Marcelo Henrique e Manoel Fernandes Neto
Chegou a hora de concluirmos o projeto 2023 da revista Harmonia. Uma jornada gratificante. Afinal, trabalhamos por todo o ano na análise das adulterações das duas últimas obras de Allan Kardec – “A Gênese” e “O Céu e o Inferno” – materializadas na publicação de edições após a desencarnação do Professor francês (31 de março de 1869).
Nesta edição de Dezembro, como já demonstrado na anterior, conforme o Editorial do mês de novembro [1], reduzimos o total de artigos para quatro, por solicitação de muitos leitores. O objetivo é favorecer uma análise mais precisa e conjunta do conteúdo.
A última edição do ano está igualmente instigante.
Na abertura deste número, Denis Denisard nos aponta, a partir do adágio filosófico de Shakespeare (“A tragédia de Hamlet”, Ato III, Cena I), o seu “Adulterar ou não adulterar: eis a questão!”, apresentando que todo espírita convicto, estudioso e sensato deve – a partir da leitura e exame aprofundado de argumentos apresentados por segmentos antagônicos (em termos de ideias e teorias interpretativas, logicamente) –, posicionar-se de maneira tranquila e racional. Dessa forma, diante dos fatos apresentados e da ausência de prova cabal da autoria (de Kardec), a tese da adulteração é patente. Denis ainda sinaliza que irá preparar um Quadro Comparativo entre as duas (distintas) edições, a publicada em vida por Kardec e a que foi editada três anos após a sua desencarnação, para demonstrar, item a item, capítulo a capítulo, as flagrantes diferenças, demonstrando onde, no texto, estão localizadas as agressões ao seu pensamento lúcido, sequencial e sistemático. E a ideia não se restringe ao livro “A Gênese”; será igualmente realizado em relação à obra “O Céu e o Inferno”.
Neste percurso de análise, Marco Milani apresenta o seu ensaio “Hipóteses para o desaparecimento do corpo de Jesus”, focalizando o texto original do Capítulo XV, de “A Gênese”, totalmente em consonância com o já afirmado pelo Codificador, em “O livro dos Médiuns” (itens 72 a 99), para focalizar o transporte e a “invisibilidade” do corpo de Yeshua, após o seu sepultamento, sem deixar de considerar a atitude prudente de transposição (retirada) do corpo, por seus seguidores, temendo que o mesmo fosse destruído pelas autoridades político-religiosas daquele tempo. E repisa que, a edição adulterada retirou o item 67 e renumerou o 68 como sendo o 67, diferentemente do que Kardec escreveu em outra obra (“Catálogo Racional para se fundar uma Biblioteca Espírita”), quando ele taxativamente menciona e recomenda o estudo dos itens 64 a 68 de “A Gênese” – e somente a edição não-adulterada ou autêntica é que consiga estes cinco itens, quando a adulterada tem apenas quatro, encerrando no número 67.
Na sequência, Stanislaw Santiago, no texto “Cortinas de Fumaça”, procede à análise dos argumentos contidos em uma “Nota Oficial” da federativa nacional sobre a “veracidade” da edição (póstuma) de 1872, de “A Gênese”, refutando-os em sua essência e permitindo entender o porquê da “necessidade” de manutenção do “status quo”, na defesa de uma “unidade” de atitudes e oficialidades da entidade que se autointitula a representante de Kardec em território brasileiro.
Henri Netto fecha a edição com a reflexão “À procura da dúvida: onde está a verdade?”. O articulista aborda o comportamento de muitos espíritas, que não leem nem estudam a fundo e comparativamente, não só as edições distintas de obras kardecianas, como, também, a estrutura sequencial e sistemática do conjunto de obras que ele publicou; não conhecem a lógica de produção e “decantação” dos textos produzidos por Kardec e a ideia essencial da concordância entre os ensinos dos Espíritos (Inteligências Invisíveis), a partir dos exemplares da “Revue Spirite”. Além disso, sucumbem diante das “novidades” apostas individualmente por dados Espíritos, sem a regra de confirmação das verdades doutrinárias instituída por Kardec, colocando, lado a lado, tais “revelações” mediúnicas com o conteúdo fundamental das obras kardecianas. O autor sublinha textos de “O Céu e o Inferno” e “A Gênese” que, nas edições adulteradas, rompem com a lógica racional e com a estruturação dos fundamentos e princípios espíritas, e que a validação das edições póstumas, por seus subscritores e pela “grande massa de espíritas”, que não conhecem as obras nem as estudam, materializa a prescrição atribuída a Jesus de Nazaré, no tocante à existência de “cegos guiando cegos”.
Conceitos alienígenas
A edição de dezembro da Revista Harmonia, mantém sua qualidade editorial, com uma grande diversidade de autores e abordagens. Mas a atenção da nossa equipe não para. Seguiremos apontando em textos, editoriais e lives, as questões que envolvam a deturpação do conteúdo da Filosofia Espírita, marcadamente quando o objetivo seja introduzir temas e conceitos alienígenas, totalmente contrários a fundamentos e princípios da Doutrina dos Espíritos, egressas de quem forem, sejam encarnados ou desencarnados. Desde a fundação do “Espiritismo COM Kardec”, nosso compromisso reside na educação e no respeito. Pontualmente, prosseguiremos destacando comportamentos, posturas e iniciativas – como já aconteceu por diversas vezes na História da Humanidade – voltados à deturpação da mensagem espiritual, seja a de Jesus de Nazaré, seja a do próprio Espiritismo, tendo Kardec com o seu idealizador e organizador.
Inspiramo-nos em Henri Sausse, León Denis e Herculano Pires, entre outros humanistas e estudiosos, para manter íntegro o pensamento de Allan Kardec, realizando, no que possível, o seu desejo de permanência das ideias espíritas na sociedade, diante da Humanidade planetária (a encarnada e a desencarnada), inclusive em honra ao seu duplo caráter progressivo-progressista.
Odisseia
Vale o destaque: se um dia, algum documento novo, juridicamente válido e historicamente incontestável surgir, nós, como espíritas sensatos e defensores da lógica racional do Professor francês, poderemos examinar qualquer escrito. Caso constatado que o texto é coerente com a principiologia espírita, o aceitaremos e o acataremos. Do contrário, mesmo que a prova caligráfica inconteste seja de Kardec (premissa fundamental, relacionada à verdadeira autoria), mas demonstrar possíveis erros e personalismos do homem Rivail, nós também apontaremos as discrepâncias. Se a obra original (1857-1869) é conjunta, entre Kardec e as Inteligências Invisíveis, não podemos nos esquecer de que eles, como humanos, assim como nós, tanto os encarnados e os desencarnados, não somos dotados de conhecimento e moralidade ao nível de perfeição e, portanto, os erros e os acertos fazem parte do percurso. Onde houver acertos, estaremos com eles. E em relação aos erros, vamos permanecer com Erasto (em “O livro dos Médiuns”, item 230): “O que a razão e o bom senso reprovam, rejeitai corajosamente. Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa”.
Buscamos a verdade, numa importante odisseia!
Imagem de Ajay kumar Singh por Pixabay
TEXTOS DA EDIÇÃO
Uma odisseia em busca da verdade, por Marcelo Henrique e Manoel Fernandes Neto
Adulterar ou não adulterar: eis a questão!, por Denis Denisard
Hipóteses para o desaparecimento do corpo de Jesus, por Marco Milani