Marcelo Henrique
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Os ideais de renovação estão presentes em distintos agrupamentos, em ideologias ou filosofias distintas, e em várias partes do Globo, simultaneamente. É a força do BEM, operante, calcada na ação dos encarnados de “boa-vontade”, inspirados por afins, que lhes sopram as intuições por meio dos canais de espiritualidade.
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Busco no tempo a referência inicial de Francisco no meu viver. Católico que fui, até a transição dos dez para os onze anos, e habituado às práticas litúrgicas na Igreja de Santo Antônio de Pádua, deve ter sido lá o meu contato inicial com as imagens e pinturas do santo. Aguçando mais a imagem, lembro-me de uma foto em que Chico tinha em seus braços um garoto dos seus quatro anos, simbolizando o menino Jesus. E algumas imagens com ele, envolto por pássaros.
Depois, um pouco mais à frente, no início da puberdade, já em atividades de música e canto coral, a interpretação do célebre “Irmão Sol, Irmã Lua”, tema do filme homônimo, italiano. Da música fui à película, para ver a recontagem de sua história, cheia de percalços e buscas, sua luta interior e seu trabalho por uma democratização da igreja romana.
Mais tarde, já espírita, tomei às mãos o livro de Miramez, sob a psicografia de João Nunes Maia, “Francisco de Assis”, uma obra recheada da mitologia cristã, entremeada a relatos de reminiscências mediúnicas. Propriamente, não seria um livro “espírita”, por mesclar, de fato, várias filosofias e contextos, mas é uma obra de indizível mediunidade, assim como expressa, em suas páginas, grande parte do mediunato do il Poverello (O Pobrezinho de Assis, sua terra natal).
Chiquinho nasceu Giovanni (di Pietro di Bernardone) e virou Francesco, deu ouvidos às “vozes” que provinham do seu interior e atendeu ao “chamado” de dedicar-se ao ministério cristão, até fundar a OFM (Ordem dos Frades Menores) e pregou um retorno aos conselhos de Jesus para alcançar a perfeição, adotando, como o Mestre, uma pregação itinerante, ao invés de se confinar ou vincular a mosteiros e abadias.
Seu traço maior – descrito em um sem-número de obras e filmes que nele se baseiam – foi a vinculação com a Natureza, em estado de irmandade com astros celestes e os seres da criação. Tal caráter de universalidade marcaria todo o apostolado de Chiquinho. Assim como a proximidade com a pobreza e com os rejeitados do mundo, como os leprosos.
Ainda sobre os “irmãos menores”, plantas e animais, guardava uma íntima relação com estes seres a ponto de, em 1223, pela primeira vez na História, representar o nascimento de Jesus entre vários animais, em uma manjedoura, tradição que se eterniza até hoje.
Seu Poema da Paz é reconhecidamente um dos maiores cânticos de louvor (e prática) das Leis Divinas, tanto que Dante Alighieri a ele se referiu sempre como “a luz que brilhou sobre o mundo”.
Politicamente, Francesco foi muito importante para estabelecer novos paradigmas para a religião e o envolvimento em questões sociais, prática que até hoje motiva religiosos católicos em todo o mundo. Este ponto me parece fundamental para uma outra retomada dos princípios espíritas, nos dias de hoje, em que vemos grande parte do movimento espírita preocupado com questões “intramuros”, esquecendo-se do papel ativo, de protagonistas, para a transformação social, por meio da não-omissão dos bons (esclarecidos espiritualmente), diante, hoje mais do que nunca, das audácias dos maus.
Lembro do meu Chiquinho e amplio a visão para ver um outro Chico, o Bergoglio, que parece estar ditando novos passos para a secular e pétrea Igreja como um todo. E o que, a isso interessa, a nós espíritas? Muita coisa. Ninguém é uma ilha. Os avanços planetários não se acham – como acreditam muitos espíritas – circunscritos a movimentos isolados, patrocinados ou empreendidos por determinados movimentos. Na lembrança do adágio “o vento sopra onde quer”, tem-se, com o esclarecimento espírita, a ideia de que os ideais de renovação estão presentes em distintos agrupamentos, em ideologias ou filosofias distintas, e em várias partes do Globo, simultaneamente. É a força do BEM, operante, calcada na ação dos encarnados de “boa-vontade”, inspirados por afins, que lhes sopram as intuições por meio dos canais de espiritualidade.
O meu Chiquinho me inspira, sem que eu tenha qualquer vinculação de natureza religiosa, muito pelo contrário, ainda que eu não repila, em relação a quem quer que as tenha. Não vejo qualquer óbice para a ampliação do alcance da mensagem e da proposta espírita, que tenhamos, ao nosso lado, muitos religiosos espíritas ombreando as tarefas. A única condição, no entanto, para que haja o compartilhamento (partilhar o pão espiritual) é que ela, a religião, ou, até a religiosidade, não nos afastem, uns dos outros, e não seja causa da petrificação de condutas, ideias ou comportamentos. Que estejamos dispostos a renunciar, como Francesco, de Assis, às conjunturas, ao “modo de ver unitário ou unificado”, permitindo-nos, como o Codificador, a estabelecer a dicção de que haveria tantos espíritas quanto permitisse a variação de entendimento, humano-espiritual, sobre fundamentos e princípios, não estabelecendo requisitos de aceitação ou de definição do que é “ser espírita”. O mundo já tem, por demais, seus padrões e suas exigências.
O Espiritismo é para os livres!
Imagem de Pascvii por Pixabay
Nossa, Marcelo!!! Que texto lindo!!!
Todos buscamos essa referência nas nossas vidas. Nunca podemos nem devemos deixar de prestar a nossa homenagem a esse Chiquinho que todos os dias agradecia ao irmão sol e à irmã lua, assim como a todos os seus irmãozinhos que partilhavam a sua vida material. Foi certamente um ser de luz que por aqui passou. Belo texto. Excelente .