Duas ou mais verdades, por Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 3 minutos

Marcelo Henrique

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“Conhecereis a verdade e ela, a verdade, vos fará libertos”, Yeshua.

“Chamar-me-eis Verdade”, Espírito Verdade a Kardec.

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Desde que se reconheceu como Espírito, a individualidade, consciente, persegue a verdade e afina seu entendimento à medida em que caminha no curso do progresso espiritual. Busca, assim, a(s) verdade(s), ainda que tais não sejam, jamais, definitivas.

Ao relacionar-se com o(s) semelhante(s), então, descobre ele que há outra(s) verdade(s). Isto é, há sempre a possibilidade da existência de, pelo menos, mais duas (ou mais) verdades: a que enxergamos, a que o(s) outro(s) visualiza(m) e a própria realidade, isto é, a própria concretude dos fatos, sem interpretações contextuais ou subjetivas (se é que isto seja, em realidade, possível, porquanto mesmo eles, os fatos, carecem de observação interpretativa, caso haja, em relação a eles, qualquer interesse). 

As circunstâncias de contraposição entre distintos pontos de vista podem se repetir à exaustão no cotidiano da vida. Elas refletem a individualidade e a liberdade de opinião e de crença (que, neste caso, não tem necessariamente a ver com fé ou religiosidade, mas reflete aquilo em que acreditamos). 

Quanto mais, então, nos dispusermos ao diálogo, mais enfrentaremos a dualidade de posicionamentos e, neste sentido, muito mais perto estaremos de possíveis conflitos. Quando os conflitos são administráveis e permanecem no campo das ideias, está-se diante de excelentes oportunidades para a revisão de conceitos, a comparação entre nossos mitos de verdade (e os dos outros) e, neste sentido, o progresso no entendimento de fatos e acontecimentos da vida é a decorrência natural e possível. 

Do contrário, quando enveredamos pelo simples desejo de convencer e subjugar os outros, pela pressão no sentido de que os outros aceitem (piamente) nossas ideias, podemos estar diante de situações mais graves, onde os riscos (à própria continuidade da convivência ou à segurança, à integridade física e, até, à vida) podem tornar-se relevantes.

Assim como nas relações presenciais, o ambiente da virtualidade tem sido palco de muitos conflitos, decorrentes da impossibilidade de conciliação entre pessoas, instituições ou entre umas e outras. O culto exacerbado à individualidade e a ausência do efetivo respeito ao contexto do outro, suas ideologias e posicionamentos podem ser apontados, nestes contextos, como causas do aumento das incompreensões e das dissensões. Algumas definitivas.

O olhar espírita sobre a história da Humanidade nos permite observar a presença de inúmeros pensadores, em diversificadas áreas, que, não obstante possuírem um conhecimento diferenciado e ocuparem um degrau acima em termos de sabedoria, acenavam com a humildade na postura e com a lição da tolerância para com os outros, exortando à conciliação baseada no diálogo e na cessão de pontos de vista. A diretriz, útil e necessária para muitas situações, seria, na cátedra destas luminares consciências, ceder naquele instante para quem sabe, ganhar mais à frente.

Lendo sobre seus feitos, estudando as obras que produziram ou consultando biografias sérias, encontramos referenciais para tornarmo-nos pessoas melhores, seja para nos posicionarmos em diálogos, debates e embates da vida cotidiana, seja para buscar uma condição melhor de comportamento diante dos outros, sobretudo em relação aos “desafetos”.

Mais especificamente tomando por referência Allan Kardec, vamos observar que ele mesmo quando em situações de defesa da “verdade espírita” e nos contextos, por exemplo, contidos na sua obra “O que é o Espiritismo”, demonstrou uma postura de escuta da verdade alheia, de apresentação de argumentos lógico-racionais e de compreensão em relação a terceiros, no que tange à condição espiritual-evolutiva de cada um, sem impor suas convicções a quem quer que seja. Do contrário, sempre enalteceu o caráter de amadurecimento pessoal, na busca do conhecimento, sem prosélitos e sem violências.

Como disse o poeta, é “na rua, na chuva, na fazenda”, isto é, no cotidiano das relações interpessoais, que precisamos investir da coragem e da iniciativa para resolver as divergências naturais, presentes no bojo da vida. E que o conteúdo espírita-espiritual, derivado da Doutrina dos Espíritos possa ser um referencial importante neste processo de espiritualização.

Mesmo que existam duas ou mais verdades…

Imagem Vilius Kukanauskas por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

2 thoughts on “Duas ou mais verdades, por Marcelo Henrique

  1. Nada a acrescentar, escreve quem sabe. Texto muito acertivo e que para mim só pode ser objecto de aprendizagem e cultura. É uma honra poder ter acesso a estas palavras escritas. Obrigada por partilhar connosco estes conhecimentos.

  2. A verdade perante a verdade: diferentes pontos de vista, quando debatidos com respeito mútuo, tendem a convergir naturalmente para um ponto comum — a sabedoria. Nada mais reflexivo, nada mais belo que a liberdade de pensamentos.

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