Alberto de Souza Rocha
O trabalho não visa apenas à subsistência do lar, a nutrir os corpos e dar-lhes abrigo e lazer. Ele educa o homem, explicitando deveres, em se constituindo no melhor remédio contra toda sorte de pensamentos corrosivos da mente. É fundamental na vida do homem e da sociedade, com vistas à própria evolução.
É conhecida uma estória de certo cidadão que, havendo partido desta vida, demorava-se na Erraticidade, em absoluta e prolongada ociosidade, nada lhe sendo exigido que fizesse. Conta-se que tudo lhe sorria, mas que, à certa altura dos acontecimentos, já implorava aos bons gênios que o retirassem daquele paraíso de contemplação, pois que se enfadara do ócio e da inutilidade. Só então soube que estava a rigor, mesmo nas estâncias do Inferno. A ociosidade era-lhe o suplício…
– Meu Pai trabalha cem cessar e Eu também trabalho” – terá dito o Mestre dos Mestres. E, em “O livro dos Espíritos” (questão 676) muito apropriadamente lemos: “Sem o trabalho, o homem permaneceria na infância intelectual”.
Se for verdade que Deus provê as necessidades vitais de todos os seres, consoante o estágio evolutivo, a partir dos mais ínfimos, na série irracional, preservando-lhes a vida dentro da Lei da Conservação e executam-nos, por sua vez, tarefas de indeclinável importância no balanço ecológico, integrando-se na grande equação da vida planetária, por desígnio providencial. Se os lírios não tecem a sua túnica, nem os pássaros aram ou ceifam, nem por isso se furtam à grande Harmonia que atesta a presença de Deus na Natureza. As palavras de Jesus não são um endosso à inação ou à imprevidência como se fôssemos esperar o maná do Céu, antes, terna advertência à avidez e à não-sofreguidão de quem não confia na benção do trabalho.
Trabalho é lei soberana em toda a parte. Através dele, se equilibram os Mundos. Espíritos soberanamente sábios, cocriadores divinos, regem a orquestra incessante do Infinito, no Espaço. Desçamos, no entanto, da Paz das Estrelas ao minguado plano terreno. Para eles, trabalho é toda a atividade produtiva material ou intelectual. Ocupação, esforço. Em física, a produção de movimento em um corpo por meio de uma força, a medir-se, em quilogramas, o produto da intensidade dessa força pelo espaço percorrido.
Os homens, como se sabe, passaram do nomadismo para o sedentarismo há já tantos séculos. Com isso aos poucos se institucionalizou a atividade laborativa com a divisão do trabalho por nível e especialização. Costuma-se reconhecer o trabalho material (dispêndio de energia física) e o intelectual ou mental. Ainda sobre o primeiro, diz-se ser braçal (força bruta do organismo) e/ou mecânico, quando passamos a associar a máquina, a partir da alavanca. Ou quando colocamos, ainda, ao nosso serviço, a força bruta dos irracionais. Sob outro sentido, temos ainda a considerar: o trabalho escravo; o servil; e o assalariado…
Muitos romances focalizam com ênfase o conceito que vigia antigamente com relação ao trabalho material. Para os patrícios romanos, por exemplo, constituía humilhação a contingência de ter que executar qualquer atividade laborativa. Viviam nas pelejas do campo esportivo quando, com o advento do Cristo, nasceu uma mentalidade nova que deu dignidade ao trabalho. Paulo de Tarso marcou fundo a sua transformação quando renunciou aos bens de herança e se dedicou a tecer as próprias vestes. E o Espiritismo institui o dever do serviço por princípio, asseverando que ninguém é imune a esse dever. Nasce com o Cristianismo e se esplende com o Espiritismo o sentido ético do trabalho. Erige-se como uma das Leis Naturais em seu alto valor social. A dignidade não está mais com o homem fátuo, sem trabalho. É a do trabalhador, do operário mais humilde em suas condições pessoais, até a do diretor de indústria ou ao intelectual.
Não se advoga o lucro imediato com vistas ao supérfluo. Os bens decorrem do trabalho honesto, não mais da exploração do homem pelo homem. Não condena a riqueza bem constituída quando posta a serviço da coletividade. gerando empregos e contribuindo para a dignidade dos homens. A igualdade absoluta de riqueza não é possível e, se estabelecida, logo seria rompida, se tentada. Contrariaria a lei do esforço próprio da criatura, sendo sua contrafação o menor esforço. O egoísmo, sim, é a chaga social a condenar-se. Herculano Pires, na sua tradução de “O livro dos Espíritos”, em nota de rodapé declara: “O paraíso terrestre do marxismo equivale ao paraíso celeste dos beatos. O Espiritismo não aceita um extremo nem outro, colocando as cousas em seu devido lugar”.
A divisão em classes, em grupos de atividade, em especialidades, com Ford e Taylor à frente, dá muita importância ao sentido cooperativista, à integração do trabalhador no campo e, sobretudo, da indústria. Mas o Cristianismo do Cristo diferentemente do Cristianismo dos homens, isto é, aquele que o Espiritismo procura reviver, dá um outro destaque, sem apelo, à luta de classes, sem as ambições de supremacia ou hegemonias de grupos. Essa ética pede, agora, respeito aos direitos individuais e aos de classes, abrangendo trabalhadores e dirigentes, com a solidariedade fraterna. Lembra a todos que, junto aos direitos alegados estão, também, deveres recíprocos. O próprio “O livro dos Espíritos” fala dos direitos ao repouso, à aposentadoria e à assistência em face do desemprego. Chega a classificar de flagelo o desemprego. O trabalho não visa apenas à subsistência do lar, a nutrir os corpos e dar-lhes abrigo e lazer. Ele educa o homem, explicitando deveres, em se constituindo no melhor remédio contra toda sorte de pensamentos corrosivos da mente. É fundamental na vida do homem e da sociedade, com vistas à própria evolução. Evolvemos mesmo, podemos dizer, do trabalho material ao intelectual. A Humanidade como um todo e as gerações, no tempo, à medida que avançam, veem cair percentualmente o índice de esforço material em favor da contribuição da inteligência.
Na “Revue Spirite” (março 1864, “Objetivo final do homem na Terra”) encontramos a afirmação de Vaucanson – Espírito: “O homem é um agente espiritual que deve chegar, em período não distante, a submeter ao seu serviço e para todas as operações materiais a própria matéria, dando-lhe como único motor a inteligência que se expande nos cérebros humanos”. E isso tem acontecido.
* Artigo originalmente publicado no jornal “O Clarim”, em junho de 1986.
OS TEXTOS DA EDIÇÃO
Em tudo é o mesmo suor, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga
O Trabalho como fator de evolução, por Vítor Ronaldo Costa (in memoriam)
O homem sem Trabalho não pode evoluir, por Leopoldina Xavier
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