Nelson Santos
“[…] Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado. Todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio, a morte de qualquer homem me diminui, pois sou parte do gênero humano. E, portanto, não perguntai: Por quem os sinos dobram, eles dobram por vós. […].”
(John Donne, “Meditação XVII”)
Neste belo excerto, o poeta John Donne versa em suas linhas que o ser humano, ainda que apartado do convívio com a humanidade, faz parte do mundo, pois ela é representada por seres coletivos, sociais, em que a eloquente grandiosidade da sociedade aí fulgura, na quebra do isolamento e da solidão, o que só é diminuído – e apenas temporariamente – a pela morte.
Os sinos dobram por razões e significados diversos: os ritos de passagem, o limbo e o vazio social, assim como a “voz de Deus”, em ocasiões específicas; mas, também, dobram representando a fabulosa capacidade de empatia, num processo natural inserido no desenvolvimento humano com laços intrínsecos, imanente e inerente (ao e do mesmo), onde a ausência de um é sentida pelo todo.
Entre o existencial e o transcendental, o ser navega em ambiência social.
A vivência em sociedade molda, assim, o ser humano, com seus conseguintes atos e efeitos. Na comunidade, ele se aperfeiçoa, evolui progressivamente, pois tal é o fruto das Leis Naturais, promulgadas pela inteligência maior, o primeiro motor, a que chamamos Deus, ao qual toda a realidade se submete.
Nos pensadores e nos poetas, desde os primórdios, a definição de sociedade evolui e, cada um a seu tempo, vai revelando características, tecendo teorias, conceitos e, também, poemas sobre o ser no mundo, a sociedade. Temos, em Aristóteles, que “o homem é naturalmente um animal político”, portanto, social. Tomás de Aquino, o mais expressivo seguidor de Aristóteles, afirma que “o homem é por natureza, animal social e político, vivendo em multidão”. Aí, tem-se, portanto, a socialização como elo, com as premissas sociais dos povos, transformando comunidades, mudando nações, solidificando a sociedade, unindo o mundo.
A Doutrina dos Espíritos e o pensamento analítico kardeciano tecem, de modo didático, firmados conceitos acerca da vivência social como o instrumento de progressão moral e ética da sociedade. Acrescenta, com fundamento nos conceitos e teorias dos estudiosos e filósofos de todos os tempos, em “O livro dos Espíritos”, na terceira parte, a Lei de Sociedade. Iniciando a temática sobre sociedade temos a indagação: “A vida social é natural?”.
A resposta é, pois, magistral: “Certamente. Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação”.
Nas demais questões, Kardec e os Espíritos Superiores vão dialogando sobre a vivência em sociedade, guardadas as proporções individuais que diferem entre si os seres. Todos, assim, devem buscar, para viver em sociedade, pacificamente, e usufruir coletivamente do convívio social, o caminhar solidário, considerado “a pedra de toque” para o progresso, pois só assim a deficiência de um seria ajustada pela abundância de outro.
Para a sociedade, a contemplação, o isolamento e o voto do silêncio não seriam sábios conselheiros, resultando em uma satisfação egoísta a que nada favorece. Bem ao contrário, portanto, daqueles que pretendam prover o amparo dos menos favorecidos, a equidade no coletivo de seres e o equilíbrio no cumprimento da lei. Tarefas nossas!
No contexto social tem-se, ainda, a esfera familiar, onde obtemos o espaço de convívio social e o acolhimento dos Espíritos em busca de evolução. Na posição de pais/responsáveis, abrigamos seres sob nossa responsabilidade, buscando socializá-los, para que eles convivam em fraternidade e amor, pois os elos comunitários são necessários como estabelecido na própria lei natural e o seu relaxamento seria uma temeridade, posto que uma recrudescência do egoísmo.
Além dos próprios desejos e objetivos individuais, há direitos, deveres e obrigações inerentes à sociedade, como aponta mais adiante a questão 877, que recebe, das Inteligências Superiores uma cabal resposta: “Sim, e a primeira de todas é a de respeitar os direitos dos semelhantes; aquele que respeitar esses direitos será sempre justo. No vosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de represálias e vêm daí a perturbação e a confusão da vossa sociedade. A vida social dá direitos e impõe deveres recíprocos”.
Alinhando-se os deveres e os direitos é possível compor um processo educativo e este se afigura, desde o nascedouro, no aprimoramento da vida em comum, do ser perante a sociedade. Mas, considerada a amplitude e a diversidade de graus espirituais, nos encarnados, é possível perceber, ainda, a sobreposição do egoísmo, fonte do desequilíbrio de dada sociedade, gerando sofrimentos a muitos. Contudo, numa e noutra hipóteses, ambas as situações se encontram alicerçadas na Lei Natural, já que as partes assumem responsabilidades enquanto membros de um mesmo corpo de sociedade, rumo a uma nova ordem social.
De todo o exposto, vale a lembrança da afirmação do Professor Herculano Pires em “Curso dinâmico de Espiritismo”: “O Espiritismo aprofunda o conhecimento da Realidade Universal e não pretende modificar o Mundo em que vivemos através de mudanças superficiais de estruturas. Essa é a posição dos homens diante dos desequilíbrios e injustiças sociais. Mas o homem-espírita vê mais longe e mais fundo, buscando as causas dos efeitos visíveis. Se queremos apagar uma lâmpada elétrica não adianta assoprá-la, é necessário apertar a chave que detém o fluxo de eletricidade. Se queremos mudar a Sociedade, não adiante modificar a sua estrutura feita pelos homens, mas modificar os homens que modificam as estruturas sociais”.
Por fim, não devemos esquecer que os sinos dobram por nós também. Ou não…
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