E D I T O R I A L: O Espiritismo é Político? Os espíritas podem ter posicionamentos políticos?

Tempo de leitura: 6 minutos

Marcelo Henrique e Beto Souza

A função política do Espiritismo existe, mas noutro sentido. Não lhe cabe nenhum lugar nas disputas de cargos políticos, mas lhe cabe a formação espiritual dos homens para que exerçam, como cidadãos, influência benéfica na solução dos problemas políticos, através do bom-senso e da retidão da consciência, quando levado pelas circunstâncias, chamado ou convocado para funções administrativas em áreas do Estado. O seu esforço para o aperfeiçoamento das estruturas políticas, o seu exemplo de respeito a todos que agem nessa área, o desinteresse puro que demonstrar no exercício de suas funções, sacrificando-se pelo bem público não constituem, nesses casos mistura de interesses materiais com objetivos espirituais.
José Herculano Pires.

Diz-se, em sociologia política, que política é a “arte de (bem) governar”. Idealmente, claro. E, não são poucas as vezes que, em conversas, reportagens ou palestras, nos deparamos com o bordão “cada povo tem o governo que merece”. Será mesmo? Vamos ver…

Recentemente, pudemos ler uma entrevista com uma parlamentar brasileira, umbilicalmente vinculada à religião evangélica, pastora e deputada. Mas como? Pastora e Deputada? Sim! Mas, isto não é novidade, não é mesmo? A nossa estupefação – e, talvez, também sua – deve ser a mesma que me invade: Jesus não disse que não se poderia servir a dois Senhores? Pois é… O ofício religioso deveria ser, legalmente, incompatível com o exercício da atividade política, parlamentar ou governamental, assim como das funções judiciárias.

O ofício religioso institucionalizado, em si, é uma expressão de poder, que atuou de forma praticamente absoluta em épocas anteriores à separação laica do Estado e ainda hoje se faz presente como uma das estruturas que sustenta o sistema social em vigor, através de seus dogmas fideístas, organizados em normas de “dominação carismática”, nas palavras do sociólogo alemão Max Webber (1864-1920). A união entre a política e a religião, como observamos nos estados teocráticos, representa uma distorção da democracia a ser evitada, pois torna a sociedade passível de ser dominada por uma maioria formada a partir dos interesses imediatos de grupos específicos, com o apoio irrestrito da fé.

Lato sensu, as instituições, as organizações, as funções, cargos e, também, os mandatos políticos são necessários para a vida social e alguém tem que representar o povo, mormente no poder legislativo. E são, todas elas, idealmente neutras em sua origem, mas suscetíveis à aquilatação (valores) do uso que lhes for dado.

Não havendo proibições, os evangélicos (e os católicos, igualmente) usam da sua força associativa (ou corporativa), indicando e apoiando candidato(s) para defender(em) seus interesses nos diversos planos da ação política, para, mais à frente, obterem vantagens, na defesa de questões materiais ou ideológicas de conformidade com os preceitos e argumentos de crença que professam.

E o que fazem os espíritas? Via de regra, vivem no romantismo de que “religião é coisa do plano espiritual e, portanto, não se coaduna com as manifestações materiais”, como já ouvimos aqui e alhures. Muito nobre! Realmente, não se misturam: vivem em planos paralelos, mas se acham interligadas na vida humano-espiritual.

A presente edição de nossa revista eletrônica reúne alguns artigos que entrelaçam Política e Espiritismo (ou Espiritismo e Política), de modo abrangente e plural, suscitando digressões e debates.

Célia Aldegalega supera a esquerdofobia, resgatando a importante contribuição de pensadores identificados com o debate sobre a desigualdade social, nos levando a compreensão de que as mãos, direita e esquerda, pertencem a um mesmo corpo humano, ser social que avança em coletividade, consolidando o progresso moral. A autora realiza uma análise sociológico-histórica da proposta espírita, considerando os contextos culturais da Europa do século XIX e seus antecedentes, assim como da conjuntura atual, para propor o envolvimento dos espíritas na ação transformadora dos meios coletivos, em seu texto “Faz política quem vai, e quem fica”.

