De todos os Chicos, Buarque!, por Marcelo Henrique, Nelson Santos e Manoel Fernandes Neto

Tempo de leitura: 3 minutos

Marcelo Henrique, Nelson Santos e Manoel Fernandes Neto

Alcançar oitenta outonos, neste 19 de junho de 2024, é celebrar a maturidade de um dos maiores poetas-compositores e intérpretes da música brasileira. Francisco Buarque de Hollanda, depois de Antônio Brasileiro — como o cognominou em Paratodos, 1993, nosso maestro soberano Antônio Carlos Jobim, o Tom —  é o regente da vida democrática sob a aparência de poesia cantada.

Canção dos Olhos (1959) foi a primeira, aos 15, já revelando a precocidade de seu talento e sua bagagem que, certamente, remonta às outras andanças pretéritas, e Marcha do Sol (1964) a pioneira gravação. A mais recente, Tua Cantiga, em Caravanas (2017), diz: “E quando o nosso tempo passar / Quando eu não estiver mais aqui / Lembra-te, minha nega desta cantiga / Que fiz pra ti”. Sessenta anos de estrada, portanto, com 537 canções.

Entre uma canção e outra, Chico estava à toa na vida, quando seu amor o chamou para ver A banda (1966) passar cantando coisas de amor. Ah! Amor que não se via mais em exuberância e plenitude naquelas ruas, desde o primeiro de abril de 1964, com liberdades tolhidas, cassações, prisões, torturas, exílios… Até atentado à bomba tivemos, naquele ano não estava fácil para amar (nem viver!). Era tanta a dor vista da bucólica e inocente janela… Mas o mundo estava girando, o povo esmaecia, a vontade estava a perder-se em sonhos de liberdade, a roda girando, como uma Roda Viva (1968), voava correndo, com a esperança que talvez permanecesse, ao menos, a sensação de ilusão. 

Na falta de liberdade, Chico nos encantou com versos que entoavam a alegria e a esperança, elegendo amanhã como um novo dia (Apesar de Você, 1978), ojerizando um sufocante cale-se (Cálice, 1978) embebido no sangue rubro que corria a cântaros. Antes, Buarque já vinha rogando aos brasileiros para que um ímpeto de Construção (1971) despontasse na sociedade, marcando uma geração, e escrito uma carta a um grande amigo (Meu caro amigo, 1976), mas que era para todos nós, pedindo perdão por não nos trazer notícias positivas e, ainda, com o correio bem arisco.

Nessa utopia distópica, sempre permeada pelo amor, despontava no poeta um eu lírico feminino forte, dominante, destacado em prosa e verso, numa visão pontual do amor feminino — tradicionalmente relegado aos últimos planos da consideração, como um ser sub humano e genuflexo ante a misoginia tradicional e colonialista: Tereza Tristeza (1965), A Rita (1966), Carolina (1967), Tango de Nancy (1967), Ana de Amsterdã (1972), Bárbara (1972), Ligia (1974), Teresinha (1978), Angélica (1979), Geni e o Zepelim (1979), Morena de Angola (1980), Beatriz (1983), Ciranda da Bailarina (1983), Sinhazinha (1983), Luísa (1986), Silvia (1987), Cecília (1998), Resposta da Rita (2013) e Renata Maria (2007)

Concomitante com as (nem sempre) cifradas críticas o brado por liberdade transparecia, em pequenas ou grandes rebeldias. Mas sempre houve e há, em seu coração imenso um enorme espaço para entoar a figura feminina, menina, mulher, forte, empoderada, odes marcantes, cantadas, maravilhosamente, por ele e por suas mulheres, sejam de beleza e da força ateniense (Mulheres de Atenas, 1976), sejam fortes e fraternas como a malandra ópera carioca (A volta do malandro, 1985), e assim, de músicas, poesias e crônicas, assim como pela afirmação político-social crítica, se fez ímpar na história brasileira contemporânea.

Os Anos Dourados (1986), que ficaram na memória do tempo, pela ingenuidade e pelo lirismo exuberante dos 50s e 60s, antes do golpe, voltam a ser revisitados na projeção mental e psíquica de melhores dias, nos sonhos de Acalanto (1971) que alimentam nossos Espíritos, para além de As Vitrines (1981), porque se constroem a cada luta, a cada percurso e à negação de novos golpes, do fascismo e de todos os preconceitos.

Que sigas vívido, lúcido e produtivo, nosso cancioneiro, nosso menestrel, nosso crítico-mor, para que degustemos no cantarolar e no pensar nossas mutações e o alcance de progressos possíveis, a partir de cada nov(O) cio da terra (1977). Mesmo que, volta e meia, os solavancos da democracia testem nossa tenacidade e serenidade, mas Com acúcar e com afeto (1967). Porque tudo isso Vai Passar (1984).

Olê, Olá (1966), Ave, Chico!

Foto: Ricardo Stuckert/PR Local: Lisboa

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

3 thoughts on “De todos os Chicos, Buarque!, por Marcelo Henrique, Nelson Santos e Manoel Fernandes Neto

  1. Que maravilha de texto , Marcelo! Justa homenagem ao Chico, que nos brindou com inúmeras canções, alegrando os nossos dias e ao mesmo tempo nos fazendo pensar sobre questões politica/ social do país!

  2. Bela homenagem a um homem para além de culto amante da liberdade. Votos de que continue a iluminar-nos com a sua música e belas palavras .

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