Editorial ECK
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“Na ausência dos fatos, a dúvida é a opinião do homem sensato”, Allan Kardec [1].
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O Espiritismo é uma Filosofia que surgiu em 1857, materializando-se como uma criação do Professor francês Denisard Hypollite Leon Rivail [2], que adotou o pseudônimo de Allan Kardec. Suas trinta e duas obras autorais, portanto, estão circunscritas ao período compreendido entre 18 de abril de 1857 e 31 de março de 1869. Nem um segundo além disso!
Após esta data – à exceção do fascículo de abril de 1869, que estava na gráfica, já impresso e seria disponibilizado ao público justamente nos primeiros dias deste mês (abril) –, qualquer outra obra editada (impressa) deve merecer dos espíritas sensatos, acuidade e lógica racional no exame de seus conteúdos.
Com a morte de Kardec, sabidamente, pessoas que eram do seu convívio mas que desejavam a interpolação de ideias alienígenas e totalmente desconformes à estrutura filosófica do Espiritismo – a exemplo da teoria docetista contida na obra do advogado francês J.-B. Roustaing – passaram a controlar as atividades do espólio de Kardec, da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE) e de sua editora à época.
Muitos dos que se debruçam sobre fatos históricos e documentos daquela época, em especial sobre correspondências de Kardec, acabam se prendendo, restritivamente, a uma carta em que ele informava estar revisando a última de suas obras, “A Gênese”, para uma edição futura. Todavia, alguns meses depois, o próprio Kardec declarou, em outra correspondência, que, em virtude de seu delicado estado de saúde, estaria suspendendo este trabalho – deixando-o, pois, inacabado e sem uma versão final, para se concentrar nas atividades derradeiras de sua trajetória espírita. Ambas as correspondências são de conhecimento do meio espírita, razão pela qual é impossível desconsiderar a segunda, definitiva e cabal, para tentar justificar as adulterações a partir da primeira [3].
Ainda no século XIX, algumas pessoas próximas a Kardec, incluindo Henri Sausse (seu principal biógrafo) denunciaram as edições alienígenas, póstumas, as quais maculavam o conteúdo das obras kardecianas [4]. Tanto na França quanto, depois, no Brasil, quando se teve conhecimento, já no século XX, destes infelizes episódios da história, o “poder” institucional tratou de minimizar os feitos e de atestar – como se tivesse qualquer autoridade para tal – a “lisura” ou “autenticidade de autoria” das obras em edições póstumas.
Por volta de 2015, um grupo de estudiosos brasileiros passaram a retomar o estudo aprofundado da questão, cabendo a Simoni Privato Goidanich [5] o hercúleo e (praticamente) solitário trabalho de destacar, sob os aspectos jurídico, histórico e registral, a impropriedade de livros lançados após 31 de março de 1869 (desencarnação de Rivail-Kardec).
Inobstante isso, na sequência, um grupo de estudiosos e pesquisadores realizou extenso trabalho de estudo comparativo [6] entre as edições EM FRANCÊS, publicadas antes e após a partida de Kardec. E se debruçaram sobre duas obras em especial, “O Céu e o Inferno” e “A Gênese”. Destacam-se entre os pesquisadores que trabalharam neste intento, Marco Milani, Marcelo Henrique, Nelson Santos, Alexandre Ferreira e Henri Netto.
O resultado desta atividade de profundo labor comparativo foi publicado, com a devida apresentação da manifestação predominante. Na maioria dos casos, subsistiu a ambiguidade, de duas posições, respeitando-se o contraditório e a dialética: uma favorável à redação original, entendendo haver perda de conteúdo ou alteração de sentido em passagens específicas, e outra que negava tal circunstância.
Neste sentido, a posição majoritária dos grupos, que se posicionou, como dito acima, pela perda de conteúdo ou alteração de sentido em passagens específicas, simboliza a confirmação da adulteração em ambas as obras.
Conclusivamente, o ECK apresenta em quatro linhas mestras a motivação para a existência desse “Dossiê Adulteração”, nos seguintes aspectos:
1) Jurídico – impossibilidade jurídica, tanto na época de Kardec quanto presentemente, reconhecida pelo coletivo das nações deste planeta, no sentido da total vedação de publicação, por qualquer motivo, após a morte de um indivíduo, de livros assinados por ele, quando contiverem qualquer alteração de conteúdo;
2) Registral – ausência dos documentos autorizativos, pela instituição francesa responsável pela validação da edição de obras literárias, quais sejam a Declaração de Impressão (DI) e o Depósito Legal (DL), específicas para edições das duas mencionadas obras, após 31 de março de 1869;
3) Histórico – a existência de cismas [7], isto é, contendas e disputas entre dois grupos que participavam do “núcleo central do Espiritismo”, na França, em Paris, qual seja a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, situação que, após a morte de Kardec, levou à separação entre ambos, gerando pessoas jurídicas de direito privado (instituições associativas), uma para as atividades em geral, doutrinárias e filosóficas, e outra para a edição dos livros de Kardec, da “Revue Spirite” e de outras obras de autores distintos, relacionadas ao Espiritismo; e,
4) Doutrinário – calcado na inserção de textos contrários ao “edifício filosófico” do Espiritismo, retirada de partes de textos de itens e capítulos, empobrecendo sobremaneira as edições das duas citadas obras, simbolizada, exemplificativamente, na retirada esdrúxula do “Prefácio” de “O Céu e o Inferno”, escrito por Kardec, prática que ele repetiu em todas as suas obras – a apresentação de um texto introdutório para o leitor, acerca do conteúdo da obra.
