Caboclos e Pretos Velhos em Centros Espíritas
Marcelo Henrique
Sim, eles por aí estão… Aparecem, aqui ou ali, trazendo suas mensagens por meio de médiuns (conhecidos ou anônimos) Brasil afora. E qual é o “mal” nisso? Nenhum…
Primeiramente, é necessário CONHECER o Espiritismo e a sua construção social e histórica, para perceber as nuances dessa questão. A mediunidade, meus amigos, não é (nem nunca foi ou será) PATRIMÔNIO dos Espíritas. Ela é como o vento, que sopra ONDE QUER.
Desde tempos imemoriais, as manifestações espirituais estão presentes no seio de todas as coletividades sociais do Planeta. Na Antiguidade, na forma dos pajés e líderes de tribos, os feiticeiros, os pítons (na Grécia Antiga), os sacerdotes de todos os cultos, as benzedeiras, os pais e mães de santo… Médiuns de todos os tempos e quadrantes. E como A VIDA CONTINUA, a mediunidade também prossegue, do “lado de lá” e estes retornam para nos transmitir suas experiências e lições, para que tiremos a MELHOR PARTE.
No Brasil, que recebeu, conforme poeticamente gostam de dizer alguns companheiros de lide espírita, a “árvore do Evangelho, transplantada da França para a Pátria do Cruzeiro”, o Espiritismo recebeu feições muito peculiares e interessantíssimas. Do caldo cultural e intelectual do centro do mundo, a Europa, no século XIX, foi trazido ao Brasil por jovens das classes abastadas que foram estudar no Velho Mundo e por imigrantes já “iniciados”. Aqui, as teorias espíritas encontraram um terreno “já arado”, formado pela diversidade cultural, étnica e religiosa, formada por três importantes contingentes: as crenças nativas dos ameríndios brasileiros e sua relação direta com as Forças da Natureza; a religião afro e suas peculiares e fortes manifestações de mediunidade de efeitos físicos; e a doutrina cristã do catolicismo colonizador e sua catequização. É este o multifacetado terreno onde as lições espíritas vão ser semeadas, calcadas tanto na fenomenologia medianímica, no trato das mediunidades recém-afloradas e causadoras de transtornos familiares ou sociais, quanto no atendimento às necessidades materiais (assistência social) e espirituais (atendimento fraterno) daqueles que começaram a chegar às instituições espíritas.
Desse espiritismo nascente, derivou a distinção entre “mesas” de distintas concepções e organizações, surgindo a Umbanda e o Espiritismo de “mesa branca”. Mas, como os Espíritos são “os mesmos” e que acompanham os viventes com base nas leis da afinidade vibratória e da proximidade afetiva, muitas instituições genuinamente espíritas tinham médiuns que “recebiam” (incorporados ou não) entidades identificadas como caboclos ou pretos velhos.
Após 1949, o ano em que as instituições federativas espíritas de todos os cantos de nosso país resolveram se unificar e seguir uma única diretriz, a partir da coordenação da Federação Espírita Brasileira, houve rupturas nestes modelos e a presença de tais entidades passou a ser repelida e desautorizada, assim como os médiuns que lhes recebiam eram “doutrinados” a não mais darem passagem a mensagens com estes “formatos” ou eram “convidados” a se retirar das instituições.
Assim seguiram-se décadas… A rigidez do sistema federativo provocou interessante cenário – vigente até hoje em nosso país – em que a quantidade de associações espíritas não vinculadas às federações é bem maior do que as efetivamente federadas. Tudo por causa do excesso de controle e censura, o estabelecimento de conceitos de “pureza doutrinária” e a imposição, em alguns Estados brasileiros mais do que em outros, de normas administrativas e de vigília e acompanhamento das atividades espiritistas.
Os tempos são outros… A diversidade e a pluralidade são, hoje, marcas do cenário planetário, sendo que os lugares de exceção e de centralismo vão sendo, pouco a pouco, substituídos por regimes democráticos e de livre organização social, com a atuação estatal supervisionadora à distância e de modo a dirimir eventuais conflitos e corrigir abusos. Esta diversidade e pluralidade vão, também, aos poucos, chegando às casas espíritas, que voltam a abrigar companheiros que, em suas incursões mediúnicas, dão azo às manifestações de entidades espiritualizadas, mas que mantém seus formatos conforme convém ao espirito.
