A Religião: seus milagres, profecias, prodígios e dogmas irracionais. E a Ciência, como contraponto, por Núbor Facure

Tempo de leitura: 7 minutos

Núbor Orlando Facure

A Ciência não deixou de se ocupar com dilemas que sempre estiveram sob o domínio das religiões. É apropriado, para a Ciência, pesquisar o mecanismo que desencadeia os fenômenos, isto é, o como eles acontecem, mais do que tentar explicar porque eles acontecem. É por isso que ela se ocupa minuciosamente com a causa da dor (o que a provoca) e muito pouco com o porquê (objetivo, finalidade) do sofrimento humano. A opção da Ciência é então a de esclarecer, mais do que consolar.

Na condenação de Galileu, ele foi obrigado a refugiar-se em sua própria casa e renunciar aos princípios científicos que divulgava. A Igreja da época estava dando o recado de que não suportaria a perversão dos fundamentos aristotélicos que ela adotava. O sistema do mundo criado por Deus correspondia ao que Aristóteles e Ptolomeu haviam decifrado:

1) “Deus, como Ser supremo e onipotente, criou e pôs o mundo em movimento e, desde então, tudo funciona com perfeição e harmonia, com ou sem a sua presença”. 2) “Ele estabeleceu a ordem para o Universo e nada pode mudá-la”. 3) “As estrelas que estão fixadas e imóveis nas abóbadas do firmamento são formadas de uma substância divina diferente da que existe no mundo sublunar”. 4) “A Terra ocupa o centro do Universo e o Sol, que vai de um extremo ao outro do horizonte, serve de lâmpada que ilumina o céu”. 5) “Tudo que é perfeito e escapa ao entendimento humano é obra de Deus”. 6) “O círculo é tido como a figura perfeita, submetendo os planetas a uma órbita circular nas suas trajetórias em volta do Sol”. 7) “Não há qualquer ligação entre a vida do homem e a dos animais, eles fazem parte da criação apenas para povoarem o mundo”. 8) “O Homem conhecido na época era o homem branco, originado de um casal criado no paraíso, de onde foi expulso por ceder à tentação do sexo”. 9) “Condenado a viver na Terra, terá de seguir os mandamentos da Lei de Deus, que só a Igreja é competente para revelar, podendo ser salvo ou condenado a penas eternas conforme sua submissão”.

Como doutrina que esclarece acerca do início e do fim do Homem, a Religião da época era um sistema pronto e acabado, o qual não admitiria mudanças, consideradas desnecessárias. Seu conteúdo era completo e suficiente para consolar e aliviar nossas dores, ensinar a tolerância aos nossos sofrimentos, justificar a incoerência aparente da Justiça Divina e garantir a salvação para os fiéis posicionados como submissos aos seus sacerdotes. As desigualdades também ocorreriam por obra e vontade de Deus e não nos competiria desafiá-Lo em Seus desígnios.

Conseguindo “explicar” os mistérios do mundo e da vida, as concepções religiosas desempenhavam, assim, um papel superior ao da ciência (iniciante) que Galileu inaugurava na época. A religião, portanto, com tal formato fornecia segurança, confortava no sofrimento, aliviava nossos medos, fazia trocas com nossos “pecados” e assegurava a esperança numa vida futura, onde conseguiríamos obter o que a Terra não havia nos privilegiado.

A Ciência: o estatuto do conhecimento verdadeiro, racionalidade, indeterminação, pensamento livre para criar a sua verdade 

Galileu criou um novo sistema de entendimento do mundo, daí o perigo (real) que isto representava para a Igreja, já que valendo-se do raciocínio matemático para comprovar as teses de Copérnico, se deslocaria o Sol para o centro e se colocaria a Terra no cortejo dos demais planetas ao seu redor. Num mundo tido como regular e perfeito, ele descobre as irregularidades da superfície lunar onde viu suas crateras. Num sistema tido como imutável, ele acrescentou luas acompanhando o planeta Júpiter, que não haviam sido descritas por Aristóteles.

Ao mesmo tempo, o alicerce da Igreja via-se profundamente abalado por novas descobertas que foram se sucedendo rapidamente.

Ticho Brahe testemunhou, por dois meses, a passagem de uma estrela nova no firmamento (que a Igreja supunha fixo e invariável).

Johanes Kepler comprovou matematicamente que as órbitas dos planetas são elípticas e não círculos perfeitos, como se supunha.

