Sidnei Batista
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Neste fim de 2024, para o ano vindouro, 2025, e para o futuro a se desdobrar sem intermitências, traçamos maiores perspectivas de mais altos voos, superando desafios e dificuldades que naturalmente irão surgindo e que servirão de aquisição de valores intelectuais e morais.
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O Espiritismo é um transgressor. Nascido sob o solário do Iluminismo, o Espiritismo traz em sua constituição doutrinária científico-filosófica a cepa daquele movimento iniciado no século XVII e que se estendeu pelo século XVIII. Espalhou-se por toda a Europa abalando as arcaicas estruturas do sistema feudal absolutista sócio-político-econômico, pela hierarquia de poderes representados por três Estados: o clero, a nobreza e o povo. Movimento que assombrou o mundo eurocêntrico de então, transgredindo a ordem moral e social, de costumes, valores seculares estabelecidos “pelos poderosos que faziam as leis em seu favor”, com narrativas justificando seus direitos e privilégios.
Marcado pela valorização da Razão e pela crítica ao absolutismo, o Iluminismo foi um movimento intelectual e seus expoentes propagandistas, os iluministas se fizeram porta-vozes de notáveis filósofos como Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Eram contra os privilégios do clero e da nobreza representados na pirâmide social por 5% da população em prejuízo dos 95% da massa de povo, a maioria exposta à fome e à miséria, explorados por impostos extorsivos para sustentar os luxos e as futilidades das classes do topo da pirâmide. Defendiam, naturalmente, a liberdade política, econômica e religiosa, pregavam a igualdade de direitos e deveres de todos os cidadãos perante a Lei, mais tarde proclamada pela Declaração dos Direitos do Homem (1948), ostentando o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
O emblema de Liberdade propõe liberdades individuais, como a de expressão e de opinião pelas quais o indivíduo é legalmente responsável, a do direito de ir e vir, e os direitos à propriedade. O de Igualdade pugna pela igualdade política, com um mesmo conjunto de leis para todos. E o de Fraternidade proclama o cuidado com os mais pobres e desvalidos, para que os cidadãos tenham um mínimo de dignidade de vida. Estava sendo traçado uma aspiração de conquista de uma Utopia, a de “Justiça Social” como um objetivo derivado das lutas de classes, que o homem se vê a braços desde todas as épocas da Humanidade.
As ideias iluministas fizeram eclodir uma Revolução com efeitos devastadores para os regimes, cujos ecos fez tremerem as cabeças coroadas e muitas, para preservar o trono se viram obrigadas a aceitar a democracia constitucional como forma de manterem os simbolismos e as tradições. Muitas monarquias ruíram, dando lugar à República como forma de governo usual e majoritária.
Dissemos acima, na abertura desta exposição, que o Espiritismo é transgressor. O surgimento do Espiritismo no mundo físico dependeu dos movimentos precursores, entre os quais o Iluminismo. Certamente, como seu predecessor que lhe serviu de modelo, ele faz naufragarem as bases fideístas da religião ortodoxa, oferecendo a supremacia da Razão Científica sobre a fé empírica. Contudo, ele avança e ultrapassa muito além os limites racionais do Iluminismo. Enquanto este cuida das questões do homem em sua organização físico-biológica, da vida entre o berço e o túmulo, o Espiritismo vem dizer que não há morte, que a vida continua. Ele, na forma de organização estrutural meticulosa da espiritualidade de todos os graus, afirma que todos os seres vivos dos átomos aos arc(anjos) contribuem nessa obra. Tinha que “vir à luz” com o amadurecimento espiritual do gênero humano, sem o qual teria sido facilmente abortado.
Sob a supervisão de respeitáveis entidades desencarnadas e encarnadas, a importância de Kardec se evidencia. Kardec rompe o véu que oculta o mundo espiritual, e as velhas crenças religiosas plasmadas no sobrenatural do Céu e do Inferno eternos se desmoronam fragorosamente. Esclarece que esse mundo é povoado pelos homens que viveram na Terra e que nela voltarão a viver inúmeras vezes; dá à Alma um novo sentido, diferente do que se pensava: mostra que o homem é uma Alma, que se assume Espírito, e que sobrevive à morte do corpo físico, sendo participativo da mesma sociedade onde vivera. Que as ações humanas não são do homem e sim do Espírito, encarnado ou desencarnado, o qual constrói seu destino e sua vivência de experiências, na conformidade de seus valores intelectuais e morais, nas multiplicadas transmigrações escalares da lei do progresso. A partir de “O livro dos Espíritos”, coluna mestra do Espiritismo, nas obras subsequentes, Kardec em “A Gênese”, por exemplo, aborda a vida humana concomitante à vida espiritual na alegoria dos “Dois Viajantes”.
Agora que fizemos o preâmbulo do sequenciamento natural das ideias, entremos nos ambientes multifacetados do meio espírita. É um meio complexo, cada um desses ambientes aglutina uma variedade de membros, com leituras particulares de como se vê e pensa o Espiritismo. Um grupo, porém, merece destaque. Referimo-nos ao “Espiritismo com Kardec” – ECK, sigla objeto deste artigo.
Concebido primeiramente da sua lista de amigos, seu fundador Marcelo Henrique imaginara um encontro de ideias acerca do Espiritismo. Foi assim que no dia 11 de abril de 2017 o grupo – um reduzido número – era lançado na plataforma “Facebook”, e sua ação propositiva era bastante ousada: 1) repensar as práticas espíritas a partir do método criterioso e rigoroso de Kardec; 2) criar um espaço de livres-pensadores, respeitando a liberdade de opinião nos diálogos entre os que pensam diferente, desde que façam com responsabilidade e fineza de trato. Aos poucos o grupo foi crescendo e hoje ultrapassa de longe a marca de mais de uma dezena de milhares de membros. O grupo não tem saliência personalista de ninguém sobre os demais, porque de acordo com seu tempo e as aptidões individuais todo mundo dá sua participação. É, assim, uma experiência horizontalizada onde todos têm o mesmo peso e importância.
Durante os sete anos de existência, para o exercício do livre pensamento, o ECK tem promovido lives bimensais, além de criar o Fórum do Livre Pensar Espírita – LIPE (que concluiu, em dezembro último, a sua 6ª edição), promovendo um diálogo permanente com vários setores espíritas que cultivem valores democráticos.
Chegamos ao final do ano de 2024. Fizemos uma esta breve retrospectiva das realizações do ECK, enquanto que, para o ano vindouro 2025 e para o futuro a se desdobrar sem intermitências, estaremos traçando maiores perspectivas de mais altos voos, superando desafios e dificuldades que naturalmente irão surgindo e que servirão para a aquisição de valores intelectuais e morais, consoante a magnífica mensagem dos Prolegômenos (em “O livro dos Espíritos”): “que não é senão pelo trabalho do corpo que o Espírito adquire conhecimentos”.
Fontes:
KARDEC, A. “A Gênese”. Trad. Carlos de Brito Imbassahy. São Paulo: FEAL, 2018.
KARDEC, A. “O livro dos Espíritos”. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.
Imagem de kp yamu Jayanath por Pixabay