Por que a calúnia é sexófoba?, por Flávio Mussa Tavares

Tempo de leitura: 5 minutos

Por Flávio Mussa Tavares

Como dirigente espírita, sinto-me no dever de testemunhar a favor da honra de um verdadeiro “samaritano” que é o Padre Júlio Renato Lancellotti. Um religioso que não espera que o próximo bata a sua porta, não espera para vê-lo nas calçadas quando estiver passando por outro motivo, não espera que esse ser inconveniente bata no vidro de seu carro. Ele vai em busca desses negligenciados. O próximo não aparece em seu caminho, ele procura os descaminhos do próximo e olha para eles. Por isso incomoda, por isso é preciso criar uma história que o relacione com o sexo para que seja compartilhada e que mate sua alma.

As palavras são usadas para vários modos de comunicação humana. Boas ou más, que transmitem saúde, paz e esperança ou enfermidade, conflito e dúvidas, amor ou desamor.

O falso testemunho, nono de dez artigos de uma constituição, há mais de 30 séculos psicopictografada (na pedra) no Sinai, é a expressão da vontade divina de que o ser humano só use a palavra para transmitir a verdade, a utilidade e a bondade.

Como dirigente espírita, quero marcar uma posição sobre as aleivosias que são levantadas contra o Padre Júlio Renato Lancellotti, replicadas em miríades de circuitos midiáticos que invadem as consciências e os corações, quase que indefesos contra esse miasma moderno.

Na década de 1940, Chico Xavier, à semelhança de Moisés, psicografou (no papel) um livro que relata uma história ocorrida no século II, de uma jovem que foi vítima de duas grandes calúnias em sua vida. Uma patrícia romana foi expulsa da casa paterna, por ser a suposta mãe de um bebê. Um vagido invadiu a madrugada no palacete do Aventino. Um recém-nascido é encontrado pelo chefe da casa, alto funcionário do imperador Adriano, com a sua filha e ato contínuo, a jovem e a criança se veem vagando sem rumo pelas extensas e frias vias romanas. Em pouco tempo, morrendo a criança, essa jovem é constrangida a travestir-se de monge para proteger-se e ser “aceito” num mosteiro em Alexandria, no Egito. No monastério, sofre outra calúnia. Dessa vez, como sendo “o pai” de uma criança, filha de um comerciante que fornecia suprimentos ao mosteiro. O prior do convento, expulsa o monge da comunidade. Ela passa a viver com seu filho numa choupana onde alguns anos depois ambos, em ocasiões diversas, adoecem e morrem. Seu corpo é velado no mosteiro e sua identidade feminina é revelada. A calúnia foi desfeita muito tarde. A hagiografia católica a reconhece como Santa Marina, os espíritas a admiram como Célia Lúcius. É protetora e padroeira dos caluniados, humilhados e perseguidos.

O pensador italiano Pietro Ubaldi em seu livro Princípios de uma nova Ética defende que as religiões cristãs assumiram uma ética sexófoba, com obsessão pelo sexo.

“[…] psicologia de perseguição, o conceito de amor-culpa, de sexo-pecado. O instinto de luta (sexofobia), prevaleceu sobre o instinto do amor (sexofilia). O divino milagre da gênese foi condenado e repelido como um mal, o ser humano tornou-se filho de um pecado, só tolerado porque indispensável meio de geração, reduzido apenas a essa finalidade.”

A jovem Célia, em Roma, era uma moça melancólica que tinha pendores para o Cristianismo, escandalizando sua família. A única forma de inculpá-la foi pelo sexo. O monge Marinho era o humilde, resignado e diligente servidor de todos no mosteiro. Mas a mentira o atingiu pela sexofobia.

A calúnia é sexófoba. É um instinto antivital. É Tânatos prevalecendo sobre o amor e a vida de Eros.

O Padre Júlio Lancellotti atua na fronteira do indesejável, como se fosse a antecâmara do inferno na terra dos bandeirantes. Como denunciá-lo?

Em que isso pode incomodar aos religiosos de uma forma geral, acima de suas denominações?

A resposta está em dois capítulos de O Novo Testamento. Em Lucas 10:25-37, a parábola contada por Jesus Cristo sobre um homem caído numa estrada vicinal que ligava a cidade de Jerusalém à cidade de Jericó, na Palestina. Um sacerdote e um levita passaram em momentos diferentes, viram o homem semimorto na beira do caminho pedregoso, mas não olharam para ele. Entretanto, relata o texto, que um homem considerado “do mundo”, sem religião, olhando o moribundo, “moveu-se de íntima compaixão”.

