Marcelo Henrique
Na foto: Luiza Kosovski, Guilherme Silveira, Cora Mora, Valentina Herszage, Fernanda Torres e Barbara Luz em cena (Foto: Divulgação do filme)
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Que este seja um momento ímpar e continue sendo um “virar de chaves” em relação à autoestima nacional. Espiritualmente, não há qualquer distinção entre nações e nacionalidades e todos os Espíritos recebem, no conjunto das encarnações, a igualdade de oportunidades, segundo as Leis Divinas. No processo de transformação individual, coletiva, social e planetária, é importante o “vencer a si mesmo”.
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Minha paixão pelo cinema vem, obviamente, dos dias da infância. Como toda criança “sem muitas posses”, lá pela transição entre infância e adolescência, minha família adquiriu um velho TV Telefunken, preto e branco. Ali comecei a ver as incríveis séries vespertinas (que já eram “enlatados antigos” do primeiro mundo e da cinematografia norte-americana) e, quando possível, novela, telejornal e, é claro, futebol. Vi alguns lances da “copa do mundo roubada” (1978) e o terceiro tricampeonato do maior clube de futebol popular do Mundo, o Clube de Regatas do Flamengo, no fim da década de 70.
Depois, na transição do primeiro (hoje, ensino fundamental) para o segundo grau (ensino médio), juntar uns trocadinhos do meu trabalho em feira, vendendo folhagens e xaxins com uns trocados dados pela mãe, ia nas matinês de domingo e, depois, nos vesperais de segunda a sexta, em horários compatíveis com a idade e os estudos. Ali tive os meus primeiros “flertes”, a primeira pegada na mão, o primeiro abraço, o primeiro beijo… Lembro-me até hoje do filme, o nacional “Garota Dourada” (1984), com as lindas Cláudia Magno, Andréa Beltrão e Bianca Byington e o galã André De Biase – com participação especial dos cantores Marina Lima, Guilherme Arantes e Ricardo Graça Mello e o comediante Sérgio Mallandro).
Depois fui para o ramo jornalístico, trabalhando em rádio e jornal e ingressei no Curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), já em 1987. Aí, tive as cadeiras de Cinema I e II, conhecendo “de dentro” como é rodar um filme, o papel das câmeras, o zoom, as gruas, o roteiro, as distintas direções, a performance dos atores. Sim, o cinema (e seu produto, a película cinematográfica, o filme) são OBRA do jornalismo, sem precisar estar nos gêneros “documentário” ou “reportagem”.
Fechando essa “retrospectiva”, em 2003 e 2004, foi feito o trabalho prévio e, depois, as filmagens do documentário “Novembrada” (2005), que relatava a revolta popular contra o (então) presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, o último dos generais-presidentes dos anos de chumbo. Como eu tinha sido testemunha ocular da história, em 1979, ao sair do colégio onde estudava, nos arredores da Praça XV de Novembro (coração da Ilha de Santa Catarina, Florianópolis, capital do Estado catarinense), no momento da confusão em que os populares cercaram o opala governamental onde estavam Figueiredo e o governador do Estado, Jorge Bornhausen, a polícia atacou as pessoas e com cavalos, veículos e policiais, foi encurralando os presentes nas pequenas e ruas estreitas ao derredor, alcançando a mim e um grupo de colegas que saíamos da aula. Foi ali que sofremos os achaques, com bombas de efeito moral, e cassetetes, literalmente “apanhando da polícia” que atacava os civis inocentes que nada tinham a ver com tal movimento.
Um destaque cinematográfico: fui convidado a ser entrevistado pelos Diretores do Documentário, que, assim como muitos outros cidadãos florianopolitanos da época, contribuíram para a riqueza dos relatos e a composição do filme.
Segui, na vida de adulto, “consumindo” o produto cinema, na época da expansão dos cinemas “mais estruturados”, em shopping centers e locando “fitas VHS” nas locadoras. Também cheguei a colecionar fitas com os clássicos do cinema, em fascículos semanais comprados em banca de revista...
