Gélio Lacerda da Silva (in memoriam)
Os confrades Carlos de Brito Imbassahy (RJ) e Jamil Salomão (SP) divulgaram há alguns anos a notícia de que foram entregues ao Dr. Canuto de Abreu, em Paris, pouco antes de estourar a Guerra de 1939, documentos de Allan Kardec, incluindo cartas suas endereçadas a Roustaing, acusando-o de controverter a ordem doutrinária e de traidor dos postulados espíritas.
Escreveu Carlos de Brito Imbassahy, sob o título “Dr. Canuto de Abreu” (jornal “Mundo Espírita”, agosto/1980): “Os tempos se passam”. Indo a São Paulo em companhia do Olympio (que fazia vez de meu irmão), e da esposa, fomos almoçar com o Dr. Canuto de Abreu; nesta tarde, ele nos leva para os seus arquivos particulares e nos mostra um “dossier” contagiando-nos a seguinte história: “Estava na França pouco antes de estourar a Guerra de 1939 quando, intempestivamente, fui procurado por dois cidadãos que se apresentaram e se disseram que ali estavam por ordem espiritual. Os cidadãos haviam recebido instrução de seus guias que deveria vir do Brasil uma determinada pessoa em tais circunstâncias que coincidiam exatamente com as minhas [dizia o Dr. Canuto] e que a esse cidadão deveriam ser entregues os arquivos particulares do próprio Allan Kardec, pois a Europa iria passar uma fase conturbada de guerra e, se esses documentos fossem encontrados, seriam destruídos”.
Ali estava, diante de mim e de Olympio, a letrinha de Kardec, suas opiniões e um envelope “confidencial-não pode ser publicado”. Mostrou-me seu conteúdo dizendo: “Gostaria de doar este acervo à Federação Espírita Brasileira, mas ela é roustainguista e, na certa, não vai admitir que seja ela própria a portadora de documentos que condenam “Os Quatro Evangelhos” (de Roustaing!). Disse isso e mostrou-me duas cartas manuscritas onde, por cima, lia-se: “carta enviada ao senhor João Batista Roustaing, cartas essas que são um libelo terrível, no qual acusa o “colega” de controverter a ordem doutrinária, deixando-se envolver por mistificadores cujo único objetivo era desmoralizar o sistema de comunicação com os mortos”.
Jamil Salomão (no jornal “Correio Fraterno do ABC”, edição de janeiro/1990) escreveu, sob o título “J. B. Roustaing, o Judas do Espiritismo”: “Esta afirmativa é atribuída a Allan Kardec”, feita em uma carta endereçada ao insigne escritor Léon Denis, cujo próprio original se encontra em poder do Dr. Canuto de Abreu, conhecido intelectual e espírita da capital de São Paulo, que possuía farto material que pertencia a Kardec. Numa Visita fraterna ao Dr. Canuto, pelos idos de 1974, em companhia do Dr. Freitas Nobre e da médica Dra. Marlene Severino Nobre, ouvimos essas revelações surpreendentes, pois desconhecíamos a existência de um documento de tal importância. Imediatamente foi solicitado ao Dr. Canuto de Abreu permissão para a divulgar o material, bem como obter cópia do mesmo, a fim de ser noticiado no jornal “A Folha Espírita”, que estava sendo lançado naquela época, como o primeiro jornal espírita a ser colocado nas bancas públicas e com distribuição nacional. O Dr. Canuto se mostrou temeroso, não permitindo a divulgação da carta de Kardec, na qual atribuía a Roustaing a condição de traidor dos postulados espíritas, ao lançar “Os Quatro Evangelhos”, atribuindo-lhes o título de “Revelação da Revelação””, o que poderia ser motivo de uma cisão no movimento espírita”.
Quanto ao escrúpulo do Dr. Canuto de Abreu, e agora de seus familiares, em não dar publicidade às cartas de Allan Kardec contra Roustaing, ocorre-nos lembrar à distinta família que, se o plano espiritual se preocupou com a preservação dos documentos de Kardec, incluídas as referidas cartas, não foi para que elas permanecessem desconhecidas do público espírita. É óbvio, caso contrário os espíritos deixariam que tais documentos fossem destruídos pelos invasores alemães, como estava previsto. Com essa atitude, a nosso ver, equivocada, da respeitável família Canuto de Abreu, apenas se exumaram, em Paris, as cartas de Allan Kardec para dar lhes nova sepultura, no Brasil. E perguntamos: Para que?
