Denizard de Souza
Somente ações sociais baseadas no respeito ao indivíduo e na fraternidade são capazes de concretizar as metas de uma sociedade justa e equilibrada.
Pode parecer estranho identificar na solidariedade social o caminho para a saúde e o bem-estar dos indivíduos; no entanto, esta é a conclusão que inúmeros estudiosos do comportamento humano estão chegando, ao lidarem com a violência, o estresse, a doença do pânico, a dependência química, os conflitos familiares, a ansiedade e a insatisfação emocional que caracterizam a vida social neste final de século.
Há muito que o processo de modernização da sociedade transformou a experiência coletiva em espaço do “interesse econômico”, da “luta pela sobrevivência”, da “cultura de consumo”, da “incontrolável corrida tecnológica” e da “disputa por poder político, ideológico e social”. Este lugar exótico de “convívio social”, também chamado de “megalópoles ou grandes centros urbanos”, esta “Arca de Noé globalizada” parece ter integrado ao seu mundo pessoas, trabalho, capital, objetos de consumo, tecnologias, desigualdades econômicas, sem, no entanto, preocupar-se em incluir, neste espaço de relações humanas, as normas da solidariedade e da fraternidade.
Este vácuo de solidariedade, no dia a dia dos grandes centros urbanos, pode ser identificado facilmente na intolerância com as minorias étnicas, econômicas e sexuais, na indiferença com os desassistidos na saúde e educação, na violência do trânsito, na fome e na miséria extremas, na apatia social com relação ao suicídio, a solidão e a dor emocional, que passam ignoradas. Trata-se do conhecido divórcio entre a sociedade (lugar dos interesses materiais) e a sua face comunitária na qual os indivíduos resgatam os laços da solidariedade, da empatia, da afetividade, da cooperação e dos valores societários.
Apesar disso, parece que o puro legalismo como fator de manutenção do equilíbrio social e o predomínio exclusivo do trato jurídico na regulação do relacionamento dos indivíduos, grupos e da coletividade, começam a dar sinais de sua incompletude e ineficácia quando ocorrem isolados dos valores da solidariedade. Neste caso, não bastam a busca pela equalização econômica, a aplicação rigorosa da lei e a racionalização na distribuição dos benefícios sociais. É necessário algo muito maior e mais significativo na conquista da justiça social e da felicidade coletiva: a Sociedade Solidária.
Como reconhece Goleman (1995) é fundamental levar “civilidade às ruas, inteligência às emoções e envolvimento à comunidade”. Ou seja, cada vez mais obtém-se a certeza que as questões sociais e o desafio do bem-estar psicoemocional dos indivíduos, devem ser equacionados em contextos de solidariedade, diálogo, fraternidade e valorização das diferenças. Sendo assim, a questão social é redefinida, passando de uma visão estratégico-instrumental, onde os problemas sociais são vistos como demandas puramente materiais, passíveis de solução técnica e ajuste econômico, para a consideração dos aspectos comunitários e éticos da problemática social. Trata-se da emergência de uma consciência social, que identifica no envolvimento da comunidade, na inteligência das emoções e na solidariedade, a saída mais eficiente para os desafios da sociedade moderna: o desemprego, a delinquência juvenil, a criminalidade, a fome, a exclusão social, os conflitos familiares e as drogas.
Partindo deste modelo de solidariedade social, é possível identificar algumas experiências bem sucedidas como o SOS Cidadania, o Lar Fabiano de Cristo (Face Social da Capemi) e outras parcerias do setor privado com entidades de assistência e promoção social, a Comunidade Solidária, a Legião da Boa Vontade-LBV, a ação das instituições religiosas, os grupos que defendem os direitos das minorias, as ONGs ligadas à proteção da natureza e do meio ambiente, a ação de voluntários que formam grupos no interior de empresas, escolas, universidades e nos espaços da mídia.
Toda esta rede, que atende a fome, o deficiente físico, o dependente químico, a família carente, a criança abandonada, que resgata a cidadania das minorias sexuais, raciais e étnicas, que oferece qualificação profissional para desempregados, que preserva a natureza, realiza um gigantesco trabalho de solidariedade fora do orçamento oficial do governo e do aparato público.
Os resultados alcançados pelo chamado terceiro setor, a sociedade civil organizada, atuando como uma terceira via (além do estado e do mercado), vem comprovando na prática a eficácia de ações sociais organizadas pela solidariedade e pelo envolvimento da comunidade. É a força de um movimento de solidariedade que assume as questões sociais a partir de valores éticos (não-estratégico-econômico), tais como a valorização da vida, o amor, a cidadania e o espírito de respeito mútuo.
A diferença fundamental destes modelos solidários é que eles motivam uma relação ética no processo de promoção social, sendo que todos os envolvidos (voluntários, técnicos e grupos assistidos) se relacionam como sujeitos corresponsáveis pelo sucesso dos projetos sociais. Somente ações sociais baseadas no respeito ao indivíduo e na fraternidade são capazes de concretizar as metas de uma sociedade justa e equilibrada.
Este novo paradigma, do envolvimento direto da comunidade nas questões sociais, tem suscitado significativas conclusões, também na área da saúde. Cada vez mais psicólogos, terapeutas familiares, etnopsiquiatras, psicanalistas e médicos que lidam com as “doenças incuráveis”, observam os efeitos salutares, sobre a imunologia e as condições psicoemocionais, em pacientes que se dedicam a atividades de cunho social. Tais pacientes têm demonstrado, segundo a “American Association Medical”, significativa recuperação de sua situação imunológica, psicológica e emocional em contato com o trabalho de solidariedade social.
A partir da última década do século 20 observa-se um crescimento significativo de projetos, tecnologias, instituições e modelos de ação social que, superando velhas tradições políticas, econômicas e ideológicas, convergem para um mesmo campo de realizações: o desenvolvimento de alternativas para os problemas sociais baseadas na difusão do espírito da Solidariedade Social. Neste momento histórico, em que parece surgir efetivamente a Sociedade Mundial, deflagrada pela força do processo de globalização econômica e tecnológica (sociedades-em-rede), um paradigma novo se apresenta: a certeza que os caminhos que levam a uma comunidade justa e saudável, passa pela formação da Sociedade solidária.
Referência:
GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
* Artigo originalmente publicado no jornal Abertura.
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