar sua ocorrência utilizando-nos de sinônimos ou “floreios”. Tarefeiro ou Seareiro é fruto da poesia humana, recurso intelectual para romancear situações. O indivíduo que atua na casa espírita é TRABALHADOR espírita, portanto. E sempre será.

Somos, todos, trabalhadores. Se formos remunerados contratualmente, estaremos sob a égide e a disciplina da Lei (material). Se decidirmos nos doar, sem retribuição material, empregando parte do nosso tempo pessoal em favor de outrem, seja na instituição espírita ou de qualquer outro matiz filosófico, científico, educacional, assistencial ou religioso, não deixaremos de estar trabalhando. E, por consequência, a ocupação útil, necessidade espiritual de todos os tempos, estará presente. Para nosso aprendizado e progresso.

À instituição espírita recomenda-se atenção para com as formalidades – que são das leis da matéria – evitando-se dissabores, prejuízos e contratempos. Para as coisas do Espírito – a melhor parte, diria o Magrão para Marta, quando sua irmã, Maria, na casa de Lázaro, o amigo dileto do sublime Rabi reclamou que ela deixou os afazeres da preparação da ceia para ouvir-lhe os ensinos, na sala da casa – estão reservados os maiores prazeres e benefícios. Tesouros que nem as traças nem as aves do Céu alcançam ou destroem. Para as coisas da matéria, atitudes e cuidados materiais. Para as espirituais, a atenção para que façamos o melhor que esteja ao nosso alcance, sempre.

Trabalhando…

OS TEXTOS DA EDIÇÃO

EDITORIAL: LEI DO TRABALHO: CONTEXTOS, SONHOS E DESAFIOS

Em tudo é o mesmo suor, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

O Homem e o Trabalho, por Ida Della Monica

O Trabalho como fator de evolução, por Vítor Ronaldo Costa (in memoriam)

O fator evolutivo do Trabalho, por Nelson Santos

Trabalho e Evolução, por Alberto de Souza Rocha

O homem sem Trabalho não pode evoluir, por Leopoldina Xavier

Trabalhador sim senhor!, por Marcelo Henrique

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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