Entrevista com Marianne Augusto Costa e Silva

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Em homenagem a este 29 de janeiro, que é o Dia da Visibilidade Trans, data que, em 2024, completa 20 anos de sua instituição, o ECK ouviu duas pessoas muito queridas, e que passam pelas vivências na transexualidade, suas lutas, suas afirmações e seus percursos na linha do progresso espiritual.

São dois depoimentos muito ricos que a Rede Espírita contra a LGBTfobia quer compartilhar com nossos leitores e seguidores e, também, com o meio espírita em geral.

A entrevista foi realizada por Claudia Jeronimo e a primeira entrevistada é a Marianne.

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REDE – Vamos começar essa entrevista com o básico, certo? Fale-nos acerca de você
Me Chamo Marianne Augusto Costa Silva, tenho 32 anos sou Esteticista de Pet, dou banho faço tosa higiênica e enfeito. Atualmente estou em um relacionamento sério com Guilherme, de 21 anos. Gosto de ler e trabalhar pois, como trabalho com pets, amo meu serviço.

REDE – Há uma questão delicada, a transição. Seria oportuno te perguntar: – Quando ou como você se percebeu trans?
Eu me reconheci como pessoa trans e determinei que, de fato, sou uma mulher trans aos 26 anos. Para muitas pessoas, seria tarde para se iniciar o processo de transição (com o uso de hormônios e bloqueadores para essa mudança). Mas eu iniciei o tratamento ainda mais tarde, aos 29 anos.
Acho que seria legal ressaltar algumas mudanças que aconteceram, como o crescimento do cabelo, que também se tornou mais sedoso. Também as mamas – que eu jamais pensei que, em tão pouco tempo, iriam aparecer, foi algo que me deixou ainda mais realizada.

REDE – Uma questão que a maioria das pessoas tem curiosidade é sobre o processo de transição. Você pode nos contar um pouco sobre isso?
Bem, quanto ao fato de iniciar o tratamento para a transição muito tarde (aos 26 anos) que foi quando eu, de fato eu assumi pra mim mesma que era uma pessoa trans, procurei o ambulatório DIATRANS [1] para iniciar o processo. Estava ciente de todos os prós e contras, pois sei que algumas mudanças levariam tempo, e isto pode frustrar e fazer muitas desistir da transição ou até coisa pior.

O Ambulatório surgiu com a oportunidade de ajudar mulheres e homens trans, assim como todo o público LGBTQIPA+ a terem um espaço de acolhimento. Lá é possível se fazer exames para HIV, DSTs e, claro, é onde pessoas trans podem fazer seu tratamento hormonal, de forma gratuita e segura. Vale dizer que muitos e muitas ainda fazem o tratamento de transição por conta própria o que pode trazer problemas de saúde e sérias consequências para essas pessoas.

REDE – Vamos falar um pouco sobre a sua relação familiar?
Só estou vivendo uma nova realidade agora, e ela está sendo positiva. Já que minha mãe, finalmente, mesmo sendo evangélica, consegue me chamar pelo pronome que me representa, nós hoje temos uma boa relação. Mas, lá no começo, ficamos anos sem nos falar e com muitas trocas de farpas.

REDE – E Profissionalmente: como foi e como está hoje?
Para a profissão atual não foi muito complicado. Mas houve percursos ruins quando, em alguns momentos, pessoas quiseram se referir a mim com o pronome que não me identifica. Mas eu sempre pensei que, para eu existir e resistir, seria preciso ignorar algumas falas e preconceitos para eu continuar vivendo e sobrevivendo.

