Wilson Custódio
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“o Espiritismo, restituindo ao Espírito seu verdadeiro papel na Criação, e constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, suprime naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens em consequência das vantagens corporais e mundanas sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos”, Kardec [1]
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Celebrado neste 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra é, pela primeira vez em 2024, um feriado nacional, instituído pela Lei Federal n. 14.759/2023. Esta data carrega em si um profundo significado histórico e simbólico, representando a luta contra o racismo e a valorização da cultura e da contribuição da população negra ao Brasil.
No entanto, para muitos, ela ainda é apenas mais um feriado nacional. Embora avanços tenham sido conquistados, há um longo caminho a percorrer para alcançar a verdadeira igualdade, que é representada pela isonomia, enquanto não se tem a efetiva igualdade entre todos. Como expressa de forma marcante a icônica Elza Soares, muitas vezes chamada de “a Tina Turner brasileira”, na canção “A Carne”: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.
No contexto da literatura brasileira, a teoria do branqueamento associada a Machado de Assis foi revista apenas recentemente. Mais atualizado, alunos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) ofenderam estudantes cotistas durante os Jogos JURÍDICOS Estaduais, realizados em Americana, no interior de São Paulo [1].
Mas, para espairecer, falemos de futebol, a paixão nacional, certo? Recentemente, em 19 de novembro de 2024, durante os jogos eliminatórios entre Brasil e Uruguai, em Salvador, torcedores exibiram um belíssimo mosaico em homenagem aos jogadores negros, intitulado “Nossa Grandeza”. Um tributo mais do que justo, sem espaço para discussões.
A título de reflexão, ao analisar os mencionados fatos, sinto preocupação. Isso porque o POVÃO, ao lembrar-se de personalidades negras brasileiras, ainda tende a associá-las principalmente a esportes como futebol, basquete ou boxe, deixando de reconhecer sua contribuição em outras áreas igualmente importantes.
A pergunta que fica é: onde estão os médicos, advogados, engenheiros, juízes e cientistas negros, entre outros profissionais de destaque? Será que, na consciência do subconsciente estrutural do povo brasileiro, o trabalho mais barato (respeitando, é claro, nossos ídolos, pois não são baratos!) ainda é associado à população negra? São, quem sabe, conjecturas importantes. Sim, avançamos muito nos últimos anos, mas a luta pela equidade e pelo reconhecimento da importância dos negros continua.
Diante do exposto que tal um pouco de Allan Kardec aos espiritas, para esta análise?
Segundo o Espiritismo, Kardec destaca a ideia de que todos os homens são iguais perante Deus e que as diferenças raciais e sociais são apenas aspectos temporários de uma jornada evolutiva mais ampla.
O racismo, portanto, é visto como uma manifestação de ignorância e uma distorção dos princípios espirituais, pois reflete uma falta de compreensão sobre a verdadeira natureza do ser humano, que é imortal e igual em essência.
Obviamente, há trechos no laboratório de Kardec (“Revue Spirite”) que refletiram o eurocentrismo, o preconceito étnico-racial e a influência de séculos de escravagismo autorizado pelas legislações humanas. E isto precisa ser dito, sempre! Ainda que em conteúdos de suas obras principais, sobretudo em “O livro dos Espíritos”, qualquer distinção baseada na cor da pele ou raça, no sexo, ou em caracteres meramente físico-orgânicos seja rechaçada, devendo ser combatida, porquanto reflexo da primitividade da Humanidade encarnada [2].
Sou negro, espírita e kardecista. Reconheço a importância do trabalho hercúleo de Kardec, mas, também as suas limitações, como homem e Espírito em marcha, como todos nós. Por isso, enalteço os pontos positivos sem esquecer dos equívocos contidos em sua obra. Era exatamente isto que ele esperava de nós, sobretudo quando alertou para continuarmos fazendo progredir a Filosofia Espírita, seja por novas comunicações de Inteligências Superiores, para as contingências futuras da Humanidade, seja em face dos progressos das Ciências!
Estes são os desafios de Igualdade e Espiritualidade do nosso tempo…
Viva, pois a Consciência Negra, seu dia, e a Consciência Humana, desde que pautada, esta, em valores realmente espirituais!
Notas:
[1] KARDEC, A. “Revue Spirite”. Outubro de 1861. Discurso no banquete de Lyon”. Trad. Julio Abreu Filho. Supervisão de J. Herculano Pires. São Paulo: Edicel, 1964.
[2] O tema pode ser revisitado em <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/alunos-de-direito-da-puc-sp-gritam-cotista-e-pobre-para-ofender-estudantes-da-usp-em-jogos/>.
[3] A questão, em maiores detalhes e com a enumeração dos itens da obra primeira, estão no artigo de Marcelo Henrique, intitulado “Doutrina Espírita não combina…”, que pode ser acessado em: <https://se-novaera.org.br/kardec-racismo-e-espiritismo/>.
Imagem de Solie Jordan por Pixabay