O Brasil pega fogo: Jornalismo Tostines e Capitalismo de Catástrofe, por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Tempo de leitura: 6 minutos

Por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Olhamos para as imagens dos incêndios que estão fazendo o País arder e pensamos imediatamente em apocalipse e nas imagens hollywoodianas de filmes como Mad Max. Por que é mais fácil a gente pensar no fim do mundo do que no fim do Capitalismo? Por que falar em Capitalismo? Por que todos esses incêndios guardam um padrão que o jornalismo hegemônico quer esconder: recorrência, sincronismo, sequencialização e precipitação, apontando para uma engenharia política do caos. Muito além do “Aquecimento Global”. E que toda a catástrofe ambiental brasileira é provocada pelo modelo produtivo neocolonial digital de exaustão de todos os biomas. Entra em ação o “jornalismo Tostines”, de viciosidade e “rocambole semiótico”. Mas nem tudo está perdido: a Faria Lima descobriu o Capitalismo de Catástrofe e as Climatechs. Como a catástrofe pode se transformar numa lucrativa commodity.

Foto: Brasília, DF 15-09-2024 Um Incendio atingiu o Parque Nacional de Brasília. Bombeiros e populares tentavam conter as chamas Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom – Agência Brasil

 

O filósofo britânico Mark Fisher dizia que a ideologia hegemônica na sociedade, o realismo capitalista, nos faz acreditar que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do Capitalismo.

O Brasil em chamas: queimadas e incêndios florestais estão devastando 60% do território nacional. Chamas já estão alcançando áreas urbanas, colocando em risco condomínios. Além das densas fumaças tornarem arriscadas grandes extensões de rodovias, além de provocar doenças respiratórias agudas que já lotam postos médicos públicos.

Dos telejornais às percepções do senso comum, percebe-se uma convergência de imaginário: expressões como “distopia”, “apocalipse”, “cenário Mad Max” e outras do mesmo sentido tomam conta.

Sendo que, nos telejornais e sites de notícias, essa percepção é mais sofisticada, aproximando esses cenários distópicos à escalada das mudanças climáticas globais e efeito estufa provocados por uma civilização que insiste em queimar combustíveis fósseis.

O imaginário religioso do apocalipse se torna mais, por assim dizer, ecumênico com a Ciência prevendo uma catástrofe climática. O juízo final chegou, e é a cara dos cenários de Mad Max.

Por que é tão sedutor acreditar mais no fim do mundo do que prestar atenção na origem etimológica da palavra “apocalipse”?

Apocalipse do grego αποκάλυψις, apokálypsis, significa “revelação”, formada por “apo”, tirado de, e “kalumna”, véu. Um “apocalipse”, é a revelação de coisas que até então permaneciam secretas.

Portanto, a sequência apocalíptica de incêndios por todo país certamente está nos revelando alguma coisa. Algo secreto que vai muito além das mudanças climáticas e aquecimento global, que conta com a mídia hegemônica como o seu maior porta-voz – não é mais um segredo. Portanto, não é um “apocalipse”.

Incêndios surgem sincronicamente em São Paulo

É o fim do mundo? Ou o fim de um modelo de produção econômica que exaure os recursos naturais que a grande mídia não pretende encarar? Investindo em cada imagem de matas e florestas em chamas o imaginário vulgar do “apocalipse” – no sentido cinematográfico hollywoodiano.

Parece que o jornalismo corporativo simplesmente não quer ver que todas essas catástrofes têm uma lógica: essas queimadas estão revelando um seguinte padrão:

(a) recorrência – repetem-se por todo o país, voltando a acontecer nos mesmos lugares – criaram até um eufemismo para esse fenômeno: “re-ignição”;

(b) sincronismo – análises mostram o aparecimento de colunas de fumaça no país em intervalos de 90 minutos; em imagens de satélite, percebem-se o surgimento das plumas dos incêndios quase simultaneamente no Estado de São Paulo;

(c) sequencialidade – obedecem a uma espécie de cronograma: começaram nos incêndios sincrônicos no interior de São Paulo, passando para os Estados da Amazônia (Pará, Amazonas, Mato Grosso, Tocantins. Chegando agora no Rio de Janeiro, chegando a alcançar fronteiras dass áreas urbanas da Grande São Paulo – o próximo passo, incêndios dentro da área metropolitana: um incêndio em Itapecerica da Serra (SP) em terreno da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp pode ser o começo.

(d) Precipitação – Em relação às queimadas de 2023 (até certo ponto as chamadas “queimadas controladas” nesse período do ano são previsíveis pelo costume de agropecuaristas de preparar a terra para o pasto), houve um salto abrupto de mais de 100%.

Jornalismo Tostines

Se essa onda de incêndios pelo país é recorrente, sincrônica, sequencial e precipitado, significa que podem ser tudo, MENOS ESPONTÂNEA – muito menos trágica, catastrófica, apocalíptica ou outros termos achados do vasto léxico eufemístico do jornalismo corporativo.

Partindo para um empirismo grosseiro (a chamada “cobertura isenta”), o jornalismo hegemônico acaba incorrendo numa bizarra lógica tautológica: queimou porque está seco… e ficou seco porque queimou.

Poderíamos jocosamente conceituar como “Jornalismo Tostines”: os leitores mais velhos devem lembrar de uma antiga campanha dos biscoitos Tostines que propunha um paradoxo: “Tostines é fresquinho porque vende mais, ou vende mais porque é fresquinho?”

A não ser pelo efeito paradoxal, a campanha não queria dizer nada. Assim como o “jornalismo profissional”: a pretexto de fazer “cobertura isenta”, cai no empirismo grosseiro e no ciclo vicioso.

