Espíritas, o que estamos comunicando?, por Pedro Camilo de Figueirêdo

Tempo de leitura: 4 minutos

Pedro Camilo de Figueirêdos

O uso da palavra falada, escrita ou transformada em imagem deve sempre ser pautado pelo cuidado e pela responsabilidade com o que se pretende comunicar.

Considerando que todos nós somos, no círculo mais ou menos amplo em que nos movimentamos, agentes influenciadores de pessoas, esse cuidado precisa ser sempre observado, pois não sabemos que tipo de movimento interno podemos gerar naqueles que nos ouvem/leem.

Quando trazemos essa reflexão para o movimento espírita, entendemos que esse cuidado deve ser ainda mais redobrado. Ainda que não consideremos o espiritismo como religião (é o meu caso), a grande maioria dos espíritas vive o espiritismo numa perspectiva religiosa. Disso resulta um relacionamento, quase sempre, de obediência a postulados e a líderes sem reflexão, sem questionamento, sem ponderar que ideias e pessoas podem falhar – e o fazem com frequência –, motivo pelo qual o senso crítico (exemplificado e ensinado por Kardec) deve sempre ser mobilizado.

Assim, o que falamos/escrevemos/transformamos em imagens em nome do espiritismo e a partir do espiritismo acaba por ter repercussões profundas no imaginário de quem assume o espiritismo como religião, e o manejo equivocado de ideias e conceitos, sobretudo em contextos sociais espinhosos, pode não só levar à normalização de posturas antiéticas, como também revelar contradições com os próprios princípios doutrinários.

Lembro-me de um fato, ocorrido há cerca de 6 anos, que ilustra isso: um conhecido expositor e escritor espírita publicou, em sua rede social, um comentário no mínimo infeliz sobre a notícia de uma pessoa que, ao saber da prisão de seu político de preferência, cometeu suicídio. Em sua rede social, o expositor espírita que, profissionalmente, atua como psicoterapeuta junguiano, compartilhou a notícia do suicídio do rapaz acompanhada do seguinte comentário: “Um de menos”.

Passando ao largo das preferências político-ideológicas (não é disso que tratamos aqui), precisamos lembrar que o espiritismo nos ensina que o suicídio, movido pelo que for, é triste equívoco que conduz o suicida, a família e a sociedade a muita dor e sofrimento. Ao assumir a imortalidade da alma e a solidariedade entre todos como princípios doutrinários, o espiritismo nos mobiliza na prevenção do suicídio e no acolhimento de quem gira em seu entorno, seja como espírito a ser acolhido, seja como pessoa encarnada que tenha essa ideação.

O comentário do confrade foi antiético e antidoutrinário. Festejar o suicídio de alguém, ainda que tenha pensamento contrário ao nosso, trai um sabor de vingança e demonstra o quão pouco está internalizado o princípio da solidariedade que o espiritismo abraça quando elege Jesus como referência moral. E, para além disso, pode induzir as pessoas que têm aquele líder como referência e que guardem um pendor semelhante a darem vazão ao sentimento de ódio e de vingança que porventura alimentem dentro de si.

Curiosamente, em O Evangelho segundo o espiritismo, o capítulo “Amar ao próximo como a si mesmo” nos conduz a importantes reflexões sobre o exercício desse amor, por exemplo, junto àqueles que considerarmos como “criminosos”. Sem adentrar a discussão sobre a construção social e jurídica dos chamados “criminosos”, vale a pena recordar parte do que escreveu o espírito Isabel de França:

Deveis amar os desgraçados, os criminosos, como criaturas, que são, de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a vós, pelas faltas que cometeis contra sua Lei. Considerai que sois mais repreensíveis, mais culpados do que aqueles a quem negardes perdão e comiseração, pois, as mais das vezes, eles não conhecem Deus como o conheceis, e muito menos lhes será pedido do que a vós.

Ainda que se trate de um “desgraçado”, de alguém em equívoco, desejar ou festejar a sua morte não se compatibiliza com a lei de amor e com a certeza da imortalidade, o que nos tornaria mais responsáveis do que esses a quem negamos perdão e compreensão, pois não conhecem as verdades que supostamente conhecemos.

Devolvendo a palavra a Isabel de França, ainda podemos ler:

 A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem, mesmo, nas palavras de consolação que lhe aditeis. Não, não é apenas isso o que Deus exige de vós. A caridade sublime, que Jesus ensinou, também consiste na benevolência de que useis sempre e em todas as coisas para com o vosso próximo.

 Não é aí no exercício da benevolência, talvez muito mais do que na esmola que damos, onde devemos mobilizar a nossa vontade? Que tipo de sentimento dormita em nossos corações quando festejamos ou desejamos a morte de alguém? Será amor ou ódio?

De volta às páginas de O Evangelho segundo o espiritismo, registremos um pouco mais das lições de Isabel de França:

Deveis, àqueles de quem falo, o socorro das vossas preces: é a verdadeira caridade. Não vos cabe dizer de um criminoso: “É um miserável; deve-se expurgar da sua presença a Terra; muito branda é, para um ser de tal espécie, a morte que lhe infligem.” Não, não é assim que vos compete falar. Observai o vosso modelo: Jesus. Que diria ele, se visse junto de si um desses desgraçados?

Embora o espírito fale sobre criminosos, a observação é pertinente para o exemplo que trouxemos e para qualquer contexto em que reconheçamos alguém que, segundo nossa interpretação, esteja em equívoco: diante dele, o que diria Jesus? É ainda Isabel de França quem responde:

Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. Em realidade, não podeis fazer o mesmo; mas, pelo menos, podeis orar por ele, assistir-lhe o Espírito durante o tempo que ainda haja de passar na Terra. Pode ele ser tocado de arrependimento, se orardes com fé. É tanto vosso próximo, como o melhor dos homens; sua alma, transviada e revoltada, foi criada, como a vossa, para se aperfeiçoar; ajudai-o, pois, a sair do lameiro e orai por ele.

É isso. Jesus não só lamentaria o equívoco, como também lhe estenderia a mão. Não desejaria ou festejaria a morte do “pecador”, mas a extinção do “pecado”, ou seja, do equívoco, do erro. E se não nos é possível também estender-lhe a mão, nosso exercício deve ser o de “orar por ele, assistir-lhe o Espírito durante o tempo que ainda haja de passar na Terra”, da mesma forma como devemos esperar que orem por nós aqueles que nos consideram equivocados.

Redobremos, pois, nossa atenção no uso da palavra falada, escrita ou transformada em imagem, sobretudo quando o fazemos em nome ou a partir do espiritismo. Se é verdade que somos responsáveis pelo que cativamos, há deslizes que não só nos levam a mobilizar os maus pendores em nós e nos outros, como também a nos tornar cativos da onda de consequências a que dermos causa.

Publicado originalmente no blog da editora | Lachâtre (lachatre.com.br)

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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