Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos
Uma das grandes questões dos tempos atuais pode ser definida por um questionamento: “Para que servem os livros?”. Com o advento da internet e das redes sociais, grande parte do público leitor atual tem dúvidas quanto à resposta. Relega-se um objeto feito de papel, com linguagem e mensagem gravadas em tinta, a um lugar menor diante da chamada “república das telas”, que busca sequestrar sua atenção, seu sorriso vazio — mas que pouco acrescenta em saberes autênticos.
Isso é um fato: os dispositivos digitais estão roubando infinitas possibilidades de aprendizado. O livro passou a ser um estranho tanto para as novas quanto para as outras gerações, as que estão aí e as que virão, em idades diversas — netos que sentam ao lado de mães, tios e avós para consumir (e serem consumidos por) mensagens áridas e de simplória compreensão.
Deixam de lado os livros. Rendem-se ao que pode ser classificado como “sugadores de atenção”, com malefícios amplamente listados por variadas fontes e especialistas.
O jornalista e escritor Chico Vilela, em uma antiga entrevista, afirmou: “Sem livros, seríamos não-pessoas, simulacros de símios caçadores, pastores de rebanhos selvagens e sonhadores de estrelas incompreensíveis. Sem livros, seríamos seres sem passado nem futuro.”
Os livros resistem
Na categoria “espiritualidade”, muitos são os livros apresentados, de diversas abordagens: filosóficos, científicos, religiosos, descritivos, históricos, romances, ficções, autoajuda. Concordando-se ou não com cada obra, são livros que devem ser lidos — e que podem, sim, fazer diferença no aprendizado, nos debates e também na formação do hábito da leitura.
Nas obras fundamentais — consideradas 32 pelo coletivo ECK — o essencial é o estudo, especialmente para compreender a essência da doutrina, ainda que isso demande mais tempo.
No Coletivo Espiritismo com Kardec, os livros resistem; resistem porque é a partir deles que enxergamos o passado, o presente, o futuro — e a nós mesmos.
Resistem porque não podem sucumbir a épocas que não avalizamos como produtivas.
Resistem porque somos seres capazes de pensar.
Os livros, enfim, resistem porque escrevemos resenhas, os citamos, os usamos como referência, ou discordamos, parcial ou totalmente, de seus conteúdos, na mais autêntica dialética e dialógica.
Na Harmonia deste mês, com o tema “O ponto de partida, mas não o de chegada: o livro”, falamos sobre livros e ensinamentos espíritas — mas, acima de tudo, falamos de saberes. Porque o Espiritismo abre a consciência de cada um para muito além da doutrina, para conhecimentos que se multiplicam em todas as áreas: cultura, política, mundo contemporâneo, arte, amor e relações humanas. E era isso o que Kardec desejava e pretendia.
Nossa edição começa com os autores Lindemberg Castro, Heloísa Canali, Eduardo Silveira, Raimundo Filho, Ruth Barros e Fábio Diório, coordenadores do Instituto de Filosofia Espírita Herculano Pires (IFEHP). Eles apresentam, no texto “Mediunidade Decolonial: por uma mediunidade autônoma e crítica”, uma nova proposta pedagógica que envolva a aprendizagem e a vivência da mediunidade de forma autônoma e crítica.
No artigo “Para que estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo?”, Dirce Carvalho Leite instiga a racionalidade em busca da compreensão e da extensão possível da seguinte questão: a base filosófica espiritista dá-nos perspectiva suficiente para a dialética e a dialogia — ou permanece restrita ao microcosmo do ser?
Walter Pérez, no texto “O pensamento de Kardec nos dias atuais”, nos convida a analisar se os fundamentos e a principiologia do pensamento kardeciano ainda permanecem válidos no contexto do Espiritismo praticado no presente século.
A vivência do ser no mundo, em seu livre-arbítrio, suas causas e efeitos perante a justiça humana e espiritual é o ponto de reflexão do artigo de Wilson Garcia: “O cerne da questão dos sofrimentos futuros”.
Henri Neto provoca e reflete em “Romances espíritas para explicar a história: qual a utilidade disso?”, convidando-nos à reflexão sobre a extensão dos supostos conhecimentos transmitidos somente por argumentos de autoridade, sem embasamento lógico e desgastados por uma excessiva dogmatização.
Entrando no mundo pop, temos o artigo “Star Trek e a Pluralidade dos Mundos: uma jornada além do espaço”, de Wilson Custódio Filho, que nos remete à aventura do autoconhecimento — uma viagem através dos ensinos espiritistas para o progresso do ser, uma análise sobre a vastidão de pensamentos e aprendizados realizados durante a imensa aventura de viver.
Fechando a edição, Marcelo Henrique transporta-se para a sala de Kardec no texto “Um singelo quadro na parede”, que nos convida a interpretar um quadro da intimidade do lar de Allan Kardec — em seus detalhes propositais (ou não) — e que traduz de forma inquestionável o pensamento desse homem e sua correlação com a visão espírita.
Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, em “O Livro do Desassossego”, afirmou: “Cada coisa, para mim, é, em vez de um ponto de chegada, um ponto de partida.” A profundidade da frase de “O Rio da Posse” é uma poética e filosófica definição da incessante busca de si, do conhecimento, da próxima fronteira — a complexidade do existir do ser no mundo.
Saboreie esta edição com a mente e o coração abertos.
Sempre como uma redescoberta.
Boa leitura.
Edição: Abril 2025
Para que estudamos e dialogamos sobre o Espiritismo?, por Dirce Carvalho Leite
O cerne da questão dos sofrimentos futuros, por Wilson Garcia
Romances Espiritas para “explicar a história”: qual a utilidade disso?, por Henri Netto
“Star Trek” e a Pluralidade dos Mundos: Uma Jornada Além do Espaço, por Wilson Custódio Filho