O “X” da questão: entre algaravias, blefes, contendas e ilegalidades, o Estado Constitucional, Democrático e Social de Direito

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O “X” da questão: entre algaravias, blefes, contendas e ilegalidades, o Estado Constitucional, Democrático e Social de Direito

Marcelo Henrique [1]

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A unidade “se fará pelas forças das coisas, porque se tornar-se uma necessidade, para que se estreitem os laços da fraternidade […] pelo desenvolvimento da razão humana, que compreenderá a dessas dissidências; pelo progresso da Ciência que demonstrará, cada dia mais, os erros materiais sobre os quais se apoia, e destaca pouco a pouco as pedras carcomidas de seus assentamentos. Se a Ciência demoliu nas religiões, o que é obra dos homens e é fruto da sua ignorância das leis da natureza, ela não pode destruir, apesar da opinião de alguns, o que é obra de Deus e da eterna verdade. Afastando o que é acessório, ela prepara os caminhos para a unidade”.

(Allan Kardec, “A Gênese”. As Predições segundo o Espiritismo. Cap. XVII, item 32. Nossos os destaques).

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Ocupam as principais páginas eletrônicas da mídia brasileira e movimentam acentuadamente as redes sociais em nosso país – ambas, também, com relativa ressonância internacional, a notícia acerca das providências tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Suprema Corte Brasileira, em relação à empresa Starlink e à rede “X” (antigo Twitter), ambas de propriedade do megaempresário Elon Musk.

E, como em toda polêmica, um numeroso grupo de brasileiros “opina” em publicações originais, em repliques das notícias e artigos jornalísticos e em textos “soltos” baseados na livre expressão (decorrência do livre pensamento) – elementos que são, ao mesmo tempo, premissas da Filosofia Espírita e fundamentos do Estado Constitucional e Democrático de Direito vigente em nossa república, sobretudo a partir de 1988. Estes textos e também aquelas publicações, assim como os comentários que lhes sucedem NÃO guardam qualquer compromisso seja com a juridicidade – já que o tema é, acima de tudo, jurídico – nem com qualquer verdade decorrente de possíveis investigações e apurações éticas.

A tônica é, assim, um amplo contexto de manifestação popular na forma de algaravias – linguagens confusas e interpretações equivocadas – e blefes – ações voltadas a enganar ou lograr os outros, convencendo-os sobre suas opiniões – que têm levado a muitas contendas, a maior parte no ambiente cibernético (redes e plataformas sociais) ou no presencial.

No pluralismo que a sociedade brasileira apresenta – acrescentaríamos, não só ela, mas a coletividade planetária, igualmente – devem ser enaltecidas as condições vigentes, em todos os cenários e contextos (e não, apenas, no cibernético) para a manifestação do pensamento. Pensar, refletir, ponderar e falar/escrever é fruto do progresso material-social do planeta, logicamente com pressupostos da incidência da Lei Espiritual do Progresso, uma das dez leis espirituais que governam os mundos, na expressão da Filosofia Espírita. E, para não esquecer, ela simboliza o resultado dos esforços dos encarnados, individual e coletivamente, a partir de dois episódios que devem sempre ser enaltecidos na história da Humanidade: o Iluminismo e a Revolução Francesa.

No âmbito brasileiro, igualmente, deve ser destacado o rompimento político-social com regimes despóticos, ditatoriais e de exceção, no (triste e deplorável) intervalo entre 1964 e 1985, de governos militares em nosso país. A “abertura democrática” levou à assembleia nacional constituinte – com, pela primeira vez na história, a efetiva participação dos cidadãos brasileiros, nas assinaturas em projetos populares para a inserção de dispositivos no corpo constitucional tupiniquim.

Trata-se, tão-somente, do conjunto de manifestações de uma torre de babel internética, onde cada um utiliza uma “língua”, isto é, os entendimentos pessoais baseados na própria trajetória humana, formação, relacionamento sociais, aceitação de ideologias (de variados vieses, como político, religioso, filosófico, entre outros), consistindo, quase sempre, num diálogo entre surdos (e sem o uso da linguagem de sinais). Dizemos de surdos (mas que escutam) porque não se presta atenção no que o outro argumenta e a intenção é, tão somente, falar/escrever para convencer ou cooptar (não raro por meio da intimidação, da violência verbal ou das ameaças) o outro.

