Sonia Zaghetto.
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O coração, esse teimoso que insiste em cultivar esperanças, demora a aceitar o vazio. Resiste, repassa memórias como se nelas pudesse encontrar chaves e segredos que, se descobertos, reverteriam a marcha inevitável do fim
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Há momentos em que desejamos que a vida pudesse ser pausada e o tempo hesitasse um pouco, antes de prosseguir, deixando-nos suspensos entre o antes e o depois de uma partida. Quando alguém que amamos vai embora, algo dentro de nós implode. Não é apenas a despedida de um outro corpo, de uma voz ou de um toque; é o sonho desfeito, a expectativa quebrada e o adeus ao que poderia ter sido.
Embora dentro de nós tudo convulsione, a realidade impiedosa se impõe: tudo no mundo permanece exatamente como estava – o mesmo céu, o cheiro de café se espalhando pela casa, os vestígios do amor em mensagens antigas; nosso corpo funcionando, os pés caminhando até o trabalho e o pulmão se enchendo de ar, embora a respiração esteja curta. Nada colapsa no mundo exterior. Há algo inquietante na rotina que continua, banal, após um amado partir. E essa normalidade nos choca, gera um descompasso entre os dois universos em que nos movemos. É o instante em que nossa dor quer subverter as leis da Física e paralisar o ritmo da Natureza, impedindo o vento de agitar as folhas das árvores, fazendo a luz do dia ficar mais mortiça. Mas o universo é indiferente à dor da gente – sempre foi.
O coração, esse teimoso que insiste em cultivar esperanças, demora a aceitar o vazio. Resiste, repassa memórias como se nelas pudesse encontrar chaves e segredos que, se descobertos, reverteriam a marcha inevitável do fim. Uma tentativa de dar sentido ao que aconteceu. Tentamos em vão capturar o momento em que tudo parecia certo e, logo em seguida, já não estava. Mas nem sempre há sentido ou respostas satisfatórias. Às vezes o ponto de interrogação persiste porque a resposta está bem encerrada em outro coração. É assim que a vida funciona – paciência. Não há um roteiro, nem uma narrativa coesa. Apenas fragmentos que se juntam para formar algo que se é forçado a aceitar.
Para nosso desespero, o amor não vai embora instantaneamente. Não é algo que se pode guardar em uma valise e pôr no fundo de um armário. Ele gruda nas paredes, esconde-se nas frestas da casa, aparece nos cantos mais inesperados da mente de quem fica. Eis o que torna a perda tão difícil nos primeiros tempos.
Mas é nesse continuar que aprendemos, não sem sofrimento, que sobreviver é decidir não ser consumido pelo abismo que o outro deixou. No silêncio das madrugadas, quem nos encontrará de olhos abertos, ouvindo o silêncio? Nosso lado mais sombrio? Ou o que se recusa a permitir que a dor da perda seja mais forte que os nossos mais caros princípios?
Felizmente, o tempo põe bandagens. Numa certa manhã a respiração estará mais leve. Nesse dia, a memória do amor perdido deixará de ser dor. As lembranças de cama e mesa, certas canções, o lugar que agora evitamos — tudo isso será capaz de nos tocar de uma forma diferente, levemente nostálgica talvez, mas sem nos devorar.
Talvez até possamos sorrir, conformados, ao lembrar que amar é risco, é salto no escuro. E nos congratularmos por ter tentado e, embora contabilizando feridas, termos emergido mais sábios.
Partidas nunca são apenas sobre quem se foi. Servem essencialmente para pensar sobre nós mesmos. Sobre quem seremos agora e sobre o desafio de nos reconstruirmos em um espaço momentaneamente desabitado.
Imagem de Joe por Pixabay