Assim sendo, o Coletivo “Espiritismo COM Kardec”, com este Dossiê, reúne todas as informações necessárias para que os espíritas estudiosos, sensatos e de boa fé, analisem informações, documentos e teses, tomando a posição que lhes cabe, diante da responsabilidade individual, perante si mesmo, e em relação ao meio espírita e à sociedade planetária, no compromisso de contribuir para a melhora de indivíduos e de sociedades.
Na ausência de qualquer documento inconteste, lavrado de próprio punho por Kardec, RESPONSABILIZANDO-SE pessoalmente pelas edições (que foram durante muitas décadas consideradas legais, legítimas e fidedignas, mas que as pesquisas demonstraram o contrário), seguimos com a orientação de Erasto: “é preferível rejeitar dez verdades do que aceitar uma só mentira” [8].
Permanecemos, enquanto ECK, no entanto e outrossim, abertos a analisar eventuais documentos que surjam e que possam ser habilitados a desmentir A VERDADE que temos até o presente: a de que ALLAN KARDEC publicou todas as suas obras até a data de 31 de março de 1869 (sua desencarnação) e nenhuma obra editada após este marco temporal possui autoria, autenticidade, pertinência e credibilidade.
Notas:
[1] Afirmação de Kardec contida na “Introdução ao estudo da Doutrina Espírita”, item VII, de “O livro dos Espíritos”.
[2] Assim é a grafia correta do Professor Rivail, em sua certidão de nascimento.
[3] Tratamos especificamente desta correspondência em alguns artigos. Em especial naquele intitulado “Como os adulteradores aproveitaram a revisão inacabada de “A Gênese” e “O Céu e o Inferno””, por Marcelo Henrique”, no qual se encontra a imagem da referida carta, conforme consta de <https://www.comkardec.net.br/como-os-adulteradores-aproveitaram-a-revisao-inacabada-de-a-genese-e-o-ceu-e-o-inferno-por-marcelo-henrique/>.
[4] Sausse assim pontua no texto em que denuncia o crime contra a obra de Kardec: “As modificações nele [no livro “A Gênese”] feitas, o tornam quase irreconhecível.”, conforme o artigo “Uma infâmia”. A referência completa da tradução deste artigo de 1884, traduzida para o português, consta das referências, abaixo.
[5] Simoni consolida em sua obra “O legado de Allan Kardec” o robusto conteúdo de suas pesquisas, conforme citado, abaixo, nas referências.
[6] Referidos estudos comparativos podem ser acessados no Portal ECK, nos seguintes endereços: 1) “A Gênese”, disponível em: <https://www.comkardec.net.br/analise-doutrinaria-comparativa-entre-as-edicoes-de-a-genese/>. Acesso em 18. mar. 2025.; 2) “O Céu e o Inferno”, disponível em: <https://www.comkardec.net.br/analise-doutrinaria-comparativa-entre-as-edicoes-de-o-ceu-e-o-inferno/>. Acesso em 18. mar. 2025.
[7] Kardec tratou desta temática, em “Dos Cismas”, na edição de dezembro de 1968, da “Revue Spirite”, em “Constituição Transitória do Espiritismo”.
[8] “Na dúvida, abstém-te, diz um dos vossos velhos provérbios. […] Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única mentira, uma única teoria falsa” (Erasto, em “O livro dos Médiuns”, de Allan Kardec, Parte Segunda, Capítulo XX, Item 230, “in fine”).
Referências:
GOIDANICH, S. P. O legado de Allan Kardec. São Paulo: USE, 2018.
HENRIQUE, M. Como os adulteradores aproveitaram a revisão inacabada de “A Gênese” e “O Céu e o Inferno”. Espiritismo COM Kardec. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/como-os-adulteradores-aproveitaram-a-revisao-inacabada-de-a-genese-e-o-ceu-e-o-inferno-por-marcelo-henrique/>. Acesso em 18. mar. 2025.
KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.
KARDEC, A. O livro dos Médiuns: guia dos médiuns e dos evocadores. Trad. J. Herculano Pires. 20. Ed. São Paulo: LAKE, 1998.
KARDEC, A. Revue Spirite. Trad. Julio Abreu Filho. Supervisão de J. Herculano Pires. São Paulo: Edicel, 1964.
SAUSSE, H. Uma infâmia. Espiritismo COM Kardec. Disponível em: <https://www.comkardec.net.br/uma-infamia-por-henri-sausse-in-memoriam/>. Acesso em 18. mar. 2025.
A maçã íntegra representa o trabalho de recuperação e defesa da obra e da memória de Allan Kardec. Imagem de NoName_13 por Pixabay
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Dossiê Adulteração – Portal Espiritismo com Kardec – ECK