O Padre Júlio não passa, vê e atravessa a rua. Ele se move intrinsecamente. Ele se compadece. Esta parábola é sobre o questionamento de um doutor a Jesus:
“quem é o meu próximo?”.
A filósofa Márcia Tiburi distingue ver e olhar:
“Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A imediaticidade do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantasma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura”

Na parábola, o próximo surge de inopino, em condições de extrema vulnerabilidade física e psíquica. O doutor conclui com Jesus que o único que olhou e considerou o moribundo como “próximo” foi o homem do mundo, chamado samaritano. “Próximo” é sempre uma pessoa inconveniente, na hora e no local “errado”. Sempre em necessitando de atenção e cuidado. Avistar e olhar de soslaio pessoas em situação de rua, dependentes químicos, em estado de higiene sofrível, prostitutas, LGBT ́s, as que nos batem o vidro do carro no semáforo vermelho, é uma reação natural. Ouve-se: “sou contra”, “afugenta”, “amedronta”, “causam mal estar”, em suma, incomodam. Mas só incomodam aos religiosos, os que são “do mundo”, como relata a parábola, se compadecem. O Padre Júlio Lancellotti também incomoda, como o frade Marinho incomodou, pois escancaram a nossa dissonância cognitiva, isto é, nosso esforço de nos declararmos religiosos e sermos na prática impiedosos. Repetimos o que disse Isaias sobre os religiosos da época:

“Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração[…]” Is 29:13.

Mas não são todos os religiosos. A Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, sob o vigário episcopal, Padre Júlio Lancellotti vai além, não apenas olha e se compadece do “próximo” que se lhe surge no caminho, vai em busca deles. Vai, olha, imagina suas dores, move-se de íntima compaixão, trata de suas feridas, escuta suas histórias, dá-lhes de comer. E isso incomoda aos que não tem essa coragem. Relembra Mateus 25:31-46, que fala sobre “aquele dia” que vai chegar para todos nós. Pois naquele dia seremos arguidos pessoalmente. E o Rei vai se identificar com os que nos incomodaram e vai nos ajuizar afirmando que não socorremos na fome, na sede, na nudez, nas dores, no abrigo, na prisão.

Mas pensar nisso é altamente incômodo também, para todos que olham de soslaio essas figuras indesejáveis. “O certo seria removê-los, interná-los, escondê-los” de alguma forma.

Para que? Para não ter que ver. Para não ter que enfrentar sua própria consciência.

Melhor que andar pelas vielas poeirentas é andar por estradas ladrilhadas com pedrinhas de brilhante. Mendigo não pode entrar num shopping center.

Mas não basta não olhar, é preciso destruir quem olha compassivamente para aqueles com quem o Rei se identifica, para não se incomodar. Mas como tentar impedir o trabalho da Pastoral? Incriminando o Padre Júlio. E de que pode ser acusado?

Com a velha e surrada estratégia da sexofobia. É a única possibilidade para barrar o trabalho escandalizante. Não é nem necessário matá-lo, basta matar a sua honra, que é como se tentasse matar o seu Espírito.

Como dirigente espírita, sinto-me no dever de testemunhar a favor da honra de um verdadeiro “samaritano” que é o Padre Júlio Renato Lancellotti. Um religioso que não espera que o próximo bata a sua porta, não espera para vê-lo nas calçadas quando estiver passando por outro motivo, não espera que esse ser inconveniente bata no vidro de seu carro. Ele vai em busca desses negligenciados. O próximo não aparece em seu caminho, ele procura os descaminhos do próximo e olha para eles. Por isso incomoda, por isso é preciso criar uma história que o relacione com o sexo para que seja compartilhada e que mate sua alma.

Tenho íntima certeza de que os caluniadores, criadores de fake news não prevalecerão e que esse trabalho que é profético, contextualizado em uma parábola de misericórdia e outra judicial, não será desmobilizado.

A calúnia é sexófoba! Caluniar usando como pano de fundo alusão à adultério, pedofilia, homossexualidade e até mesmo a maternidade ou paternidade é o modus operandi mais antigo e conhecido.

Coragem Padre Júlio, nós estamos com o senhor, rogando a Jesus, que é o Rei que se identificou com o público da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, o fortaleça e que a Verdade prevaleça.

*

Nota do Blog:
O autor é Médico, diretor doutrinário da Escola Jesus Cristo – Instituição Espírita de Cultura e Caridade.

Nota do ECK:
Texto originariamente publicado no Blog da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE).

Foto de Saif71.com na Unsplash

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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