Neste e em outros campos do conhecimento humano, costumo avaliar as situações fáticas a partir da ótica da ESPECIALIDADE. Quem fala/escreve conhece o tema? É especialista na matéria? Possui formação e qualificação técnico-profissional para falar a respeito? Estudou a questão com profundidade? Analisou todas as fontes disponíveis, em termos de documentos, investigações e pareceres?

A resposta, comum, é… NÃO! Não se trata de especialista, estudioso gabaritado, profissional, qualificado tecnicamente para “opinar”. São curiosos movidos pela “ânsia” de verbalizar (ou expressar suas verborragias) suas grosserias, intimidações, análises simplórias e argumentos ad hominem.

Sem qualquer “argumento de autoridade”, vamos pontuar, juridicamente algumas questões que merecem destaque, inclusive por entendermos que, conforme a diretriz rivailiana (já com a identidade kardeciana), o Espiritismo deve acompanhar o progresso das ciências (e dos conhecimentos humanos).

Primeiro. Os poderes republicanos, em nome de três, são independentes e harmônicos entre si, desde a cátedra de Montesquieu e albergados no diploma constitucional de 1988. Cada qual possui sua especialidade e não interfere na(s) do(s) demais. A inteligência da formatação tripartite do poder prescreve, ainda, para evitar qualquer exacerbação de competências e poderes – despotismo – um sistema constitucional de freios e contrapesos. Simplificando: Executivo controla Legislativo e Judiciário e o mesmo se aplica a cada um deles, reciprocamente, com ferramentas específicas. Portanto, não há que se falar em “abuso de poder” nem “rosnar” acerca de qualquer “pedido de impeachment” do Ministro Alexandre de Moraes, ou de qualquer outro dos onze que compõem a Alta Corte Brasileira.

Segundo. A atuação de qualquer pessoa (física ou jurídica) em território nacional – ainda que o domicílio da primeira e a “sede oficial” da segunda estejam situadas no estrangeiro, se submete ao jus soli, ou seja, ao juízo e ao direito do local onde se realizam os atos/fatos jurídicos. Em outras palavras, qualquer acontecimento que ocorra em território brasileiro, está sujeito às leis brasileiras e circunscrito ao exame de admissibilidade, juridicidade e legalidade das leis e consoante a atuação das autoridades judiciárias brasileiras. Neste sentido, as empresas de Musk fogem da responsabilidade legal ao não formalizar/indicar ao juízo seus representantes judiciais, responsáveis formalmente pelas ações da plataforma.

Terceiro. Nas situações sujeitas a investigação de qualquer dos Poderes e envolvendo quaisquer órgãos da República Federativa do Brasil, os nacionais e os estrangeiros devem prestar contas e responder às autoridades brasileiras, o que significa que são obrigados a prestar informações aos órgãos nacionais, respaldando-se os atos praticados pelos servidores públicos brasileiros em documentos oficiais expedidos pelas autoridades nacionais, sobre situações ocorridas em território nacional (e, neste caso, o sentido de território se amplia, considerando o locus da internet e da “navegação” cibernética em aparelhos, perfis, domínios e redes sociais em vigor/vigência no Brasil.

Quarto. Na circunstância de apuração, via investigações cíveis e criminais, por quaisquer instâncias administrativas, policiais e/ou judiciais, qualquer “cidadão do mundo” se submete, pelo já citado princípio jurídico do “jus soli” (direito do local) às regras legais e judiciais brasileiras, por interpretação direta da norma constitucional.

Quinto. A recusa, a desobediência e a contrariedade em relação aos atos oficiais dos Poderes republicanos brasileiros importa em sanções administrativas, cíveis e criminais, por ato da autoridade (executiva ou judiciária, em regra), individual, com a possibilidade de chancela de órgãos coletivos – no caso presente, a Primeira Turma (Colegiada) do Supremo Tribunal Federal (STF), neste dia 2 de setembro de 2024, já convalidou os atos individuais realizados por um de seus Ministros, no caso o Ministro do STF, Alexandre de Moraes. Foi confirmada a decisão de Moraes, por cinco votos a zero – Ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux (Caíque; Coutinho, 2024).

Assim, não se trata de situação sujeita à “concordância” ou “rechaço” dos indivíduos da sociedade brasileira, nem individual, nem coletivamente, na forma de manifestações, seja pelas redes sociais seja por qualquer outro movimento de caráter social (como protestos e mobilizações). A decisão judicial obedece ao estrito rito judicial e pode ser obstada ou questionada por “remédios processuais” como ações e recursos. Fora disto, é mero esperneio.

