Sérgio Aleixo
A existência, no Catálogo Racional, de Kardec, de menção aos itens 64 a 68 do Capítulo XV, de “A Gênese”, renumerados na edição póstuma desta obra, a desqualifica de todo.
Restrinjo-me aqui à ausência, desde a 5ª edição de “A Gênese”, de um dos itens do seu cap. XV, que termina do n. 64 ao n. 68: Desaparecimento do corpo de Jesus.
Dispunha, já em 2009, de uma tradução da 4ª edição francesa, realizada aqui no Rio de Janeiro, pelo Centro Espírita Léon Denis, de 2008.
Apenas comparando-a a um exemplar da Federação Espírita Brasileira, tradução da 5ª edição francesa, de imediato, observei que um item estava ausente no volume febiano, justo aquele contendo a hipótese de Kardec para o desaparecimento do corpo carnal de Jesus do túmulo em que fora posto: invisibilidade e transporte, caso afastada a de roubo clandestino, remetendo o leitor aos caps. IV e V, de “O Livro dos Médiuns”.
Kardec modificava seus textos. Autores fazem isso. É normal. Segundo F. Barrera, no seu “Resumo Analítico das Obras de Allan Kardec” (São Paulo: Madras, 2003), a 4 edição de “A Gênese”, impressa e publicada em 1869, conteria o texto definitivo, o qual teria sido revisado, corrigido e aumentado pelo autor.
A morte de Kardec teria interrompido a distribuição dessa edição, que se teria verificado “uns meses mais tarde” sob a responsabilidade de Desliens, Bittard e Tailleur (Op. cit., p. 80/1).
Já em 1885, na “Revue Spirite” (15 de março, n. 6, ano 28, p. 171.), talvez pressionado pelas polêmicas de 1883/84, Desliens asseverou que foi Kardec o autor de todas essas alterações. Desliens visava, desse modo, segundo suas palavras, “eliminar da família espírita uma causa de desunião”.
Não creio que tudo foi alterado por Kardec. Pouco provável que ceifasse, por exemplo, esse n. 67 do cap. XV e renumerasse o n. 68 para 67. Explico-me.
No seu “Catálogo Racional de Obras para a Fundação de uma Biblioteca Espírita”, do mesmo ano de 1869, Kardec referencia a obra de Roustaing e recomenda, pertinente ao assunto da natureza do corpo de Jesus, a leitura do cap. XV, de “A Gênese”, citando a numeração: “ns. 64 a 68”.
Portanto, não me parece que foi o mestre a se preocupar em suprimir o que já estava no n. 67 do cap. XV da 4ª ed. de A Gênese daquele mesmo curto ano. Morreria em 31 de março.
Quem retirou, afinal, da quinta edição de “A Gênese”, esse n. 67 e renumerou o 68 para uma unidade a menos? Kardec? Repito: não creio. Mas que fatos, se possível, prevaleçam sobre quaisquer especulações em torno desta antiga polêmica. Na ausência deles, a prudência requer o benefício da dúvida antes de acusações terminantes a este ou àquele personagem.
Esbarrei no assunto pesquisando a cisma rustenista e, em 2009, no meu extinto blog “O Primado de Kardec”, mencionei o que venho de resumir. Tornou-se um livro de restrita edição no ano de 2011, em cujo cap. 9: Tradutor, traidor, constam este e outros casos curiosos. É provável que eu mesmo redisponibilize o acesso via internet.
Nota do ECK:
[1] Artigo originalmente publicado no Blog da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE).
Imagem Larisa Koshkina pixabay
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