Eliana Haddad
Foto de Simoni Privato, reprodução de vídeo
O papel dos comunicadores e formadores de opinião no movimento espírita, para a restauração do conteúdo original da obra de Kardec é de extrema importância.
Haddad – Por que se interessou em pesquisar as alterações de A gênese?
Privato – Em matéria doutrinária, o que afirmamos deve estar muito bem fundamentado, ainda mais com relação a um tema tão relevante, como o conteúdo definitivo de uma obra fundamental do espiritismo. Meu único propósito foi encontrar a verdade. Não parti de nenhuma opinião pessoal ou ideia preconcebida. Concentrei-me nos fatos, nas provas e nos ensinamentos doutrinários.
Haddad – Em qual edição foram feitas as alterações?
Privato – As alterações do texto publicado por Allan Kardec em La genèse, les miracles et les prédictions selon le spiritisme foram feitas na quinta edição, depositada legalmente em 23 de dezembro de 1872 perante as autoridades francesas, ou seja, mais de três anos depois do falecimento de Allan Kardec. As quatro edições anteriores, todas datadas de 1868, têm o mesmo conteúdo – o texto definitivo da obra.
Haddad – Mas não existe a possibilidade de o depósito legal ter sido feito bem depois da publicação da quinta edição?
Privato – Antes da impressão e, portanto, do depósito legal, deveria ser feita uma declaração de que se pretendia imprimir a obra. Segundo os documentos dos Arquivos Nacionais da França, o registro da declaração de que se pretendia imprimir a obra foi feito perante o Ministério do Interior em 19 de dezembro de 1872 pela gráfica Rouge Frères, Dunon et Fresné.
Haddad – Quais foram as principais alterações?
Privato – São tão numerosas que é muito difícil especificar as principais. Henri Sausse mencionou 126 passagens que foram modificadas, acrescentadas ou suprimidas. Entre as muitas modificações que sofreu o capítulo 28, por exemplo, está a eliminação dos sete parágrafos do item 20, que trata do papel do espiritismo na regeneração da humanidade. Também foram eliminados três parágrafos sobre o desaparecimento do corpo de Jesus, no capítulo 15. No capítulo 10, foi acrescentado um parágrafo final no item 23, sobre a geração espontânea, no lugar do parágrafo que havia sido escrito por Allan Kardec, provocando a mudança do teor da conclusão sobre o tema apresentada por ele nas quatro edições de 1868.
Uma maneira rápida para confirmar se o texto corresponde ao que Kardec publicou é ver quantos itens tem o capítulo 15. No texto de Allan Kardec é composto de 68 itens.
Haddad – Você acha que houve má fé? Isso impacta no trabalho realizado pelo Espírito de Verdade?
Privato – O que se pode constatar, do ponto de vista doutrinário, é que a pessoa ou as pessoas que alteraram o conteúdo da obra não compreendiam a doutrina espírita – nem suas características nem seu papel para a humanidade.
O texto publicado por Allan Kardec na obra não é sua opinião pessoal – e, por isso, não deve ser relativizado. É o resultado de muitos anos de estudo, de observação e sobretudo de confirmação segundo os critérios espíritas da razão e da concordância do ensino dos Espíritos, com exceção de algumas teorias hipotéticas, que Allan Kardec teve todo o cuidado de indicar como tais. A alteração do conteúdo publicado por Allan Kardec revela, portanto, uma tentativa de substituir a doutrina dos Espíritos pela opinião de alguma ou de algumas pessoas.
A seriedade do trabalho realizado pelo Espírito de Verdade é inabalável. O Espiritismo sempre triunfa: é obra de Jesus. Este caso é prova disso.
Haddad – Diante deste fato, qual deve ser o nosso papel como comunicadores e formadores de opinião no movimento espírita?
Privato – No processo de restauração do verdadeiro conteúdo de “La genèse”, é necessário que haja traduções fiéis, mas também que se esclareça a questão da adulteração e se estimule a união de esforços para que o conteúdo adulterado seja definitivamente substituído pelo que Allan Kardec realmente publicou. Também é preciso incentivar o estudo da obra. O papel dos comunicadores e formadores de opinião no movimento espírita é de extrema importância.
Haddad – Como proceder para que a seriedade da obra da codificação não seja abalada?
Privato – A restauração do conteúdo definitivo, de 1868, é fundamental não apenas para essa obra, mas também para as demais de Allan Kardec. A elaboração de “La genèse”, que foi publicada quase onze anos depois de “O livro dos Espíritos”, beneficiou-se do desenvolvimento teórico e prático da doutrina espírita. Seu estudo é indispensável para a compreensão e o estudo aprofundado do conteúdo das obras anteriores – e, portanto, para a devida compreensão, prática e divulgação da própria doutrina espírita. Além disso, para respeitar-se a seriedade das obras de Allan Kardec, é necessário incentivar o estudo e a divulgação dessas obras, além da prática de seus ensinamentos.
Nota do ECK: Entrevista publicada no jornal “Correio Fraterno”, número 479, de janeiro-fevereiro de 2018.
É pertinente que esse assunto sobre a deturpação da tradução de A Gênese, seja trazido à tona novamente. Na época (2018), houve um grande intusiasmo quanto ao resgate da tradução correta, e em seguida, houve também uma nova versão de O Céu e o Inferno. Precisamos ponderar e trazer novas publicações a respeito, pois há quem tenha know how na doutrina espírita, e ainda defenda as traduções deturpadas. Parabéns ao ECK!