Por Herculano Pires
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O Reino é como semente: Começa na germinação oculta e solitária, dentro de cada um. O Reino de Deus está acima da sociedade de classes, do mundo injusto de ricos e pobres, das competições políticas e econômicas. O Reino de Deus está dentro de nós, na aspiração Divina da Justiça e do Amor, que é o próprio Reflexo de Deus na Consciência Humana.
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O Reino é uma Graça e uma Conquista.
Porque a Graça não é uma prebenda como as da Terra: Temos de merecê-la para recebê-la. E como receber a Graça sem a conquista das condições exigidas para a merecermos? Vivem na ilusão os que se esquecem daquelas palavras: Busca primeiro o Reino de Deus e a sua Justiça… Porque pensam que o Reino é dado a troco de palavras, de crenças, de sacramentos, de símbolos e sinais exteriores. E se enganam a si mesmos.
Também se enganam os que pensam que o Reino é apenas subjetivo ou pertence ao Outro Mundo. O Reino foi implantado na Terra e está crescendo entre os Homens. Seu crescimento é lento como das plantações. E está sujeito às variações do meio, aos efeitos dos transtornos atmosféricos e ao crescimento das plantas daninhas. Requer, por isso, a atenção e o cuidado dos que desejam vê-lo dominando a Terra em sua plenitude. Somos nós, os Homens, que temos de trabalhar para que o Reino venha a nós.
Muita gente se engana, pensando que o Reino pode ser atingido pelos atalhos humanos. Pretendem chegar ao Reino pela política, pela Religião, pela Filosofia, pelas Ordens Ocultas e Esotéricas, pelos Ensinamentos deste ou daquele Mestre em particular. Todas essas coisas só podem ajudar quando queremos realmente atingir o Reino. Porque o Caminho do Reino parte do Coração de cada um e se estende aos outros e ao Mundo Exterior. O Reino é como semente: Começa na germinação oculta e solitária, dentro de cada um.
Os Quatro Temas.
Os cristãos-sociais como são chamados os que se interessam pelos problemas da Justiça-social, são atacados pelos materialistas e pelos seus próprios companheiros de fé. Muitos deles não compreendem o exemplo do Jovem Carpinteiro e preferem seguir os atalhos Humanos. Querem envolver suas Igrejas e suas comunidades religiosas na política mundana. No meio Católico no protestante e no espírita, encontramos hoje essas correntes sociais que pretendem transformar as religiões em partidos políticos, em instrumentos de luta ideológica. Mas a tese do Reino não é essa. Basta lembrar estas palavras do Jovem Carpinteiro: “O meu Reino ainda não é deste mundo; se ele o fosse, os meus ministros haviam de pelejar” (Jo; XVIII: 36). E se acaso ele quisesse que os seus discípulos usassem a espada para despojar os outros dos seus bens, teria dito que devemos entregar também a túnica ao que nos pede a capa ou oferecer a outra face ao que nos bate numa?
A tese do Reino é de reforma profunda, não superficial. O mundo é o reflexo do homem. Podemos obter o melhor reflexo no espelho mais favorável, como poderemos deformar o reflexo num espelho deformado. Podemos, pois, construir artificialmente um Mundo de Luz com um homem sombrio. Mas é evidente que apenas o Reflexo, no caso a estrutura legal, manifestará a luminosidade artificiosa que não estará presente na realidade social. Para obtermos um verdadeiro Mundo de luz é necessário acendermos a luz nas Almas. Esse é o primeiro tema da tese do Reino.
Mas não podemos considerar esse tema isolado do contesto, como fazem os misoneístas porque, se o mundo é o reflexo do homem, esse reflexo também condiciona o homem. Não basta, pois, a catequese. Melhorar apenas o homem, numa estrutura imoral, equivaleria a melhorar a estrutura com um homem imoral. Assim, o segundo tema da tese do Reino é o da modificação do meio. Ao mesmo tempo que acendemos a luz nas Almas, temos de faze-la brilhar no meio social. As Almas iluminadas iluminam a sociedade, mas a sociedade iluminada deve iluminar as almas. Não podemos nos esquecer dessa reciprocidade. Num meio em que todos rastejam, escreveu Ingenieros, é difícil alguém andar em pé. Temos de lutar para criar condições sociais adequadas ao aprimoramento do homem. Mas é evidente que essas condições não podem seguir a prática da violência contra o próprio homem.