No mérito, a atuação ministerial visa, como aliás consta da própria decisão judicial prolatada em 30 de agosto de 2024, diante dos “voluntários descumprimentos das ordens judiciais” e “inadimplemento das multas diárias aplicadas”, e, mais ainda, a “tentativa de não se submeter ao ordenamento jurídicos e Poder Judiciário brasileiros”, instituindo “um ambiente de total impunidade e “terra sem lei” nas redes sociais brasileiras”, com o gravame de continuarem sendo realizadas as ações ilícitas “durante as eleições municipais de 2024”, foi determinada a SUSPENSÃO das atividades da rede social “X” em território brasileiro, até que sejam cumpridas as exigências determinadas pelo STF.

Ainda destaca o Exmo. Sr. Ministro do STF, que a medida se direciona a combater a “atuação de grupos extremistas e milícias digitais nas redes sociais, com massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio, antidemocráticos”.

Neste sentido, a determinação ministerial encampou a suspensão imediata, completa e integral do funcionamento da “X Brasil Internet Ltda.”, em território nacional, condicionada a duração da medida ao tempo em que “todas as ordens judiciais […] sejam cumpridas, as multas devidamente pagas e seja indicado, em juízo, a pessoa física ou jurídica representante em território nacional”.

O megaempresário Elon Musk, aliás, há algum tempo, inclusive quando da campanha eleitoral de 2022, e, depois disso, em face de todos os atos antidemocráticos e de vandalismo cometidos contra o Estado de Direito e os Poderes Republicanos, em 8 de janeiro de 2023, na capital federal, Brasília. Em 8 de abril deste ano, Musk se pronunciou nesses termos: “Como foi que Alexandre de Moraes se tornou o ditador do Brasil? Ele tem Lula na coleira”, escreveu Musk em postagem no X”, afirmando, ainda, que Moraes seria um “ditador brutal”, um “ditador maligno que se fantasia de juiz” ou “um criminoso vestindo toga de juiz como uma fantasia de Halloween”.

Vale dizer, ainda, que a decisão tribunalícia não está direcionada a essas ofensas ou ataques, direcionados seja ao Ministro seja ao STF. O dono do “X” é réu em uma investigação (Inquérito das Milícias Digitais), correspondente à dolosa instrumentalização criminosa de uma rede social acessível aos brasileiros, com ampla disseminação de informações (sobretudo falsas, as Fake News). 

Como enquadrar essas questões – que são da materialidade sociojurídica e fazem parte de um “mundo de expiações e provas”, como entendem os adeptos da Filosofia Espírita – sob o prisma espiritual-espírita?

Vamos listar os principais pontos:

1) Severidade no Estado de Direito – Kardec consultou as Inteligências Invisíveis acerca da severidade das leis penais (criminais), isto é, aquelas que coíbem abusos e ilegalidades. A resposta recebida acentuou a “necessidade de leis mais severas”, ainda que, em grande parte das situações, o efeito seja tão-somente punir o mal praticado e não cortar a raiz dos males sociais existentes na Terra, condição que decorrerá da educação dos indivíduos, que resultará em leis menos severas (“O livro dos Espíritos”, item 796). 

2) Necessidade do progresso social –  Não são os gostos, preferências e pendores individuais que determinam as noções de “certo” e “errado”, ou, no caso em questão, jurídico x antijurídico, legal x ilegal. No item 776, de “O livro dos Espíritos”, após os esclarecimentos dos desencarnados, Kardec pontua que “o homem se melhora na medida em que melhor compreende e melhor pratica” a lei natural. O progresso da coletividade é, então, decorrente do individual e isto decorre do esforço pessoal em se melhorar, erradicando defeitos e imperfeições, que são decorrentes da ausência de compreensão sobre as leis espirituais.