Consultando sobre o paradeiro dessas cartas, informou Carlos de Brito Imbassahy que conforme lhe disseram, elas estariam em poder de um neto do Dr. Canuto de Abreu. Fazemos este apelo a quem guarde estas cartas de Allan Kardec: que as entregue para divulgação, a um jornal de grande circulação, dar-lhes publicidade. [B]
Espíritas Verdadeiros! Esclareçam-se sobre os erros contidos na obra de Roustaing, estudando uma ou todas as seguintes obras e respectivos autores, indicados por Erasto de Carvalho Prestes, de Niterói (RJ): Luciano Costa (“Kardec e não Roustaing”); José Herculano Pires (“O Roustainguismo à Luz dos Textos”); Júlio Abreu Filho (“Erros Doutrinários”); Ricardo Machado (“Máscaras Abaixo”); Henrique Andrade (“A Bem da Verdade”); Wilson Garcia (“Corpo Fluídico”); Gélio Lacerda da Silva (“Conscientização Espírita”); Nazareno Tourinho (“Retalhos de um Atalho” e “As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing”).
De nada valeu exumar, em Paris, as cartas de Allan Kardec a Roustaing, porque lhes foi dado nova sepultura, no Brasil.
Notas do ECK:
[A] Este artigo foi enviado por carta e publicado em alguns periódicos espíritas, no final da década de 1990, inclusive na edição impressa da Revista Espírita Harmonia.
[B] O acervo de Canuto de Abreu foi disponibilizado, em 2018, à Fundação Espírita André Luiz (FEAL) criou o Centro de Documentação e Obras Raras (CDOR) que lançou o projeto “Cartas de Kardec”, com o objetivo de garantir a preservação do material que guarda a memória do Espiritismo – cerca de 740 manuscritos (textos de Allan Kardec, Amélie Boudet, Gabriel Delanne e Camille Flammarion), onde Kardec, principalmente, revela bastidores, a intimidade e a verdadeira história do Espiritismo sendo, ainda, possível, conhecer o lado humano, pessoal e familiar do Professor Rivail. Posteriormente, em parceria com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os documentos estão sendo preservados, traduzidos e logo, o conteúdo total estará à disposição da comunidade espírita internacional e de outros interessados, não-espíritas, para suas pesquisas.
Imagem-de-Dietmar-Wiedemann Pixabay
Será que a divulgação de uma carta de Kardec desaprovando a obra de Roustaing mudaria alguma coisa no Espiritismo brasileiro? A boa recepção a Roustaing não seria muito mais o resultado da alma católica que já vigorava entre os espíritas, a maioria católicos recém-convertidos ao Espiritismo? Confesso que tenho minhas dúvidas se mudaria alguma coisa. A grande maioria das pessoas que abraçam as teses de Roustaing sequer leram os seus livros; aprenderam por lerem os romances espíritas publicados pela FEB, que são considerados como “complementação doutrinária” ao pensamento de Kardec.
Caro Elias Inácio, concordo com que tenha havido a influência da “alma católica vigorante (pois ainda o é) entre os novos e velhos adeptos do Espiritismo muitos dos quais, ai também me incluo, sequer leram os textos contidos na obra de Roustaing.
No entanto penso que seja aí que reside a verdadeira questão, isto é: a influência dos ensinos do catolicismo e também do protestantismo em todos os que se aproximam do estudo do Espiritismo de forma que mantém diante dos textos de Kardec a mesma postura que mantém diante dos textos bíblicos; mantém os mesmo conceitos sobre Deus aceitando-o como um ser subjugador que não suporta ser contestado e que pune os que os fazem; que vêm a existência do mal como fruto de um ser que se rebelou a Deus e que mesmo assim adquiriu de Deus a chance de criar um reino concorrente para nele receber em caráter eterno os que não se submeteram; também acreditam na herança do pecado original pelas gerações sequintes que sofreriam, como castigo, as consequência da desobediência; que seria necessário que Deus enviasse seu filho para “salvar” sofrendo em si mesmo as torturas que lhe derramaram o sangue, pagando a dívida dos desobedientes;….entre outras influências que perduram no inconsciente das gerações assim ensinadas.
Portanto parece claro que não são os conteúdos dos livros de Roustaing que perduram no meio espírita, mas sim as doutrinas religiosas ensinadas desde o judaísmo e que foram incorporadas pelo cristianismo, transformadas no meio espírita em seres obsessores malígnos, regiões das trevas, temor a Deus, castigos divinos, etc.
Aí residem as verdadeiras distorções do ensino original da Doutrina Espírita e que agora estão sendo reveladas pelo resgate dos textos originais que foram adulterados e que aínda estão em nossas estantes tais quais A Gênese e O Céu e o Inferno.
Independente do tempo que leve a divulgação de tais cartas, sempre ela se dará no momento propício e aos poucos uma nova safra de espíritas mais questionadores e muito mais perspicazes com as verdades doutrinárias que tudo será revelado e desmascarados. Começamos com Herculano Pires, depois Simone Privativo e hoje temos grupos do Quilate do ECK que aos poucos trará toda verdade a tona restaurando a verdadeira posição dos espíritos superiores…
É DEVER DE TODO ESPÍRITA SINCERO EVITAR QUE A DOUTRINA SEJA DESVIADA DE SEU VERDADEIRO CURSO; PORTANTO, MEUS AMIGOS, EU CONTO CONVOSCO.
Mensagem psicografada de Allan Kardec (1882) – Livro “Muita Luz” de Berthe Fropo