Muito alarde e fontes nada confiáveis!, por Denis Denisard

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Denis Denisard

O direito de expressão é inalienável. A interpretação é um elemento decorrente da inteligência. Todavia, a motivação para o agir segue sendo o elemento que diferencia os bons e os maus, como consta das diretrizes da Codificação Espírita.

Nos últimos tempos, os embates sobre duas teses contraditórias e inconciliáveis têm marcado o cotidiano dos espíritas (ou, pelo menos, daqueles que se interessam por tudo o que há “além” das letras, isto é, do conteúdo divulgado de obras – especialmente as que têm a assinatura de Allan Kardec). Pontualmente, os dois grupos são: 1) os que destacam as adulterações em, pelo menos, duas das obras fundamentais de Kardec; e, 2) os que acreditam que tudo foi preparado pelo professor francês antes da sua morte e os seus continuadores simplesmente publicaram (e comercializaram) as obras com alterações.

Obviamente, como seres dotados de inteligência, cabe-nos interpretar as informações e formar nossas próprias convicções. Felizmente, a Humanidade progrediu e superou fases anteriores onde determinadas pessoas, do alto de suas “autoridades” determinavam às grandes massas, o “certo” e o “errado”, impondo suas convicções e utilizando a força para aniquilar os discordantes.

Hoje não é mais assim, felizmente. Fatos, documentos e ideias podem ser livremente analisadas e o direito inalienável de opção (escolha) está presente em todos os Espíritos – mesmo que alguns não o exercitem de forma plena, o que também é uma decisão pessoal e intransferível.

A partir dos eventos históricos e dos documentos que a eles se referem, o primeiro grupo tem demonstrado, com o uso da racionalidade e a partir das evidências histórico-documentais que ocorreram ADULTERAÇÕES, tanto na letra quanto no espírito do movimento espírita originário (francês).

Obras como “Muita Luz” (Berthe Fropo) e “O legado de Allan Kardec” (Simoni Privato Goidanich) e “Nem Céu nem Inferno” (Paulo Henrique de Figueiredo e Lucas Sampaio) são importantes para o entendimento da realidade vigente no contexto espírita daquele tempo e, também, para entender os rumos que o Espiritismo tomou a partir de 31 de março de 1869, momento em que Rivail-Kardec deixa a condição de protagonista e coordenador-orientador daquele movimento.

No entanto, o segundo grupo tem buscado descaracterizar não só o conteúdo dos livros acima mencionados, como o trabalho plural – doutrinário, histórico, jurídico-documental – para buscar em “manuscritos”, informações esparsas para validar a tese de que as edições póstumas de “A Gênese” e “O Céu e o Inferno” teriam sido deixadas “preparadas” e “totalmente” nas tipografias (gráficas) para “impressões futuras”.

Em assim agindo, embora aleguem estar realizando “investigações”, se posicionam – DEFINITIVAMENTE! – pela tese da não-adulteração, baseando-se em algumas falsas premissas:

a) a de que Kardec revisava e republicava seus livros, alterando-os;
b) a de que Kardec havia dito que desejava alterar esta ou aquela obra;
c) a de que muitos dos textos “incluídos” nas edições (póstumas) das citadas obras, correspondem, parcialmente, a textos inseridos nos fascículos mensais da “Revue Spirite” (a revista que Kardec publicou entre 1858 e 1869); e,
d) a de que a linguagem utilizada nos trechos adulterados é correspondente ao “estilo” de Kardec e, em muitos casos, “a redação ficou melhor”.

Eis, aí, o “conjunto” de argumentos utilizados, para dar sustentação à tese de que as edições póstumas seriam, “in totum” da lavra do Professor francês.

Em sentido oposto – e corroborando, portanto, a tese da adulteração – um conjunto de informações, regras jurídicas e elementos documentais segue como sendo as premissas para fundamentar a recusa, da parte dos espíritas sensatos, em reconhecer as edições póstumas como verdadeiras:

1) O autor – e somente ele – poderia alterar a obra de sua lavra;
2) As alterações em obras literárias obedecem a disciplina legal vigente na França, necessitando de documentos e registros específicos (como o depósito legal das alterações);
3) O conteúdo das edições adulteradas em comparação com as edições originais publicadas por Kardec contém supressões, acréscimos e alterações de textos que contrariam o conjunto de informações, a lógica de elementos e os princípios doutrinários expressos, não só nas obras em questão, como no conjunto de 32 (trinta e duas) obras publicadas, de próprio punho, pelo Professor francês;
4) Não há nenhum documento de caráter descritivo, assinado pelo próprio Kardec, encaminhando aos editores, até a data de seu falecimento, explicitando, uma a uma, as alterações que foram realizadas nas duas obras em comento, nem remessa às autoridades competentes do pedido de publicação COM ALTERAÇÕES de tais livros;
5) Há um manuscrito de Kardec em que ele declara estar abandonando as (usuais) atividades de revisão das obras, em função da sua delicada condição de saúde [A];
6) Kardec se aconselhou com os Espíritos sobre a ideia de alterar a obra “A Gênese”, deles recebendo a seguinte orientação: “Minha opinião é que não há absolutamente nada de doutrina a ser retirado; tudo aí é útil e satisfatório sob todos os aspectos” e “É necessário deixar intactas todas as teorias que aparecem pela primeira vez aos olhos do público” [B]; e,
7) Muitos dos trechos retirados das duas obras são demonstrativos da MORAL AUTÔNOMA que caracteriza a própria Doutrina dos Espíritos, realidade que sempre foi demonstrada por Kardec que sempre criticava a moral heterônoma, àquela oposta, decorrente do fanatismo religioso e outras manipulações.

Por fim, embora reconheçamos relevante a existência de investigações (que o sejam, de fato!) e manifestações do pensamento visando buscar a “validação” da tese de que as obras publicadas após a morte de Kardec sejam legítimas, até agora só temos visto, como o título deste ensaio, muito alarde e fontes nada confiáveis. Em assim sendo, é necessário buscar a motivação para cada uma das ações humanas, no que nos guiamos pela resposta dada pelos Espíritos Superiores a Kardec (“O livro dos Espíritos”, item 932): “Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos”.

Então, quem é bom e quem é mau? Reflitamos…

Assim, é impossível, à luz da razão, do uso da lógica, do estudo comparado, da compreensão das premissas filosóficas e dos fundamentos da Doutrina dos Espíritos, ATÉ O MOMENTO, pela falta de documentos hábeis e legítimos e pela demonstração tanto da autenticidade das mudanças literárias (adulterações) quanto da sua pertinência doutrinária (concordância com o conteúdo das demais obras e das edições anteriores), admitir outra tese que não seja a da ADULTERAÇÃO dos livros “A Gênese” e “O Céu e o Inferno”.

Encerramos com a célebre frase de Kardec: “Na ausência dos fatos, a dúvida é a opinião do homem prudente” (“O livro dos Espíritos”, Introdução, VII – A Ciência e o Espiritismo – Trad. Herculano Pires).

Notas do ECK:
[A] Referido documento pode ser acessado neste link (https://www.comkardec.net.br/como-os-adulteradores-aproveitaram-a-revisao-inacabada-de-a-genese-e-o-ceu-e-o-inferno-por-marcelo-henrique/).
[B] Referidos documentos podem ser acessados no link (https://espirito.org.br/autonomia/ncni-conselhos-sobre-a-genese/).


Imagem de Tumisu por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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