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“No Brasil, quando o feriado é religioso, até ateu comemora”, Jô Soares.
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Neste 5 de agosto de 2022, o riso perdeu um de seus maiores expoentes contemporâneos. Jô Soares, ou, como civilmente registrado, José Eugênio Soares (1938-2022).
Resgato, em minha memória, os programas humorísticos, de segunda, sábado ou domingo, em que o talentoso carioca participava, apresentava e dirigia. Deu vida e corpo (e que corpo!) a mais de trezentos personagens. Como esquecer Capitão Gay, Alice, Reizinho, Zé da Galera, Vovó Naná, Dom Casqueta, Dr. Sardinha, Evaristo, Ciça, Gandola, entre muitos outros.
Aliás, certa feita, quando perguntado sobre o “porquê” de dar vida a tantos personagens, todos gordos (ou gordas) ele afirmou: “A única certeza é que eu não teria feito nada disso sozinho. Eu sou o conjunto dessas pessoas – e felizmente sou gordo o bastante para que todas caibam no meu corpinho”. A jocosidade de fazer piada consigo mesmo e dar voz a muitos que, em função do excesso de peso, são vítimas de gordofobia, do preconceito em relação aos gordos e que se não fosse o inteligente artista, seriam desconhecidos e continuariam, por certo, sofrendo desventuras. Esta fala do nosso Jô, também, pode dar azo a ideia (espírita) de que a inspiração para muitos esquetes e muitas “caras e bocas” pode ter vindo de humoristas desencarnados, ligados a ele pelos “dons” da mediunidade. Por que não?
Também o fim de noite e madrugada, com seus talk-shows, conduzidos brilhantemente, com convidados de várias áreas, da política aos esportes, da dramaturgia à música, nacionais e internacionais, no “Jô Soares Onze e Meia” e no “Programa do Jô”, no SBT e na Globo, foram importantes, para mim, na formação de convicções sobre distintas temáticas, a partir das entrevistas. Como aprendi no Curso de Comunicação Social – Jornalismo (UFSC), na década de 1980, o mais importante não é o convidado, mas a qualidade das perguntas, para extrair o melhor de cada especialista.
Mesmo na seriedade da abordagem dos seus últimos programas, onde o jornalismo investigativo e de convicção era a parte mais marcante, havia espaço para a comédia, com intervenções e interpretações – inclusive fazendo lembrar os esquetes de humor que o consagraram. Também a música era destaque, com a participação do “Quinteto do Jô”, em que ele, vez por outra, também se valia de performances em instrumentos musicais, como o piano e o violoncelo.
Nossa despedida – física – com o grande artista e jornalista, tem como mote o humor e o riso, como, aliás, descreve o nosso título. A importância do sorriso, da disposição humorística e da alegria são notórias para o ser encarnado, assim como para o Espírito. Acerca do bom humor, Kardec enfoca a questão em “O livro dos Médiuns”, destacando a existência de Espíritos joviais e bem-humorados, mas que, nas reuniões de estudo e atividade mediúnica sérias, não haveria espaço para pilhérias ou gracejos, posto que nas reuniões instrutivas o objetivo é obter o verdadeiro ensino das Inteligências Superiores.
Em uma dissertação intitulada “Notícias bibliográficas: A religião e a política na sociedade moderna – Por Frederic Herrenschneider”, na edição de junho de 1868 da “Revue Spirite”, Kardec dá destaque à força da alma (Espírito), listando uma série de qualidades: a atenção, a percepção, a razão, a lembrança, a fantasia, o humor, o pensamento, a razão, a reflexão, a vontade, a virtude, a consciência e a vigilância. Veja-se que o humor ocupa papel de destaque no rol acima, como elementos importantes para o desempenho espiritual e, também, para as comunicações espirituais.