Com “O Espiritismo e a legítima luta por um mundo melhor”, Manoel Fernandes Neto frisa a imperiosa e inafastável necessidade de libertar o Espiritismo de quaisquer amarras religiosas, para poder, de fato, abraçar a autonomia de pensamento e ação. Com olhar atento, o autor levanta importantes questionamentos sobre a dificuldade de debate entre os defensores de bandeiras opostas, num patrulhamento mútuo que impede a livre manifestação do pensamento, que, numa forma de censura, abafa a voz daqueles que pensam de forma diferente e ao mesmo tempo pergunta: Será que toda opinião merece lugar ou devemos tomar uma atitude ativa e combativa frente as que afrontam os direitos básicos e universais da humanidade? Neste sentido, é crucial que se produzam conteúdos e material para reflexão, colocando temas como este em pauta, negando com veemência adotar o silêncio em relação ao que ameaça o humanismo, considerado este, vera essência do Espiritismo.

Em sintonia com a proposição acima, Nícia Cunha nos brinda com o seu “Por que o espírita deveria ser apolítico?”, diferenciando a verdadeira ação política das lutas da politicagem partidária, demonstrando a necessária participação ativa dos espíritas em questões políticas, pautadas na defesa de seus fundamentos humanistas, combatendo as injustiças sociais. Concita, ela, os adeptos espíritas a mostrarem, em sociedade, a excelência dos conceitos espíritas, para o embasamento das leis e políticas públicas, abandonando a falsa premissa de que “Espiritismo e Política não se misturam”, demonstrando que o progresso moral se realiza não pela espera passiva de uma intervenção “milagrosa” dos bons espíritos, mas pelo papel ativo dos espíritas, abandonado a neutralidade omissa e entendendo a impossibilidade em falar de (e ter-se) cidadania sem incluir ação política, assim como não se pode tratar de ação política sem comunicação.

Geylson Kaio reforça o tema da adesão espírita no seu “Devemos participar das políticas públicas?”, propondo que, individual e coletivamente, a comunidade espírita desenvolva a consciência da participação e contribuição social consciente dos espíritas no âmbito das políticas públicas do Brasil. O autor nos faz refletir sobre a inclusão social através de números, que apontam quantos na sociedade brasileira ainda não possuem o mínimo capaz de impulsionar suas caminhadas na direção de uma autonomia efetiva, o quanto nossos programas sociais precisam avançar para realmente promover o desenvolvimento humano. O esforço continuado de cada um dos atores sociais levará, segundo Geylson, à mudança nos quadros flagrantes de injustiça social. Uma atitude, portanto, propositiva de cidadania, onde os valores éticos, morais e espirituais estarão presentes e atuantes nas relações sociais.

Tratando de “A Política em moldes espíritas”, Raimundo de Moura Rêgo Filho disserta sobre a missão do Espiritismo em, a partir da intermediação entre os dois mundos, material e espiritual, contribuir efetivamente para a proposição de uma vida (social) regenerada, a partir da intermediação entre os dois mundos, material e espiritual. Trabalhando as origens do termo na pólis (cidade estado) grega, o autor identifica a modificação progressiva das leis humanas na direção das leis divinas, inscritas na consciência e compreendidas gradualmente a medida que o espírito progride moralmente, superando a politicagem em favor de uma política de valorização do bem comum, melhorada em moldes morais e intelectuais, o indispensável alimento para o sadio crescimento da recém-nascida sociedade justa.

Depois, numa abordagem intitulada “A imersão política na essência ética”, Nelson Santos desconstrói a falácia da neutralidade espírita, pontuando respostas claras em seus fundamentos, delimitando um norte moral a ser seguido, ao mesmo tempo em que defende uma ativa postura política de caridade e fraternidade, para combater o orgulho e o egoísmo em todas suas manifestações sociais. Objetivo, o autor resgata a essência da própria “pedra fundamental” espírita – “O livro dos Espíritos” – que elenca várias questões versando sobre a ação social e uma indiscutível contribuição política, sob o aspecto filosófico que o Espiritismo oferece à sociedade humana, a fim de que esta se estruture, organize e funcione em termos de verdade, justiça e amor traduzindo-se, por fim, em justiça social.