Esta diversidade e pluralidade MEDIÚNICAS nas nossas instituições são fundamentais! Entendo que todos têm a somar na construção deste tecido social-espírita e é o tempo chegado para investirmos nas semelhanças e aceitarmos, respeitosa e alteritariamente, as mínimas diferenças que há entre os espíritas.
Se a justificativa “de sempre” para a exclusão de entidades comunicantes e médiuns era a utilização de elementos materiais, oferendas, batuques, artefatos, imagens e adereços, além de fumígenos, alucinógenos e alcoólicos, vale dizer que conforme tenho observado, referidas entidades têm se pronunciado em instituições tradicionais sem recorrer a tais elementos, aproveitando as oportunidades para a salutar discussão de questões da atualidade e de espiritualização dos homens e para a transmissão de mensagens.
Algumas delas, também, têm se associado a médiuns psicógrafos (desde João Nunes Maia, passando por muitos outros e chegando aos companheiros da atualidade) para a transmissão de obras de elevado conteúdo e oportuna utilidade, no descortinar de questões de interesse coletivo.
Como um dos objetivos da simbiose medianímica é o ESCLARECIMENTO, vale dizer que este processo de educação e reeducação ocorre tanto para os encarnados quanto para os desencarnados. A questão de fundo será, sempre, a meu ver, a de método. E Método Kardeciano por excelência!
Neste sentido, a literatura espírita em geral nos permite analisar, para além da mera forma, a essência, demonstrando a riqueza das experiências de cada Espírito, aproximando-se da nossa natureza humana, com benefícios recíprocos.
Vejo, assim, com bons olhos a presença de tais “caboclos” e “pretos velhos” em nossas instituições e eventos espíritas, porque em se investindo no esclarecimento espírita, ou seja, a difusão do que realmente é a prática espírita e no que ela diverge das demais atividades espiritualistas, é possível, livremente, ao espírito em questão, escolher qual caminho seguir.
Imagem de Tim por Pixabay
Nota do ECK
Na ilustração um baobá, considerado, por muitos, a árvore da vida e carrega muito significado. A identidade social africana de alguns povos é interpretada pela ideia de que as raízes do baobá representam os ancestrais e as memórias da comunidade, enquanto o tronco representa as crianças e os jovens em crescimento.
Portal PUC-Campinas » » PUC-Campinas e Movimento Negro realizam plantio de baobá, a árvore da vida
Muito bom o artigo! Simples, objetivo e esclarecedor! Não é admissível entre estudiosos sinceros das Obras de Kardec, qualquer resquício de preconceito, deste ou do outro lado da vida.
Interessante,…eu mesmo tenho um grande amigo do mundo espiritual que viveu em uma fazenda o século XVIII e não é preto velho ele é preto novo…
Ele contando sua história, disse que era jovem (um negão bem apanhado) e a filha do dono da fazenda se engraçou com ele…resumo da história, ela engravidou…o pai condenou a morte ele e o filho recém nascido…
Daria uma boa trama cinematográfica….
Quando dirigente de atividades mediúnicas na instituição a que frequentava, sempre abríamos pauta para conversarmos sobre o assunto. Me recordo que duas médiuns confessaram-me evitar dar comunicações de pretos velhos ou espíritos que frequentavam a umbanda. Alegavam que foram instruídas a não permitir tais comunicações, mas que tinham afinidade com as entidades, então disse: Então permitam, pois temos muito o que aprender juntos
Não sei quase nada sobre este assunto mas o que tenho a dizer sobre o texto, é de que do outro lado da vida ,como é costume dizer-se…fazem sentido as palavras de Jesus ..” o vento sopra onde quer..” e para o “vento” , não há cor de pele, nem idade, foram os homens que criaram a noção de Tempo, e de Raça…não o Criador.