Em outra passagem interessante, também na “Revue Spirite”, de maio de 1866, denominada “Necrologia – Morte do Doutor Cailleux”, o Professor francês destaca o poder curativo do humor, neste personagem, com destaque no seguinte trecho: “Nestes últimos tempos, quando a epidemia grassou em Étaples e nas aldeias circunvizinhas, o Dr. Cailleux se pôs inteiramente a serviço dos doentes e percorreu as aldeias infestadas, visitando os pobres, cuidando de uns, socorrendo outros e tendo consolações para todos. Assim, visitou mais de 800 doentes, entrando nas mais insalubres casas, sentando-se à cabeceira dos moribundos e ele próprio lhes administrando os remédios, sem jamais se lamentar, mantendo sempre, ao contrário, um HUMOR CONSTANTE e uma ALEGRIA PROVERBIAL. O DOENTE que o visse JÁ FICAVA MEIO CURADO POR ESSE HUMOR JOVIAL, SEMPRE ACOMPANHADO DE UM DITO ESPIRITUOSO QUE PROVOCAVA O RISO” (nossos os destaques).
Que maravilha! Um doente (da alma) cujo remédio era a alegria contagiante que alguém lhe provocava, pelas oportunidades de convivência. Temos certeza que o nosso Jô deve ter prodigalizado “curas” – refletidas na mudança do estado íntimo, do mau para o bom humor, ao encenar suas peripécias e proferir seus bordões que tanto nos fizeram, anos a fio, a rir e gargalhar em frente ao monitor de TV. Quantas e quantas pessoas não deixaram de lado seus problemas, ainda que momentaneamente, para rir de si mesmas, ao se enxergarem naqueles personagens. No dia seguinte, quantos deles não repetiram as piadas e os textos para seus mais próximos, familiares, colegas de trabalho ou estudo, multiplicando o “poder do riso”.
Tenho certeza que o bálsamo da alegria, ministrado em pequenas doses, semanalmente pelo “Gordo”, foram responsáveis por expressivas melhoras de comportamento e pela motivação necessária para enfrentar os dissabores e os desafios da existência material.
Em paralelo, fico pensando nos taciturnos ambientes de muitas instituições espíritas, algumas, até, em que o riso, a gargalhada, o falar mais alto, os efusivos abraços e beijos, as palmas e outras expressões de aprovação e contentamento, são castrados ou proibidos. Esta gente não entendeu nada da proposta espírita que – ao lado da seriedade com que se lida com as questões espirituais, sobretudo nos trabalhos ostensivos de mediunidade – enquadra a alegria, o riso, o bom humor como elementos de refrigério para a alma e de disposição para as lutas da existência.
Fico pensando naquelas tardes de Jerusalém e arredores, com o Magrão contando alguma anedota e fazendo rir os circunstantes. Deve ter aproveitado os pequenos deslizes, acidentes e trapalhadas, suas ou de algum apóstolo mais chegado, para fazer uma piada de reflexão e entendimento. Por que não? Admitir isto é “diminuir” a qualidade da missão de Jesus?
O Magrão – como, aliás, se observa na “obra de ficção”, intitulada “Operação Cavalo de Troia”, de J. J. Benítez, no volume I – brincava com as crianças, de rolar no chão, e de “pula carniça”, com certeza. Daí deve ter sido dita a sua inesquecível fala: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque os que a elas se assemelham têm direito ao ingresso no Reino Espiritual”. Um Jesus eminentemente humano, com todas as características que também nós possuímos – embora, no nosso caso, em dimensão menor – que se valia do riso, do sorriso e do humor para sua importante trajetória e missão para a Humanidade.
E o que dizer de Kardec, então? O sensato e compenetrado professor, organizador da Filosofia Espírita, magnetizador e experimentador mediúnico, questionador dos Espíritos Superiores, autor de 32 magníficas obras, também sorria. Ou você acha que não? Que tal, então, assistir novamente a película nacional “Kardec, a história por trás do nome” (Wagner de Assis, 2019), e verificar os largos sorrisos e as gargalhadas que o personagem Leonardo Medeiros que brilhantemente deu “vida” a Rivail, nas telas, brinda os que assistiram ao filme. Um Kardec humano, na condição de Espírito que ainda pertencia a esse mundo (de provas e expiações), lutando contra as más inclinações, e encontrando muitas razões para sorrir.
Então, vamos dizer da nossa alegria em nos despedir do nosso Jô Soares, com o sentimento de gratidão por tudo o que com ele aprendemos e, mais ainda, pelas inúmeras e inesquecíveis oportunidades de rir e gargalhar, dinamizando uma das potências da alma: o (bom) humor! Vai, Jô, segue tua trajetória iluminada, e, do mundo invisível, continue a nos inspirar a alegria de viver!