René Descartes construiu um sistema filosófico que permitiria separar o corpo da Alma, e Andreas Vesalius inaugurou o estudo da anatomia humana, prescrevendo que o corpo lhe parecia comportar-se como uma máquina, capaz de mover-se com músculos e sem a ajuda do Espírito.

Mais tarde, Isaac Newton, identificou a “força atrativa” que mantinha (e mantém) os astros em suas órbitas, capaz de movimentar as águas dos oceanos, no sobe e desce das marés e provocar a queda dos corpos.

Gradativamente as “forças imateriais” que produziriam o movimento e a ordem do Universo foram reconhecidas como “forças da gravidade”. E as Leis Divinas que mantêm a regularidade dos fenômenos físicos foram sendo substituídas por princípios matemáticos. Os “mistérios” que sustentam a vida, portanto, foram compreendidos como combustão do oxigênio, fermentação dos alimentos ou metabolismo celular. Os “espíritos animais” que transitam pelo corpo humano produzindo seus reflexos e movimentos foram identificados quimicamente como neurotransmissores. A regularidade dos acontecimentos foi violada pelo princípio da incerteza e o determinismo linear de uma causa para cada efeito foi abalado pela casualidade circular em que o padrão de resposta determina a intensidade da causa.

O paradoxo – “ciência como religião”: dogmas, rituais, hierarquia, o sagrado e o profano 

Historicamente, a Religião tem base na tradição cultural dos seus seguidores. Seu conteúdo, que orienta o comportamento dos fiéis, está redigido em textos sagrados que persistem inalterados por séculos. A linguagem aí empregada é quase sempre simbólica, permitindo interpretações quase sempre conflitantes. Daí a importância do sacerdote e do sistema de hierarquia que os classifica e explica para os adeptos da crença. Entre esses sacerdotes, são distribuídas dadas regalias materiais e o “poder divino” que os pressupõe serem “representantes de Deus” na Terra.

Por outro lado, a construção do saber produzido pela ciência é uma conquista do esforço individual (ou de um grupo de pesquisadores). Os textos, embora redigidos em linguagem técnica, procuram ser o mais claros possíveis para a compreensão dos interessados. A verdade é, assim, procurada exaustivamente pela observação ou pela experimentação. Textos escritos ou opiniões pronunciadas por personalidades hierarquicamente destacadas têm importância relativa e, para serem aceitas, precisarão submeter-se a comprovações realizadas por experimentadores independentes. O conhecimento científico tem uma duração relativamente curta e, costumeiramente, as “descobertas” e “achados” são reunidos em um conjunto de proposições teóricas que constituem um paradigma e, de tempos em tempos, os cientistas envolvem-se na tentativa de proporem novos (e mais adequados) paradigmas, no curso do progresso.

A Ciência não deixou de se ocupar, também, com dilemas que sempre estiveram sob o domínio das religiões. Ela tem, a seu modo, uma proposta para a origem do Universo e da vida na Terra. É apropriado, para a Ciência, pesquisar o mecanismo que desencadeia os fenômenos, isto é, o como eles acontecem, mais do que tentar explicar porque eles acontecem. É por isso que ela se ocupa minuciosamente com a causa da dor (o que a provoca) e muito pouco com o porquê (objetivo, finalidade) do sofrimento humano. A opção da Ciência é então a de esclarecer, mais do que consolar.

Já é aceito por todos que para fazer ciência é preciso adotar o método científico. Classicamente, a pesquisa precisa estar enquadrada na liturgia do método. Usa-se a dedução ou a indução; a observação ou a experimentação. Os fenômenos estudados fornecem os elementos que, aplicados a raciocínios matemáticos, fornecem o valor da verdade descoberta.

Algumas proposições científicas já estão de tal forma comprovadas e aceitas que deverão ter a duração eterna das verdades sagradas das religiões – a gravidade existe como força de atração em todo universo; – a energia tem valor inviolável: ela se transforma, mas, não se cria nem se perde; – o calor tende a se dispersar, assim como toda energia do universo, onde a tendência é o caos; – a luz é um fenômeno eletromagnético; – a matéria visível em todo universo é da mesma natureza da matéria existente na Terra; – as moléculas de todas as substâncias estão em constante movimento; – a variedade das espécies se deve à evolução (física, orgânica) pela seleção natural.

A Ciência Espírita: Fundamentos teóricos, controle experimental, filosofia espiritualista e conteúdo moral 

O conteúdo da Doutrina dos Espíritos teve início com as revelações transmitidas por Espíritos desencarnados, de natureza superior à nossa (encarnados na Terra), com o propósito de esclarecerem e orientarem a humanidade.