REDE – Há muito preconceito, ainda, em relação às pessoas trans, inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+. O que você pensa do preconceito e como lida com isso?
Penso que, hoje, lido de maneira muito tranquila hoje. Como disse antes, isso nem sempre foi assim, porque no início acabamos dando muitos ouvidos para o que os outros pensam ou acham sobre pessoas trans. Muitos amam usar termos como “traveco”, “não é uma mulher”, objetivando nos ferir ou nos colocar uma “placa de identificação”. Quando damos ouvidos a isto e nos entristecemos, nos isolamos, nos apagamos, nos anulamos e nos sentimos muito mal. Hoje, acredito que devo ignorar qualquer atitude direcionada a me fazer sentir mal, ou me diminuir, desde um raio-x (já aconteceu de atendentes me olharem de cima abaixo), até uma fala preconceituosa eu simplesmente não respondo nem tão pouco dou atenção para qualquer que seja a ação.

REDE – Você já sofreu preconceito dentro da comunidade LGBTQIAPN+?
Posso dizer com clareza e muita tristeza que sim. Uma vez, em um desses apps de encontros, um cara gay veio me falando que eu era feia, que eu não iria conseguir ninguém, que eu deveria me matar… Eu respondi que ele era um mal amado, e que só estava lá para destilar ódio. Completei, dizendo que não ligava para o que ele pensava, nem sobre o que ele tinha a dizer, e que ele podia falar o que quisesse, que eu sabia quem eu era e o quão “gostosa” eu era. Depois, denunciei o perfil dele e o bloqueei.

REDE – Para você o que seria possível para acabar ou, pelo menos, diminuir isto?
Acredito que leis protetivas, palestras e matérias nos meios de comunicação deveriam ressaltar o quão perigosos e abrangentes podem ser os efeitos causados por falas e ações preconceituosas. Enaltecer que isto não só afeta negativamente a vida das pessoas como, também, podem provocar que elas sejam conduzidas aos extremos (como atentarem contra suas próprias vidas). Estas ações ajudariam a conscientizar as pessoas, mostrando que nossa sociedade está em retrocesso ao invés de seguir adiante. Ao invés de destilar mais ódio e intolerância, deveríamos ser mais empáticos com os nossos semelhantes e, se não conseguimos, ainda, dar amor, pelo menos o que se espera é que nos respeitemos!

REDE – Temos uma reflexão nesse sentido: O que você faria, se tivesse o poder de criar algo para a comunidade LGBT??
Criaria mais espaços para abrigar essa comunidade, porque muitos trans deixam suas casas e suas famílias para morar na rua ou tentar sobreviver longe de todo esse ódio e preconceito. Locais onde todos possam saber que não existe nada de errado em ser você mesmo e por querer amar alguém. Também batalhar para criar leis para a punição de quem está nas redes sociais pensando que a Internet é “terra sem lei”, coibindo aqueles que saem destilando ódio e ferindo, física e psicologicamente, as pessoas trans.

REDE – Você está engajado em alguma luta ou organização da luta trans?
Não estou e nem faço parte de nenhuma entidade. Mas uso das minhas redes e meios de comunicação para falar, postar e compartilhar conteúdos, histórias, “posts” sobre políticas de combate à violência. Devemos sempre ressaltar que ainda somos o país que mais mata pessoas trans e travestis, assim como pessoas LGBTs no mundo!

REDE – Ou, você conhece organizações da luta trans. Elas conseguem criar avanços para a comunidade LGBT?
Não conheço, mas sigo a Deputada Federal Erika Hilton, que nos honra e nos orgulha, além de nos representar muito bem na câmara e na política, criando projetos e políticas públicas voltados à mudança da vida dessa população e de todos os demais. Em iniciativas voltadas à transição dos corpos trans e cis, também. Tenho incluído minha assinatura em abaixo-assinados e de apoio a projetos legislativos, que visam o combate ao preconceito e, também, contra o ódio contra pets, mulheres e a comunidade de que faço parte.

Nota do ECK:
[1] Ambulatório DiaTrans de Diadema – Grupo de Entrada (acolhimento inicial): de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h. Avenida Antônio Piranga, 700 – 2º andar – Centro – Diadema. Tel.: (11) 4043-8093. E-mail: diatrans@diadema.sp.gov.br.

Foto de Teddy O na Unsplash

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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