3) A ilusão da opinião de pessoas socialmente influentes – há Espíritos que possuem habilidades para convencimento de muitos indivíduos. No âmbito político, por exemplo, a História da Humanidade é pródiga em personagens que foram idolatrados e conduziram (e conduzem) coletividades a fracassos, infortúnios, guerras e problemas sociais graves. Kardec, na “Revue Spirite” (Março/1863, “Falsos irmãos e amigos ineptos”), aponta que é preciso ter cautela na análise de pessoas, instituições e ideologias para não ser presa fácil de ilusões e inverdades. Falando sobre a Filosofia Espírita ele ilustra afirmando que “O Espiritismo se distingue de todas as outras filosofias porque não é concepção filosófica de um homem só”. O personagem responsável pela rede social que teve suas atividades suspensas no Brasil possui as suas convicções e não pode patrocinar movimentos que atentem contra a ordem jurídica, as instituições e favoreçam a disseminação da cultura do ódio e das Fake News

4) O egoísmo como promotor da destruição – As Inteligências Invisíveis colocaram como as principais chagas da Humanidade, a serem combatidas com intenção e ação verdadeiras e aplicadas, o orgulho e o egoísmo, como maiores obstáculos ao progresso, individual e coletivo (“O livro dos Espíritos”, item 785). Associando-se as noções contidas em três outras questões do mesmo livro (728, 733 e 913), a danosidade do egoísmo, que é a causa de TODOS os vícios, a “verdadeira chaga da sociedade […] incompatível com a justiça, o amor e a caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades”. Quando se patrocina uma determinada ideologia com base em inverdades ou visões personalistas, abominando as demais, injustificadamente, há claramente egoísmo. Explica-nos a teoria espírita que, por meio do egoísmo, ocorrem destruições (de projetos, de iniciativas sociais, de pessoas e/ou instituições) e estas ocorrem por meio dos indivíduos é um dos “instrumentos de que ele [Deus, Universo] se serve para atingir os seus fins”. Todavia, tal destruição, enquanto necessidade humana (inferior) “diminui entre os homens à medida que o Espírito supera a matéria”.

5) Ideias inferiores tidas como verdades – Alguns indivíduos, nas existências sucessivas, acabam desenvolvendo em profusão os caracteres da inteligência, descurando da ética (ou do sentimento, como afirmaram os Espíritos a Kardec). A partir daí, passam a ser influentes em relação a pessoas, coletivos ou a sociedade como um todo, como figuram, por exemplo, os líderes políticos e os grandes empresários de determinados ramos comerciais. Como a ética não é, ainda, presente, por diversos meios convencem os demais que passam a segui-los (cega ou fanaticamente). Em um texto, “A avareza”, de autoria de S. Luís, Espírito, Kardec apõe uma oportuna observação (“Revue Spirite”, Fevereiro/1858, “Dissertação moral ditada por S. Luís à Senhora Ermance Dufaux”): Falando. Luís de França, “da eternidade dos sofrimentos, quando todos os Espíritos superiores são concordes em combater tal crença”, sendo ela representativa dos “caracteres gerais dos Espíritos da terceira ordem”, que somos nós, em generalidade, habitantes da Terra. “Com efeito, quanto mais imperfeitos os Espíritos, mais restritas e circunscritas as suas ideias”. 

6) O livre arbítrio no móvel das ações humanas – Kardec, de forma sintética e precisa, em “O livro dos Espíritos”, item 872, escreve o seu “Resumo Teórico do Móvel das Ações Humanas”. Abre o texto com uma colocação que é essencial para o deslinde da situação que é o mote deste artigo: “A questão do livre-arbítrio pode resumir-se assim: o homem não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não ‘estavam escritos’; os crimes que comete não são o resultado de um decreto do destino”. Assim, reside na consciência espiritual do encarnado a condição de agir/não agir, de acordo com suas convicções, liberdade e responsabilidade. Pode, então, “ceder ou resistir aos arrastamentos” a que se submete, e que com a educação/instrução (“estudo aprofundado da natureza moral do homem”) ele poderá se modificar, tendo todas as faltas cometidas pelo indivíduo “origem primeira nas imperfeições do nosso próprio Espírito, que ainda não atingiu a superioridade moral a que se destina, mas nem por isso tem menos livre-arbítrio”.

7) A justiça e sua diferenciação entre humana e natural – O conjunto dos itens 873 a 879, de “O livro dos Espíritos”, se direcionam a explicar a Justiça e o Direito Natural. Nele, há a flagrante instrução acerca da diferença entre justiça e injustiça que brota naturalmente da própria existência e se aperfeiçoa, enquanto entendimento, a partir do progresso moral. O entendimento da verdadeira justiça só existe naqueles que superam a mistura das paixões no julgamento, deixando de estar sujeitos a falsos pontos de vista. Havendo pois, duas leis, a humana e a natural (que também recebe o adjetivo de divina, no sentido da organização do Universo), é o progresso (individual e, depois, coletivo) que permite a feitura de leis (mais) apropriadas a sociedades desenvolvidas, superando os tempos anteriores e suas normas.