O terceiro tema da tese do Reino é o da escolaridade. O Reino exige preparação dos candidatos, exige escola. Os candidatos do Reino estão todos na escola da vida. Mas é evidente que a maioria pertence às classes primárias. Seria loucura querermos passar essa maioria para as classes secundárias ou superiores. As religiões e escolas espiritualistas são processos pedagógicos, com seus diferentes métodos didáticos em desenvolvimento no mundo. Muitas delas estão deturpadas, comprometidas com o homem velho de que falava o jovem Carpinteiro. Mas todas as criaturas humanas dispõem de recursos didáticos para auxiliarem os sistemas pedagógicos deficientes. O grande empenho dos Cristãos deve desenvolver-se numa atividade em forma de pinça: ensinar e dar o exemplo. Não foi assim que fez o Jovem Carpinteiro?
Há uma dinâmica Espiritual que se reflete na dinâmica social. É a dinâmica da escolaridade. Na Escola do Mundo essa dinâmica se desenvolve em forma de reciprocidade: quem ensina aprende, e vice-versa. A escolaridade é então o processo da experiência. Não é contada pela frequência as aulas, – pois ninguém se furta a frequência – mas pelo aproveitamento. Só o grau geral da escolaridade poderá dar-nos a condição necessária ao estabelecimento do Reino.
Mas o quarto tema da tese do Reino é o da obrigatoriedade. Esse tema nos mostra que as Almas obedecem as Leis Morais, como os corpos obedecem a Leis Físicas. Umas e outras são Leis de Deus, que nos conduzem obrigatoriamente para o Reino. Graças a isso, quando o Mundo se aproxima do Reino, forçado pelas Leis Naturais da Alma e do Corpo, do Espírito e da Matéria, os retardatários são empurrados por uma força ainda pouco explicada a que chamamos História.
Os próprios materialistas reconhecem a necessidade de condições históricas para que as transformações Sociais possam ocorrer. E submetem-se às exigências históricas na preparação dos seus planos de trabalho e de luta, fracassando quando pretendem precipitá-los. Os Cristãos, que além das Leis Materiais, decorrentes dos processos de produção de mercadorias, conhecem as Leis Morais, decorrentes da Natureza e do destino Espiritual dos homens, devem compreender mais profundamente as exigências da História e trabalhar nessa linha com maior Consciência e maior firmeza.
Os Alicerces Conceituais do Novo Mundo
A Tese do Reino exige reflexão constante, decisão Espiritual, Amor e Justiça no coração e na Consciência, para que o Cristão não se extravie pelos atalhos ideológicos. O Cristão possui a Ideologia do Evangelho e o Manifesto do Reino. Seu caminho foi traçado pelo Jovem Carpinteiro. Como pode Ele engajar-se aos que seguem outros caminhos, traçados pelos sonâmbulos do Reino? Como pode Ele colocar-se ao lado dos ímpios, que pretendem escravizar o Reino aos pequenos reinos dos interesses Humanos? O Cristão não pensa na espada ou no fuzil, mas nas forças Espirituais. Não pode acompanhar os que articulam a subversão material, porque o seu objetivo é a revolução espiritual. Transformar o Mundo pela transformação do Homem e transformar o Homem pela transformação do Mundo. Eis a Dialética do Reino, que o Cristão tem de seguir. Uma Dialética difícil, mas a única possível para a solução de um problema profundamente difícil.
O Reino de Deus está acima da sociedade de classes, do mundo injusto de ricos e pobres, das competições políticas e econômicas. O Reino de Deus está dentro de nós, na aspiração Divina da Justiça e do Amor, que é o próprio Reflexo de Deus na Consciência Humana. E estando em nós está acima de nós, como um arquétipo Divino das Almas, arrebatando-as para uma vida superior, elevando-as para Deus. O Cristianismo em Espírito e Verdade não se deixa prender nas tenazes de nenhum dilema da lógica humana. Ele é, em sí mesmo, a resposta a todas as nossas inquietações e a todas as perplexidades dos séculos.
O Espiritismo prepara os alicerces conceptuais do Novo Mundo. É por isso que não podemos esquecer os problemas sociais levantados pela Doutrina, no desenvolvimento natural dos princípios do Cristianismo. Estudar, debater, aprofundar esses problemas e condicionar nossa vida, a nossa atividade social às suas diretrizes, no trabalho vivencial de transformação do Mundo. O verdadeiro espírita se recusará a participar dessas duas formas de exploração dos semelhantes que são: a ideológica, envolvendo a mistificação religiosa e a demagogia política; e a econômica, em que se esteia a ideológica e sob a qual proliferem as iniquidades sociais de toda espécie.
Nota do ECK: Este texto foi escrito em março de 1967 e integra a obra “O Reino”, de autoria de José Herculano Pires. Foi republicado em 2002, pela Ed. Paidéia, constando, o mesmo, das páginas 86-91, 93 e 96.
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