Marcelo Henrique
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“Que tudo se realize no ano que vai nascer” (canção “Fim de Ano”, David Nasser, 1965).
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No momento em que você estiver lendo este artigo, o ano de 2025 já irá ter raiado, e os dias, na sequência natural dos fatos, estarão se sobrepondo uns aos outros. Com isto, uma infinidade de expectativas de todos em relação às situações que irá se vivenciar. Porque é natural o sentimento, em cada mudança de calendário, de acreditar que tudo será melhor do que antes.
Em recortes anteriores da contagem do tempo, ainda nos últimos minutos e segundos do ano findo, é provável que você desejou uma ou outra coisa em especial: paz, alegria, equilíbrio, compreensão, saúde, dinheiro, um trabalho, um novo emprego, um relacionamento, um filho…
E será que o que se projetou irá se materializar? Os desejos poderão ser realizados? Como lidar com tudo isto? O que esperar de 2025?
A didática espírita, em realidade, ajuda-nos a compreender a transição entre um e outro ano, do anterior para o seguinte, em alguns pontos que merecem ser revisados.
O PRIMEIRO deles diz respeito ao tempo e sua contagem. Afirmou Kardec (“A Gênese”, cap. VI, item 2, “in fine”): “O tempo não é mais do que uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias”.
Esta relatividade temporal, considerando a circunstância temporária da vida física, de encarnado, nos endereça à ideia de que, ainda que seja importante aproveitar as “oportunidades” da presente existência, muitas outras irão existir, para que o progresso (espiritual) siga o seu curso. É, pois, uma certeza consoladora, já que não estamos “condenados” nem “absolvidos” em razão da média dos nossos procedimentos.
Jiddu Krishnamurti, um notável pensador hindu, teria escrito que nem o tempo nem o espaço existem para o homem que conhece o eterno.
Nestas palavras há o mesmo referencial do Espiritismo, apresentando-nos a efemeridade da compreensão quanto ao binômio tempo-espaço, uma vez que, circunscritos à matéria, nossos “talentos” se encontram limitados pelas leis físicas e é preciso ter, então, paciência e serenidade para o enfrentamento das inúmeras situações do dia a dia.
Assim, a relatividade do tempo e do espaço – conceitos finitos, condicionados à precariedade dos sentidos humanos – nos fazem toma-los como reais, mas imperfeitos e limitados, onde, no plano material temos uma pálida ideia da duração do tempo da eternidade, porque contamos minutos, horas, dias, meses, anos… Em paralelo, conseguimos ter uma precária noção da extensão e do conteúdo do espaço infinito, a imensidade, já que conseguimos contar os metros ou os quilômetros que nos separam do lugar onde estamos para aquele que desejamos ir.
O SEGUNDO elemento está associado ao anterior, em termos de objetivos da existência física. A experiência “na carne” deve ser encarada, pelo Espírito, como um meio e não um fim em si mesma. Ela – ou elas, já que são muitas, plurais e sucessivas – é o fio condutor de nossa vida espiritual. Assim, o nascimento neste plano nos recebe com as experiências do passado, acrescentando as do presente para desembocar no futuro: aquilo que seremos e vivenciaremos no amanhã.
Aqui cabe lembrar um dos magníficos ensinos atribuídos a Jesus: “aquele que quiser salvar sua vida, perdê-la-á; aquele que a perder, ganhá-la-á” (Mt; 16:25-26). A prescrição do Nazareno permanece um enigma para muitos dos que se reúnem em torno do seu nome, nas religiões cristãs. Ora, como entender que o que perde a vida, na verdade, continua com ela e o que a mantém, a perde?
Jesus também explicitou sobre a transitoriedade da vida física mas prelecionou acerca do apego excessivo que muitos tem em relação a ela, como se ela fosse a única condição para um futuro de tranquilidade. Ou, também, aqueles sentimentos de avareza, cupidez, orgulho e egoísmo, correlacionados aos passageiros bens da Terra, como as riquezas e posses.
Desapegar-se da vida é compreender a sua relatividade, a sua natureza transitória, sem esquecer de aproveitar as oportunidades que forem possíveis.