8) O tribunal da consciência – Kardec quis saber, no item 621, de “O livro dos Espíritos”, onde estariam grafadas as leis naturais ou universais, no que as Inteligências Invisíveis lhe responderam: “Na consciência”. Herculano Pires, poeticamente, interpretando esse contexto, lembra Descartes (“Meditações Metafísicas”), que escreveu que Deus (e suas leis, por conseguinte) estaria impresso no indivíduo “como a marca do obreiro impressa em sua obra”. Adiante esse conceito é reforçado e ampliado (item 875a), na seguinte expressão dos Espíritos: “há uma infinidade de atos [humanos] que são de competência exclusiva do tribunal da consciência”, no sentido de serem objeto de reflexão acurada daqueles homens que pensam por si e que desejam sinceramente aperfeiçoarem-se, na recomendação que Santo Agostinho faz na elucidação do questionamento kardeciano (item 919a, de “O livro dos Espíritos”): “no fim de cada dia interrogava a minha consciência, passava em revista o que havia feito e me perguntava a mim mesmo se não tinha faltado ao cumprimento de algum dever”. Eis a regra de ouro da convivência e o caminho para o progresso espiritual: o socrático “conhece-te a ti mesmo”, mas com o compromisso de avaliar a si mesmo e se caracterizar, como disse Kardec, no verdadeiro espírita (homem de bem), o indivíduo transformado moralmente e que se esforça no controle das suas más inclinações (“O evangelho segundo o Espiritismo”, Capítulo XVII, item 4, “in fine”).

Conclusivamente, numa análise jurídico-social e espiritual-espírita, ponderamos:

  1. A) Abusos devem ser atacados com o rigor legal e dentro do Estado Constitucional Democrático de Direito. Na existência de pessoas e instituições que protagonizem atos ilícitos e, quando admoestados, não atendam às determinações legais-judiciais, é lícito e válido que os meios jurídicos disponíveis imponham aos delinquentes as providências cabíveis;
  2. B) O texto constitucional federal (1988) estabeleceu as competências dos três poderes republicanos (Executivo, Legislativo e Judiciário), independentes e harmônicos entre si. No caso do último, o poder judicante, prescreveu as competências e as instrumentalidades para “fazer valer o direito”, inclusive, atentando-se à premissa muito “cultuada” nos últimos tempos, em discursos ideológicos de “jogar dentro das quatro linhas da constituição” em alusão ao formato de um campo de futebol, onde as ações se realizam nestes limites. O Judiciário brasileiro, assim, “joga”, isto é, atua, na estrita conformidade estabelecida pelo ordenamento jurídico-constitucional, e os atos singulares praticados por um magistrado estão sujeitos ao duplo controle, isto é, se submetem às turmas e/ou ao colegiado do STF, circunstância exatamente verificada no caso em tela;
  3. C) As paixões humanas, as preferências pessoais, as ideologias motivadas por razões particulares não são, em nenhuma circunstância, superiores nem a Ética Espiritual-Espírita nem ao Estado Constitucional Democrático de Direito. No primeiro espectro, cabe a cada um sopesar as situações e tomar, por inafastável seu livre-arbítrio, posicionamentos e manifestações, no que se submeterá, primeiro, à “lei da consciência” e, segundo, às leis humanas e às leis espirituais, sem qualquer exceção; e,
  4. D) Em termos da abordagem espiritual-espírita e jurídico-processual, devem ser ouvidos e respeitados aqueles que reúnam condições, competências, habilidades e formações, no que, no primeiro caso, decorre do efetivo estudo aplicado da Doutrina dos Espíritos (e sua abordagem específica sobre as Leis Naturais e as Leis Humanas) e, no segundo, permitido o contraditório e a dialética, a matéria processual estar submetida aos operadores jurídicos, e não a leigos – e, dentre estes, aqueles movidos pelo orgulho e pelo egoísmo, no sentido de fazerem prevalecer (suas) visões precárias, incompletas e de motivação duvidosa, decorrente de ideologias político-sociais.