Segui no Jornalismo, ao lado do Direito e também da Administração Pública, minhas três áreas de formação profissional e, também, minhas paixões. E, também, no meio espírita, em atividades juvenis e de adultos, criamos, na Grande Florianópolis, na União Regional Espírita (URE-14) e na Federação Espírita Catarinense, o “Cine-Debate Espírita”, que consistia na exibição, com (agora) DVDs de filmes que tivessem a “pegada” espiritualista, tratando de temas que se correlacionam com a Filosofia Espírita, com a proposta de, após o final do filme, ocorrer um debate com um ou dois “especialistas” na(s) temática(s) espirituais-espíritas. Títulos como “Vida além da vida” (documentário do Dr. Raymond A. Moody Jr., 1975), “Além da Eternidade” (1989), “Manika: a menina que nasceu duas vezes” (1989), “Ghost: do outro da vida” (1990), “A casa dos Espíritos” (1993), “Amor além da vida” (1998), “Cidade dos Anjos” (1998), “O Sexto Sentido” (1999), “Minha vida na outra vida” (2000), “O Mistério da Libélula” (2002), “Falando com os mortos” (2002), “Um Olhar do Paraíso” (2010), “O Céu é de Verdade” (2014), “Causa e Efeito” (2014).
Também em termos de filmes em formato de novelas, durante a exibição, pela primeira vez, de “Alma Gêmea” (2005-2006), representando a Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (Abrade), prestamos consultoria a jornais e programas de rádio explicando, sob a luz da Filosofia Espírita, situações vivenciadas (encenadas) em diversos capítulos, com ênfase para a Reencarnação.
Minha ligação com o cinejornalismo, assim, é de longa data e me permitiu ir desenvolvendo algumas potencialidades e habilidades para entender não só o resultado final (filme) como o processo de idealização e gravação, assim como detalhes de elementos intrínsecos (cenário, figurino, luz, velocidade da filmagem, atuação cênica, direção de fotografia, direção de arte e direção geral).
Não vamos, aqui, tecer comentários sobre o filme brasileiro indicado ao Oscar (Prêmio de Mérito da Academia – Academy Awards) 2025. Recomendamos a quem (ainda) não assistiu, que o faça, para, além de “viver” o enredo e de se emocionar com a triste e valente história de Eunice Paiva, a protagonista (re-vivida por Fernanda Torres), ter a exata noção do que representaram os lamentáveis “anos de chumbo” (1964-1985), a ditadura militar brasileira.
A premiação ocorre num momento especial da nossa vida republicana (Brasil) e, também em relação ao cenário similar nos Estados Unidos da América (EUA). Tanto aqui quanto lá as ameaças REAIS ao Estado (Democrático) de Direito são frequentes e constantes. E merecem, de cidadãos e Espíritos livres, humanistas, cônscios de seus direitos e deveres, pluralistas, espiritualizados, combate e rechaço permanente!
Lá, o atual e recém-eleito presidente (pela segunda vez, embora não tenha sido reeleito quando assim tentou) representa o reacionarismo e o combate explícito às pluralidades humanas. São “alvos” do mandatário ianque os pobres, os estrangeiros, os LGBTQIA+’s, os negros e tantos mais que representem distanciamento do padrão branco e rico do “sucesso americano”.
Aqui, recentemente, mal tendo nos “livrado” da ameaça local reacionária, representada por um governo extremista de direita, vimo-nos apunhalados pela ameaça de um golpe de Estado, patrocinado, como indicam as investigações em andamento, considerando o parecer do Procurador-Geral da República encaminhado ao Supremo Tribunal Federal neste início de ano, por autoridades públicas, civis e militares, com envolvimento direto do gabinete de governo e dos ministérios do governo findo.
Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e de Rubens Paiva – engenheiro civil e deputado federal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), preso, torturado e executado, dado como desaparecido (1971), em função do Ato Institucional n. 1, prolatado pelo governo militar – foi agredido recentemente [1], demonstrando a nossa total incapacidade, enquanto sociedade civil, de lidarmos com o pensamento (político) diferente, e de não respeitarmos aqueles que têm opinião e atitudes distintas dos outros. Situação que se agrava cada vez mais em momentos de “embates pré e eleitorais). Paiva é o autor do livro que deu origem ao filme em comento.
Voltando ao cenário norte-americano e todas as “bravatas” e declarações, assim como as ações governamentais já editadas – e o discurso sobre outras, ainda não efetivadas, mas que podem representar ameaças à soberania de diversos países e o desequilíbrio econômico-financeiro e de relações internacionais entre os EUA e blocos regionais no planeta ou países específicos – a presença (com chances de êxito ou vitória!) de um filme latino-americano no maior evento mundial do gênero é icônica e parece estar mandando um claro recado àqueles que julgam ser (e continuar sendo) os “donos do mundo”.
E vem em ótimo momento, para representar a saída” do Brasil da semiperiferia para o “Sistema Mundo” (como dizem os especialistas em Teoria de Administração Econômica”), tanto em termos econômicos, quanto políticos e, também, sociais [2].
É por isso que, num “momento premonitório”, eu arrisco CRAVAR, na cerimônia deste dia 2 de março de 2025 [3], em dupla vitória: “Ainda Estou Aqui” para melhor filme e Fernanda Torres para melhor atriz. Oxalá! Assim torcemos e, espiritualmente, vibramos…
Recomendamos, por fim, aos nossos leitores, caso ainda não tenham lido, que acessem dois textos, um sobre o filme [4] e outro sobre a premiação de Fernanda como Melhor Atriz no “Globo de Ouro” [5], nos endereços (links) ao final deste ensaio.
Por fim, que este seja um momento ímpar e continue sendo um “virar de chaves” em relação à autoestima nacional. Espiritualmente, não há qualquer distinção entre nações e nacionalidades e todos os Espíritos recebem, no conjunto das encarnações, a igualdade de oportunidades, segundo as Leis Divinas. No processo de transformação individual, coletiva, social e planetária, é importante o “vencer a si mesmo”, isto é, aquilo que Kardec nos afiançou como característica essencial do ser “em busca”, que já percebe a necessidade de mudanças: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para DOMINAR SUAS MÁS INCLINAÇÕES” [6].
Que venha o Oscar!
Notas:
[1] Escritor Marcelo Rubens Paiva é agredido em desfile de bloco em SP. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2025-02/escritor-marcelo-rubens-paiva-e-agredido-em-desfile-de-bloco-em-sp>. Acesso em 27. fev. 2025.
[2] Os especialistas consideram que, até o presente, o Brasil tem operado como um país na semiperiferia, funcionando como uma espécie de amortecedor para que o núcleo orgânico permaneça no poder e os da periferia não subam.
[3] “Onde assistir ao Oscar 2025?”, reportagem de Redação G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2025/02/25/onde-assistir-ao-oscar-2025.ghtml>. Acesso em 27. fev. 2025.
[4] Editorial do ECK. “Ainda estamos TODOS aqui!”, disponível em: <https://www.comkardec.net.br/ainda-estamos-todos-aqui/>. Acesso em 27. fev. 2025.
[5] Artigo de Marcelo Henrique de Débora Nogueira, “Fernanda Torres e a arte que (ainda) (nos) emociona”, disponível em: <https://www.comkardec.net.br/fernanda-torres-e-a-arte-que-ainda-nos-emociona-por-debora-nogueira-e-marcelo-henrique/>. Acesso em 27. fev. 2025.
[6] Expressão contida em “O evangelho segundo o Espiritismo”, Cap. XVII, Item 4 (nossos os destaques).