Por fim, Leopoldina Xavier, com o seu “Participar para evoluir!”, discorre sobre a aplicação da educação política para a lei do progresso coletivo, oposta ao conceito (limitante) da educação pelo progresso individual, haja vista que um depende do outro. O grau de conscientização moral individual deve estar conectado diretamente com a forma de organização das estruturas sociais coletivas, com um grau crescente de solidariedade orgânica em diálogo com o pensamento do cientista político Émile Durkheim (1858-1917) sobre a organização das sociedades modernas. Para Leopoldina, a sociedade, quanto mais desenvolvida, mais contribui para elevar o homem em sua jornada espiritual, quer no campo social, quer no campo humano, não sendo possível separar a evolução do homem, enquanto ser social, da política.

O Espiritismo, destarte, compreende os ideais de renovação da humanidade, através da transmissão de corretas informações àqueles que tiverem “ouvidos para ouvir e olhos para ver”. Só que não se faz Espiritismo apenas e tão-somente no interior das Casas Espíritas. Para tornar-se crença comum, como afiançado pela Falange da Verdade a Kardec, a Doutrina precisa ganhar as ruas, não pela pregação e doutrinação, mas pela presença (ativa) de seus adeptos e divulgadores nos diversos cenários da vida humana. Participando, e não se esquivando, com a desculpa de que tudo evoluirá, um dia…

As perguntas iniciais deste Editorial, assim, ecoam em cada espírito encarnado neste quadrante da vida individual-espiritual e social dos que se encontram na Terra. Como você as responderia?

Boa Leitura!

Acesse os textos da edição em cada link:

Faz Política quem vai, e quem fica, por Célia Aldegalega

O Espiritismo e a legítima luta por um mundo melhor, por Manoel Fernandes Neto

Por que o espírita deveria ser apolítico? por Nícia Cunha

Devemos participar das políticas públicas?, por Geylson Kaio

A Política em moldes espíritas, por Raimundo de Moura Rêgo Filho

A imersão política na essência ética, por Nelson Santos

Participar para evoluir!, por Leopoldina Xavier

 

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

4 thoughts on “E D I T O R I A L: O Espiritismo é Político? Os espíritas podem ter posicionamentos políticos?

  1. Muito interessante. “Faz política quem sai e quem fica” frase impactante.
    Creio também que fazemos política desde que começamos escolher.
    Então não há como não se posicionar.
    Escolher faz parte da nossa evolução.

  2. Pois está tudo dito no seu texto. Se o Espiritismo veio para ajudar os homens, que esta ajuda seja também para melhorar quem se dispõe a trabalhar nas tarefas da gestão do coletivo. A política em si, em todas as organizações humanas é necessária. E o indivíduo de uma sociedade precisa participar (seja ativamente ou apenas por seu voto e discussão de ideias) e ter seu posicionamento, sob pena de prejudicar a si próprio e ao meio em que vive. Obviamente que a Doutrina Espírita, penso eu, não deve ter posicionamento político partidário, isso é trabalho dos indivíduos. Saber separar isso pode apresentar-se difícil, mas é necessário. A história das civilizações nos mostra que democracia é antes de tudo equidade nas oportunidades de influência das forças sociais, então, há que se ter mecanismos para diminuir as distorções causadas por tentativas de domínio econômico, filosófico ou religioso.

  3. Excelente, Marcelo. Mauro e eu escrevemos um artigo, que foi publicado na Revista Evolución, no segundo semestre de 2020, cujo título era “É POSSÍVEL DISCUTIR POLÍTICA NOS ESPAÇOS DE ESTUDOS ESPÍRITAS?”
    Considero fundamental debater o tema. Parabéns.

  4. Sinceramente acho o texto de muita relevância mesmo sendo espírita não é tolerável que não podemos opniar sobre a realidade da vida mesmo sendo ela política temos sim que exigir nossos direitos como sidadao como ser humano temos sim não podemos nos calar de atrocidades genocidas nós podemos nos calar diante algo que seja uma realidade .

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