Conclusivamente, diante das algaravias e dos blefes que têm ocupado a “arena” das redes sociais (brasileiras), em que, não raro, arroubos na forma de opiniões sem qualquer lastro, com motivação ideológica discutível e interesses político-partidários, seja nas eleições de 2024 (municipais) seja nas de 2026 (federal e estaduais), recomenda-se ao espírita sincero e estudioso: i) que busque se informar em fontes confiáveis, de natureza jurídico-política, sem vieses partidários e de manipulação midiática; ii) que estude a fundo a Doutrina dos Espíritos, calcada nas 32 obras de Allan Kardec, para a compreensão dos fundamentos espirituais da Humanidade, sob a regência das Leis Naturais e sua aplicabilidade aos Espíritos – sobretudo os encarnados – diante de situações em que duelem pontos de vista e posicionamentos sobre questões jurídico-sociais-éticas, para buscar entender e praticar aquelas leis no cotidiano; ii) que se evite dar guarida às algaravias e aos blefes situados nas redes e plataformas sociais ou no contexto presencial, em que indivíduos que desconhecem regras, contextos e conceitos, se arvoram em “dizer suas verdades”, inclusive de modo agressivo e violento, para cooptar adeptos ou intimidar os que não pensam como eles; iv) que, independentemente de preferências ideológicas e políticas, caracterizadoras de uma disputa sem fim pela primazia dos poderes, em que o objetivo parece ser o de aniquilar e subjugar os diferentes, se busque o esclarecimento nas áreas de especialidade que estejam sendo tratadas, aliadas ao conhecimento espiritual-espírita, crentes de que o progresso, inexoravelmente, alcançará a todos. 

Assim, como prelecionou Kardec, haverá, no futuro, a unidade – embora ela esteja, no momento, muito distante, como decorrência das “forças das coisas”, compreendida como uma necessidade a partir dos laços de fraternidade cada vez mais estreitos, resultante da própria razão humana mais desenvolvida, em razão dos esforços e do progresso individual-espiritual de cada um, a contagiar os coletivos. Neste sentido, a compreensão derivada da Filosofia Espírita, sem os arroubos da vaidade, do orgulho e do egoísmo, sedimentará o conhecimento da Ciência Espiritual que decorre de todas as leis naturais e universais, preparando, assim, “os caminhos para a unidade”.

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Nota do Autor: Colaboraram neste ensaio Leopoldina Xavier, Marcus Braga e Nelson Santos, na sugestão de abordagens.

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Nota do ECK:

[1] Marcelo Henrique é jornalista, advogado, administrador e auditor público. É Mestre em Ciência Jurídica e curso Doutorado em Direito na Universidade Católica de Santa Fé (Argentina). Atualmente está cursando Doutorado em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina. Professor Universitário de graduação e pós-graduação, lecionou Direito Constitucional e Processual em três faculdades.

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Fontes:

ALENCAR, C.; COUTINHO, M. Por unanimidade, 1ª Turma do STF mantém decisão de Moraes de derrubar o X. UOL. Política. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/09/02/julgamento-suspensao-x-prmeira-turma-stf.htm>. Acesso em 2. set. 2024.

KARDEC, A. A Gênese. Trad. Carlos de Brito Imbassahy. Edição conforme o texto original de Allan Kardec da 1ª Edição de 1868. São Paulo: FEAL, 2018.

KARDEC, A. O evangelho segundo o Espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. 59. ed. São Paulo: LAKE, 2003.

KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. 64. ed. São Paulo: LAKE, 2004.

KARDEC, A. Obras Póstumas. Trad. Sylvia Mele Pereira da Silva. Introdução e notas J. Herculano Pires. 2. ed. São Paulo: LAKE, 1979.

KARDEC, A. “Revue Spirite”. Anos 1858 e 1863. Trad. Julio Abreu Filho. Supervisão de J. Herculano Pires.  São Paulo: Edicel, 1964.

Imagem de Alexandra_Koch por Pixabay

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

One thought on “O “X” da questão: entre algaravias, blefes, contendas e ilegalidades, o Estado Constitucional, Democrático e Social de Direito

  1. Muito bom, eu tenho para mim que estamos realmente avançando em relação a lógica da vida com a indução da análise do que é certo, racional e humano e caminhamos em direção do progresso espiritual. Em um artigo do nosso amigo Prof.Marcelo Henrique que se intitula “Doutrina Espírita não Combina…” ele faz uma análise bem apanhada de boa conduta e que caminhamos para dar mais um passo evolutivo espiritualmente falando em nosso planeta.
    Excelente análise sobre que para opinar em algum assunto devemos ter conhecimento daquilo que vamos dizer.

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