Plinio de Luca
Começo com uma constatação: o tempo é algo que nunca soube gerenciar. Apesar de sempre ter trabalhado muito, acabo de perceber que não fiz tudo, pelo menos do que sinto falta agora. Estou com a mania de ir até minha estante e pegar um livro que comprei e nunca li, daí a conclusão de que deveria ter tido tempo para lê-lo há mais tempo. Esse foi o caso de Religião e Ciência de Bertrand Russell, com introdução de Michael Ruse(1).
Já na introdução de Ruse, deparo-me com aquilo que pode ser o óbvio, mas leva à reflexão, já que o óbvio, segundo Darcy Ribeiro, é causado porque Deus cria as coisas de forma tão recôndita e disfarçada que se precisa de alguém para levantar o véu e encontrá-lo o óbvio. Ele se referia aos cientistas que, obviamente, não é meu caso. Ruse levantou o véu para este aprendiz.
Ruse propõe uma reflexão com lastro no pensamento de Russel de que:
…a ciência é uma tentativa de entender o mundo de experiências através das leis invioláveis, e a religião um fenômeno complexo com asserções (“uma crença”) sobre os supostos princípios definitivos, bem como um código moral…
Ǫuanto à ciência não questiono, pois, entre as várias definições, essa seguramente é uma possível e não contradiz nenhuma outra a ser escrita por alguém que não a queira desmerecê- la. Já a da religião… Sei não! Não que eu discorde, mas seguramente teríamos quem, mesmo com muita boa intenção, não a aceite.
Podemos isolar vários trechos da definição de religião e teremos entendimentos, muitas vezes desconectados se olharmos no conjunto. Ǫuando Ruse escreve que a religião é um “fenômeno complexo”, muitos dirão que não o é, pois é uma questão de fé, de aceitação, com isso a reduzem a uma certeza inabalável que não admite sua complexidade brota do coração ou, como dizia Kardec, uma intuição.
Nas palavras seguinte “com asserções (uma crença) sobre os supostos princípios definitivos”, os mesmos que a definem como não complexa, agora a definem como blasfêmia taxá-la de supostos princípios definitivos, pois está na Bíblia, em outro livro qualquer ou, no caso de Kardec, nos escritos dos espíritos. E há, ainda, o que trazem à discussão os evangelizadores atuais, com suas obras cheias de certezas e de demonstrações inequívocas.
O autor, sempre alinhado com o pensamento de Russel, delega-nos a consideração de que toda religião possui três aspectos: (1) uma Igreja, (2) uma crença, (3) um código pessoal de padrão de conduta. O peso maior ou menor de cada um desses aspectos varia de uma religião para outra. Mas vejamos o catolicismo, como exemplo apenas, Uma Igreja forte, uma crença maleável e um código de conduta, os dez mandamentos e tantos outros muito presentes, porém com a possibilidade sempre do perdão.
No caso do espiritismo temos a Igreja, se não é tão forte, conta com as várias Igrejas que são os seus Centros Espíritas, possui uma crença fortíssima alinhada com os encantos dos espíritos evangelizadores e um código de conduta escravizante, já que o único recurso para o tornar menos rigoroso é a certeza de que o Umbral nos espera, mas, um dia através do sofrimento sairemos e nos tornaremos espíritos superiores.
Ruse na introdução nos traz a reflexão de que há quatro posições principais de entendimento da correlação entre ciência e religião.
1 – Ǫue os dois sistemas se contradizem sobre a realidade: uma é evolucionista a outra criacionista;
2 – Ǫue não existe conflito, pois cada uma trata de áreas de experiências totalmente diferentes: uma trata de questões como, a outra lida com questões por quê;
3 – Ǫue pode haver conflitos, mas é preciso: avançar no diálogo entre elas e harmoniosamente encontrarem um ponto comum aceitável;
4 – Ǫue as duas se integram e são separadas artificialmente: uma provará a outra no seu desenvolvimento
natural.
Se a classificação acima esgotar o repertório de possibilidades, e ainda considerando que podemos encontrar posicionamentos que em um determinado ponto assume uma hipótese e em outro uma outra possibilidade.
Com essa síntese dos escritos de Michel Ruse, como ficam os Espíritas laicos, não laicos, fervorosos religiosos e todos os outros? Já se leu em diferentes bons autores uma das quatro possibilidades. Mesmo que involuntariamente e conhecendo o frequentador médio das casas espíritas, sabemos que as visões são diferentes, podendo açambarcar qualquer uma das interpretações citadas.
Kardec, segundo minha opinião, acreditava na 49 opção e mesmo afirmando que, se o Espiritismo estivesse enganado, pois sempre pareceu acreditar que a ciência iria provar as teses espíritas e nunca seria necessário.
Chego à conclusão de que o Espiritismo hegemônico e brasileiro aceita as quatro hipóteses, com menos força à primeira, mesmo assim com dúvidas por parte de alguns. Nesse caldeirão vale a reflexão sobre que Espiritismo estamos falando?
Um Espiritismo que se afastou da ciência, que se considera autossuficiente e abandonou como regra a pesquisa desenvolvida por Kardec e seguida por alguns de seus correligionários diretos, que exalta a adoração a médiuns evangelizadores e com forte característica de que a fé tudo resolve, impulsionando ainda mais a crença em algo sobre o qual não se admite a dúvida. Este é o Espiritismo e sinto dizer que, na opinião deste que vos escreve, é isso e não adianta querer mudá-lo, pois algo cristalizado já está perpetuado.
Em direção oposta, o Espiritismo hegemônico se tornou mais retrógrado do que no seu lançamento e dos autores que se seguiram ao desencarne de Kardec. Nada consegue reverter a ordem. Como diz Nietzsche: Deus está morto, decretando o fim de uma filosofia baseada no Deus ideal e o transformado. o Espiritismo, enquanto filosofia evolucionista e de busca de explicação aliando o como e o porquê, está morto. O Espiritismo religioso, apegado a crenças não questionadas e à aceitação do sofrimento como remédio para o passado, venceu, tornou-se o que é, e o que é, é.
Continuarei lendo, talvez aprenda mais e volte a ter esperança.
1 Russell, Bertrand, Religião e Ciência com nova introdução de Michael Ruse, Editora FUNPEC, Ribeirão
Preto/SP, 2009.
Imagem de Aline Berry por Pixabay