Neste contexto, surge uma interessante afirmação, dita por muitos: “viva esta vida como se ela fosse a única” ou “A vida é uma só”. O que dizer estas sentenças ou conceitos? São certos ou errados? Pense um pouco…
Pensou? Certo!
Então, devo lhe dizer que tais afirmações reúnem em si conceitos absolutamente… CORRETOS! A vida é realmente única. As diversas experiências, na carne e no mundo espiritual, como encarnados ou desencarnados, fazem parte de um único contexto: a realidade do Espírito, a VIDA ESPIRITUAL, que se compõe das fases de materialidade (vida corporal) e imaterialidade (condição invisível), somando-se umas às outras.
O TERCEIRO e último elemento diz respeito ao ato de desejar o melhor em cada ano que se inicia. É impossível fazer-se previsões acerca do que o futuro, naquele ano, nos reserva. Nenhum médium pode adiantar questões pessoais ou coletivas, sendo, tais exercícios, meramente especulativos, de adivinhação, de sortilégio, ainda que, em algumas situações, se noticie que este ou aquele “previu” tal ou qual situação.
Então, se não há praticamente nada pré-traçado ou pré-estabelecido e não é possível adiantar o que irá ocorrer com cada um de nós, aquela vontade expressa em pensamentos ou palavras, entre os abraços das festividades na “virada”, não pode ser uma mera convenção, uma tradição ou uma efêmera manifestação humana.
No ano que já nasceu, portanto, há que se ter RESOLUÇÕES. O que irei fazer para alcançar meus objetivos? Como irei me comportar diante do semelhante? Que esforços irei empreender para corrigir dadas imperfeições e angariar “talentos” que parecem adormecidos em mim?
O Espiritismo, assim, surge como uma proposta prospectiva real, de transformação e de progresso, a partir daquilo que já somos, construindo-se, diariamente, o projeto de “novo Espírito” que desejamos ser.
O início de cada ano é, deste modo, uma oportunidade valiosa e propícia para verdadeiramente assumir compromissos, traçar planos, idealizar realizações. Isto, após, é claro, de realizar, cada um, uma espécie de balanço do ano que findou, computando erros e acertos, insucessos e avanços.
Diante das três premissas apresentadas, cabe-nos apresentar o contexto mais importante. Ele diz respeito ao coletivo, correlacionado à nossa civilização. Os Espíritos, em diálogos com Kardec, sempre salientaram as duas dimensões do progresso: o individual, pessoal; e o coletivo, social.
Assim sendo, caberiam as perguntas: Para onde está indo a nossa civilização? O que ela busca? Como ela se conduz neste processo?
Se, pessoalmente, a cada mudança do calendário anual, nos enchemos de expectativas para o que há de vir, nosso eterno recomeçar, e já entendemos que tudo irá depender de nosso estado de espírito, na análise de cada problema-solução, a cada despertar dos dias, algo a mais nos espera.
As lutas de hoje reafirmam os objetivos universais de sempre: paz social, justiça, bem-estar, saúde, saciedade, segurança, educação, maior afinidade entre pessoas e povos. Como atingi-los? Antes de mais nada pela boa vontade, pela não violência, pelo esforço expressivo de compreensão do outro, de respeito pela individualidade humana e pelos três valores que o Espiritismo consagrou: caridade, solidariedade e fraternidade.
E, em consequência, pelo sentimento que falta em todo este processo, após a compreensão e o respeito: o amor – ao semelhante, como um certo Rabi afiançara como requisito indispensável para a libertação e felicidade.
Novos dias requerem novas mentes… As bases de uma grande revolução conceitual humana já foram lançadas: a luta pela redução das desigualdades, o respeito aos direitos das minorias, a proteção aos mais fracos, a acessibilidade à informação. O esforço de ter uma vida mais digna e feliz, conquistado por alguns e transplantado para todos – incondicionalmente – é a grande aventura da Nova Era que surge.
Eis, pois, as resoluções de ano novo. Individual e coletivamente. De modo solidário. O compromisso espiritual, da parte de cada um, foi firmado antes mesmo de encarnarmos. Urge realizar. Como cantou o poeta: “A lição sabemos de cor, só nos resta aprender” (Beto Guedes, “Sol de Primavera”, 1979)…
Imagem de Mohamed Hassan, por Pixabay.