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No dia 27 de janeiro se completam 8 anos da maior tragédia do gênero em território brasileiro, o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS).
Mesmo que o Superior Tribunal de Justiça já tenha determinado que os réus irão a júri popular – crime doloso contra a vida – até agora ninguém foi julgado e sentenciado, permanecendo sem o alcance da Justiça dos Homens (ainda que, perante a Justiça Divina, “a cada um será dado segundo suas obras”).
Foram 242 mortos e 636 feridos, segundo os órgãos de divulgação à época.
Republicamos, aqui, o artigo que escrevemos, ainda sob os efeitos psicológicos do acontecimento em solo gaúcho, publicado no jornal “ComunicAção” e no site da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Paraná, e repercutido em diversas mídias espíritas. Apenas alteramos o último parágrafo, para torná-lo atual.
Nossa solidariedade às famílias e aos amigos dos desencarnados na tragédia.
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Desencarne em massa em Santa Maria: o esclarecimento espírita
Marcelo Henrique
Refletir sobre catástrofes, tsunamis, guerras, acidentes aéreos e outros eventos comuns à vida na Terra é oportunidade para explicá-los à luz do Espiritismo e trazer alento tanto para os familiares das vítimas como para a Humanidade que, atônita, contempla a dor de centenas ou milhares de pessoas, caso a caso. Afinal, as imagens divulgadas nos meios midiáticos são retratos em cores fortes da dor que visita inúmeras criaturas, abaladas com o ocorrido e que, não raro, se perguntam:
A filosofia espírita, debruçando-se sobre o tema que envolve os chamados desencarnes em massa, nos remete ao núcleo central do evento dos desencarnes decorrentes da tragédia:
“[…] a destruição é uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos”, conforme o quesito 737 de “O livro dos Espíritos”, de Allan Kardec.
Há, assim, três núcleos semânticos no trecho destacado: destruição, necessidade e regeneração moral. Analisemos.
Destruição importa necessariamente o aniquilamento da vida material, a interrupção da atual experiência reencarnatória. Há, segundo a cátedra espírita, os desencarnes naturais, os provocados e os violentos, em um dos vértices de análise conhecidos. Os naturais decorrem do esgotamento dos órgãos (questões 68 e 154, do livro citado) e representam o encerramento “programado” das existências corporais, segundo a Lei de Causa e Efeito e o planejamento encarnatório do ser. Os provocados resultam da ação humana no espectro da criminalidade e da agressividade (assassínio, atentados, guerras), como decorrem de ações negligentes, imprudentes ou imperitas como parece ser a situação verificada na tragédia de Santa Maria. Os violentos encampam a ocorrência em geral de catástrofes naturais (enchentes, terremotos, maremotos entre outros).
Em muitas das situações existe nexo causal entre a catástrofe e a ação humana e, no caso em tela, a ganância desenfreada, a busca do “lucro pelo lucro” e a conivência de autoridades e fiscais que deixam de exigir os padrões mínimos de segurança e o acendimento de um sinalizador dentro da boate são apenas a ponta do iceberg em relação à sucessão de fatos que desencadearam este imenso drama.
Já as vítimas fatais e os sobreviventes assim como os familiares e amigos dos que faleceram, estão situados no quadrante dos que podem ter vínculos entre si, muitas vezes datados de épocas anteriores (vidas pregressas), e a circunstância de seu retorno à vida espiritual estava prevista pelo Ministério Divino, em nível de resgate (veja-se, a propósito, a questão 258, novamente de “O Livro dos Espíritos”). Muitos deles são Espíritos com laços de reciprocidade e relação direta, já que
“[…] as faltas coletivamente cometidas são expiadas solidariamente” (conforme outro livro de Kardec, “Obras Póstumas”, no item “Questões e Problemas”),
não se afastando os que, ainda que não tivessem questões a expiar, ali estavam por decisão de seu livre-arbítrio e assumindo o risco da permanência naquele ambiente têm o evento “aproveitado” como provação na atual existência.
A compreensão espírita permite, assim, a desconsideração do termo “fatalidade” como sendo algo relativo à desgraça, ao destino imutável dos seres. O quesito 851 da obra primeira diz que tal fatalidade
“[…] existe unicamente pela escolha que o Espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer”. Para o Espiritismo, situações como essa não são “acidentais”, tampouco “obras do acaso”.
Não há, na filosofia espírita, espaço para “sorte” ou “azar”, “ventura” ou “maldição”, e cada ser vive o que está contido na Lei de Causa e Efeito, uma diretriz inteligente que, longe de ser absoluta e pré-determinada (inafastável) para todas as circunstâncias, nos coloca no ponto de partida e de chegada de todas as situações que conosco ocorrem, nesta e em outras encarnações.
Neste sentido, a palavra “destino” também ganha um redesenho, para representar, tão-somente, o mapa de probabilidades e ocorrências da existência corporal, resultantes, em regra, das escolhas e adequações realizadas no pré-reencarne, somadas às atitudes e aos condicionantes do contexto encarnatório, onde, com base no seu discernimento e no livre-arbítrio, continuará o rol de decisões que levarão o ser aos caminhos diretamente proporcionais àquelas, colocando-o, sempre, na condição de primeiro e principal responsável por tudo o que lhe ocorra.
Como o Espiritismo não “fecha questão” nem destaca “única hipótese”, há que se avaliar a circunstância daqueles que deixaram de comparecer ao evento festivo, por motivos vários, desistindo no último momento ou aqueles que, em lá estando, não sucumbiram, mesmo apresentando ferimentos. Como não há, para a Doutrina Espírita, um “determinismo estrito”, muitas pessoas podem ter sido “avisadas” por vozes invisíveis ou conselhos mentais e escaparam de estar naquele fatídico evento, como que “por milagre”, diria o adágio popular.
É verdadeiramente por isto que cognominamos o Espiritismo como a “Doutrina da Responsabilidade”, porque se nos permite a análise criteriosa de nossa relação direta com fatos e acontecimentos da vida (material e espiritual).
Com a ocorrência deste trágico evento, devemos voltar nossos olhos para a legislação e a prática da fiscalização de locais públicos, sobretudo os que permitem aglomerações de inúmeras pessoas que só desejavam se divertir. Não podemos nos “acostumar” nem esquecer as tragédias, tratando-as com “naturalidade”. Do contrário, esperamos que os cidadãos conscientes saibam protestar, bem como as autoridades competentes mesmo provocadas passem a atuar de modo preventivo e necessário, diminuindo ao patamar mínimo o risco de novas ocorrências, erradicando, se possível, as causas que possam levar a tais eventos infelizes.
Esperamos, por fim, que as vítimas do desencarne em massa já tenham alcançado a necessária serenidade, no despertar do Novo Mundo (Espiritual), para que estes compreendam que o curso da evolução espiritual continua, podendo seguir suas próprias trajetórias. E que seus familiares e amigos, se alcançados pelas “luzes” espirituais-espíritas, possam compreender a natureza espiritual, a continuidade da vida e a perspectiva de um breve reencontro…