Ora, esses incêndios recorrente, sincrônicos, sequenciais e precipitados não mereceriam dúvidas justificáveis? – convocar os seus tão bem conhecidos informantes de pautas (os “especialistas”) e fazerem as perguntas certas?

Essas dúvidas justificáveis são tão evidentes que o jornalismo corporativo é obrigado a entrar no modo “rocambole semiótico”.

Até dá a notícia da prisão de 21 pessoas em São Paulo pegas em flagrante provocando incêndios. Também, até levanta estatísticas de alto percentual de incêndios provocados pela ação humana por todo o país – geralmente tidos de natureza involuntária, por práticas agropecuárias tidas como “equivocadas” ou “tradicionais”.

Porém, essas notícias são relatadas de passagem, em meio a muitas informações climáticas ou meteorológicas sobre “ar seco”, “não chove há X meses”, “mudanças climáticas”, “urgências climáticas” etc. E com as indefectíveis “Previsão do Tempo”, hipernormalizando a catástrofe.

Portanto, cria-se um efeito rocambole: tudo é enrolado numa massa indiferenciada de informações criando para o distinto público um efeito de estranha normalidade.

Esse rocambole semiótico de hipernormalização chega às raias do ridículo. Como quando a apresentadora do telejornal local da Globo de São Paulo (o “SP-1”), Ana Paula Campos, depois das imagens da luta de voluntários para salvar animais das chamas disse: “é bonito ver bombeiros, brigadistas e biólogos atuando juntos…”.

Toda essa hipernormalização faz o distinto público esquecer de que esse padrão de incêndios não é novidade.

Lembre-se, caro leitor, do “Dia do Fogo”, ocorrido em agosto de 2019 no Pará, quando fazendeiros, empresários e produtores rurais organizaram incêndios coordenado por todo o Estado como uma manifestação em apoio às políticas de desmonte ambiental do governo Bolsonaro. Na época, a Polícia Federal confirmou que esses empresários rurais combinaram e realizaram as queimadas em áreas estaduais de conservação da floresta amazônica. Ao todo, foram 1.457 focos de incêndio. Três grupos de extrema-direita foram identificados pela PF.

Quem ganha? É a pergunta que emerge em todo tipo de não-acontecimento, isto é, de eventos que ocultam uma engenharia voltada para a criação de repercussão midiática. A chamada “engenharia do caos”, estratégia óbvia da extrema direita que em seu modus operandi de apropriação semiótica, conseguir pegar a própria filosofia do velho Partido Comunista Brasileiro: “quanto pior, melhor”.

Obviamente ganha a grande mídia com mais uma arma para ajudar a desgastar o governo Lula, depois do ápice da “crise diplomática” da Venezuela e o caso do escândalo do ministro Silvio Almeida.

Um exemplo é como manipularam a decisão do ministro do STF, Flávio Dino – deram muito, mas muito mais destaque à cobrança de que o Governo aja com mais intensidade do que a determinação de que a PF apure as responsabilidades criminosas.

Capitalismo de Catástrofe

Mas não se desespere, caro leitor. Porque a banca financeira e os operadores da Faria Lima têm a solução que necessariamente passa pela comoditização da catástrofe: a startup chamada “Um Grau e Meio” (com investidores como Baraúna Investimentos, Indicator Capital, Rural Ventures entre outros do mercado financeiro).

A startup desenvolveu uma plataforma digital (a “Pantera”) que combina imagens captadas por câmeras de alta resolução, modelos matemáticos e as características particulares de cada bioma. Usando satélites, a detecção leva de uma hora e meia a três horas. Com o sistema da Um Grau e Meio, o tempo cai para segundos.

O capitalismo de catástrofe é o mais novo salto mortal do capitalismo em sua busca de novas frentes de comoditização pela financeirização. Para se distanciar cada vez mais da economia real, investindo na espiral especulativa das startups tecnológicas.

Obviamente, o modelo neocolonial digital de produção no qual o Brasil foi determinado pela cadeia produtiva global está cobrando o seu preço ambiental: o esgotamento ecológico pelo modelo exportador do agropop que exaure os biomas pela agricultura extensiva. Gerando a catástrofe climática que estamos acompanhando.

Embora a grande mídia hipernormalize, jogando tudo na conta das “mudanças climáticas globais”.

As catástrofes ambientais provocadas por esse modelo de exaustão dos recursos naturais estão se transformando numa nova oportunidade do capital especulativo: do investimento massivo nas chamadas “tecnologias limpas” como “parques eólicos” e “fazendas solares” ( a retórica é a alma do marketing ambiental), à ajuda na reconstrução pós-catástrofe (Alvares & Marçal dando assessoria à prefeitura de Porto Alegre e a construção de verdadeiros campos de concentração para “refugiados climáticos” com casas portáteis) e o investimento em startups do mercado climatech como a Um Grau e Meio.

Voltando ao supracitado insight do filósofo Mark Fisher, em toda a hipernormalização midiática exala esse imaginário do realismo capitalista. A escalada de incêndios que está fazendo o Brasil literalmente arder só pode ser mesmo encarada como uma fatalidade climática provocada pela ação do “bicho homem” (como se referiu um repórter da Globo News ao noticiar as causas humanas).

Uma entidade abstrata criada pela mídia, para se desviar do segredo que o apocalipse quer nos revelar: uma catástrofe com recorrência, sincronismo, sequência e precipitação. Os indícios reveladores de uma engenharia política do caos.

Wilson Roberto Vieira Ferreira – Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi. Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no “Dicionário de Comunicação” pela editora Paulus, e dos livros “O Caos Semiótico” e “Cinegnose” pela Editora Livrus.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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