Os objetos de estudo da doutrina, assim, incluem o mundo espiritual, os seres que o habitam e suas relações com o mundo material, bem como as consequências dessa relação.

Para o Espiritismo, a grandiosidade do Universo e as leis inteligentes que o governam são elementos suficientes para comprovarem a existência de Deus.

Deus é, portanto, criador de tudo que existe e sua criação ocorre de forma incessante. Na situação evolutiva em que se encontra a humanidade, ainda não temos condições de compreender a origem do Universo e da vida na Terra. O que se tem como certo é que Deus sempre criou e sempre continuará criando.

Existem dois elementos fundamentais no Universo: o espiritual e o material. O elemento espiritual tem início como “princípio inteligente”, uma “centelha espiritual” que transita do mundo espiritual ao mundo material, ocupando corpos que lhe permitem progredir na escala da vida inteligente na Terra. O Universo é preenchido por um “fluido” de natureza sutil, com propriedades que ainda escapam ao nosso entendimento. É dele que se origina toda a matéria conhecida. As propriedades das substâncias só existem em função desse fluido e, pela sua atuação, essas propriedades podem sofrer as mais diversas alterações. A acidez ou a alcalinidade, por exemplo, é dada pela presença desse fluido e, por sua atuação, um copo de água pode tanto curar como produzir malefícios.

Existe um propósito divino na criação: estamos todos destinados a caminhar pela extensa fieira das existências – na Terra ou em outros mundos –, buscando a condição de Espíritos angélicos, que um dia atingiremos.

Deus atua por meio de Leis que a inteligência humana irá gradativamente descobrindo. Estamos todos “mergulhados no pensamento de Deus” e nada que ocorre no Universo escapa ao seu consentimento. Somos livres para agir e obrigados a arcar com as consequências dos nossos atos. Cada um é responsável pelo seu próprio destino. As Leis Morais são pressentidas pela consciência de todos nós e, à medida que a humanidade avançar na sua evolução, o Homem será cada vez mais consciente da aplicação dessas Leis.

Uma multidão de Espíritos desencarnados transita com cumplicidade em todos os ambientes da Terra. Eles nos acompanham e nós os atraímos compartilhando com eles nossa intimidade.

O mundo espiritual está, permanentemente, em íntimo contato com o mundo material. Um e outro processam trocas fluídicas entre si e exercem influência reciprocamente. Essa reciprocidade de interferência é tão intensa que não há como permanecer sem sua convivência. Uma multidão de Espíritos desencarnados transita com cumplicidade em todos os ambientes da Terra. Eles nos acompanham e nós os atraímos compartilhando com eles nossa intimidade. Os pensamentos, que frequentemente temos como sendo nossos, são, muitas vezes, pensamentos deles. Dentro das Leis Divinas está estabelecido que atraímos para nossa companhia aqueles com quem sintonizamos os nossos propósitos. O bem atrai os bons e o mal convive com a ignorância.

Por envolver o mundo espiritual e os Espíritos que aí habitam, não temos controle da comunicação espiritual, e os métodos da ciência humana, seu sistema de controle e experimentação não se aplicam, como explicitou Kardec, à ciência do Espírito. Entretanto, alguns homens têm em sua constituição uma disposição especial que lhes permite entrar em contato lúcido com os Espíritos desencarnados. Trata-se do fenômeno da mediunidade, que se registra em todos os povos e em todas as épocas da humanidade. A mediunidade é o grande campo de experimentação em que a Doutrina dos Espíritos se apoia para a revelação e a comprovação dos seus postulados. A expectativa futura é de que no decorrer dos séculos, todos os homens possam estar conscientes do seu intercâmbio com o mundo espiritual. Os fenômenos mediúnicos explicam uma série de ocorrências frequentemente tidas como sobrenaturais ou produzidas por uma energia desconhecida. Por exemplo: a transmissão do pensamento, a visão à distância, as premonições, a xenoglossia, a psicometria, a psicografia e a psicofonia. Todos eles já bem estudados e esclarecidos pelo Espiritismo.

A questão que resulta disto é: quando a Ciência Espírita (Espiritual) dará as mãos à Ciência Humana para a superação dos hiatos de entendimento e para afastar a mera crendice, na forma de milagres, profecias, prodígios e dogmas irracionais?

Imagem de Ruda Nikodymová por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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