Os “Novidadeiros”, por Cláudio Bueno da Silva

Tempo de leitura: 4 minutos

Cláudio Bueno da Silva

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Alguns espíritas preferem deixar os caminhos da simplicidade para entrar nos atalhos da complicação. Foi assim que vimos em vários períodos do nosso movimento, abusos na interpretação e aplicação da água fluidificada, do passe magnético, a introdução de métodos polêmicos para tornar a desobsessão mais eficiente; a moda do “espiritismo sem espíritos”, minimizando radicalmente a importância das práticas mediúnicas e a insistente vontade de alguns em retocar, reformar, atualizar os textos de Allan Kardec, por exemplo.

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O professor Herculano Pires (1914-1979), consagrado filósofo e escritor espírita, usou a palavra “novidadeiros” para designar aqueles que aparecem com “novas” ideias ou teorias no meio espírita, atraindo simpatizantes, mas também desencadeando polêmicas e dissensões.

Alguns de seus livros, como “Na Hora do Testemunho”, “O Verbo e a Carne”, “A Pedra e o Joio”, foram escritos exatamente para corrigir o que ele entendia como equívocos doutrinários graves, trazidos ao meio espírita por pessoas e instituições que lançavam confusão entre os espíritas, na medida em que suscitavam discussões acaloradas, volta e meia reascendidas. E o fazia com a autoridade de conhecedor da Doutrina. 

As sempre imediatas intervenções do professor Herculano se constituíram num libelo contra as investidas das “sombras” que, envolvendo os espíritas incautos, os incitam a criar correntes de pensamento ou mesmo ditam-nas mediunicamente, na tentativa de associá-las ao corpo doutrinário do Espiritismo ou mesmo para simplesmente lançar a confusão. 

Sempre houve quem sofresse a tentação de acrescentar novidades de cunho pessoal no procedimento espírita e quem também acatasse sem exame, opiniões esdrúxulas só porque ditadas pelos Espíritos. No excelente texto “Os conflitos”, publicado na “Revue Spirite’, de dezembro de 1863, o espírito Erasto deixou um alerta sobre o problema quando disse: “E que querem certos Espíritos da erraticidade fomentando entre as mediocridades da encarnação essa exaltação do amor-próprio e do orgulho, senão entravar o progresso?” Outro magnífico texto de Erasto, que respalda o assunto que tratamos aqui, está no item 10, do Capítulo XXI, de “O evangelho segundo o Espiritismo”, intitulado “Os falsos profetas da erraticidade”, de leitura necessária para todos os espíritas 

Alguns espíritas preferem deixar os caminhos da simplicidade para entrar nos atalhos da complicação. Foi assim que vimos em vários períodos do nosso movimento, abusos na interpretação e aplicação da água fluidificada, que em muitos centros espíritas virou panaceia; do passe magnético que, da simples imposição das mãos, passou a “requerer um catálogo” para sua aplicação, em vista de excessiva teorização, descaracterizando “toda a beleza espiritual do passe espírita”, conforme expressão de Herculano Pires; assim também com a introdução de métodos polêmicos para tornar a desobsessão mais eficiente; a moda do “espiritismo sem espíritos”, uma forma radical de minimizar a importância das práticas mediúnicas; a insistente vontade de alguns em retocar, reformar, atualizar os textos de Allan Kardec, e tantas outras “novidades”.

Quando se fala em mistificação, em desvios de rota do movimento espírita, impossível não citar os célebres e traumáticos “ismos”, que causaram tantas controvérsias: o Roustainguismo, de J.-B. Roustaing; o Ubaldismo, de Pietro Ubaldi; o Ramatisismo, de Ramatís; o Armondismo, de Edgar Armond; o Divinismo, de Oswaldo Polidoro… Todos eles com uma curiosa característica: em meio a contribuições assertivas, muitos equívocos destoantes da Revelação Espírita. Embora algumas dessas proposições não tenham surgido propriamente dentro do movimento espírita, nele se infiltraram, deixando marcas que perduram ainda em muitos centros e federações pelo país.

Há algum tempo, várias casas espíritas foram “invadidas” pela teoria das crianças índigo, versão importada sobre a reencarnação de muitos “anjinhos” inteligentes, cheios de independência e malícia, mas cheios também de rebeldia e agressividade que, segundo a fantasia dos seus “criadores” norte-americanos, teriam a missão de renovar (?!) a Terra. Muitos espíritas ficaram encantados com a novidade e durante bom tempo não se falou de outra coisa.

Outra mania que se espalhou insensatamente: a de colher, não se sabe de onde, a “genealogia reencarnatória” de personagens espíritas, atribuindo-lhes tais e quais encarnações, neste ou naquele período. Salvo algumas notícias que os estudiosos entendem como autênticas, nada justifica as especulações que circulam no movimento, principalmente porque baseadas em informações de difícil comprovação, e também porque vindas de origens nem sempre livres de suspeição.

Ou seja, as novidades, os modismos no meio espírita não cessam. Apesar do “orai e vigiai” evangélico, e das orientações doutrinárias deixadas por Allan Kardec à disposição de todos, as pessoas se descuidam, e por isso mesmo criam tolices ou repassam informações colhidas sem critérios de segurança. Herculano Pires tem total razão quando resume essa questão no livro “Mediunidade (Vida e Comunicação)”, avisando: “Os espíritos mistificadores contam apenas com dois pontos de apoio para nos envolverem: a vaidade e a invigilância”.

Em verdade, perde-se muito tempo e energia com tudo isso, e o movimento espírita – agente que é do Espiritismo – se atrasa no cumprimento das verdadeiras funções que lhe compete realizar: espalhar o conhecimento espírita com seu conteúdo correto, contribuindo para diminuir a incredulidade e o materialismo, esclarecendo e consolando, ajudando a preparar o homem para o futuro melhor.

“Mas infelizes os que, por suas dissensões, houverem retardado a hora da colheita”, afirma Kardec em “O evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo XX, “Trabalhadores do Senhor”.

Resta-nos o consolo, porém, de saber que as turbulências vêm e passam. É certo que deixam marcas no coração dos homens, mas também os ensinam a separar o joio do trigo.

Referências:

KARDEC, A. Revue Spirite. Dezembro. 1863. Trad. Salvador Gentile. Araras: IDE, 2000.

KARDEC. O evangelho segundo o Espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. 20. Ed. São Paulo: LAKE, 1998.

 

Imagem de psychofladoodle por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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