Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos
O aquilatamento do ser e sua depuração é um exercício individual, mas ele sozinho não basta como motor da justiça social. Necessário é a junção coletiva, através dos grupos sociais, e — a partir desses — a sociedade como um todo, que deve ser considerada como um organismo único e, assim, ser capaz de fazer progredir o ser no mundo, como vislumbrado pelos mestres Allan Kardec e Herculano Pires.
O Planeta está repleto de interesses e ocorrências políticas, sociais, climáticas, geopolíticas e tecnológicas. Todas avassaladoras. A materialidade se impõe. “É preciso estar atento e forte; não temos tempo de temer a morte”, canta Gal Costa1 a todo pulmão, enquanto nos perguntamos: qual progresso ousamos que faça parte de nossa reflexão?
Sim, Gal, sabemos que devemos encarar de frente, destemidos, todos os pontos de fricção que surjam. O grupo ECK faz isso de cabeça erguida, em todas as frentes, sem contornar ou se omitir sobre nenhum tipo de assunto, como sempre nos esclareceu o professor Herculano Pires2:
“O espírita tem de enfrentar o mundo atual com a confiança que o Espiritismo lhe dá, essa confiança racional em Deus e nas suas leis admiráveis, que regem as constelações atômicas no seio da matéria e as constelações astrais no seio do infinito.”
A revista Harmonia nos traz sons e inspirações transcendentais e, mais uma vez, é carregada de significados, com um time admirável de colunistas que navegam pelo tema “O Progresso Individual e Coletivo que os Espíritos devem realizar”. Em cada texto, não existem questões fechadas, dogmas, ou verdades encarceradas. Não existem covardias, dissimulações, nem fraudes.
Herculano2 segue nos sussurrando:
“O espírita não teme, porque conhece o processo da vida, em seus múltiplos aspectos, e sabe que o mal é um fenômeno relativo, que caracteriza os mundos inferiores. Sobre a sua cabeça rodam diariamente os mundos superiores, que o esperam na distância e que os próprios materialistas hoje procuram atingir com os seus foguetes e as suas sondas espaciais. Não são, portanto, mundos utópicos, ilusórios, mas realidades concretas do Universo visível.”
Singularidades
Nossa jornada tem início com as mazelas herdadas por interpretações equivocadas e demasiadamente místicas, advindas dos romances mediúnicos; corruptelas doutrinárias conduzem, portanto, a humanidade a vivenciar aflições “meritórias” – quando não o são –, de um passado ou de uma encarnação pretérita, levando-o a uma subordinação ao fatalismo, patrocinada por muitas “fontes” (para não dizer a quase totalidade) do mainstream espírita que, do contrário, deveria esclarecer a profundidade espiritual e material e patrocinar a justiça social: os reais objetivos da Filosofia Espírita. Por extensão e consequência, os pobres, os injustiçados e os desvalidos tornam-se simplórias peças de um xadrez de dominação nas mãos daqueles que procuram joguetes de interesses mesquinhos: este é o cerne do artigo de Luiz Gustavo Oliveira dos Santos – “A Pobreza numa Análise conforme o Pensamento Espírita”.
Marcus Vinicius de Azevedo Braga, em seu artigo “Morrer no Japão deve ser ruim” aborda os pontos equivocados da prática mediúnica, em que predomina nas instituições espíritas o modelo salvacionista no trato dos Espíritos – obsessores ou não. Um enfoque arrogante de supostos eleitos, onde há um Espiritismo sem Espíritos a partir da massificação dos tratamentos espirituais por métodos questionáveis – como a urgência em que sejam atendidos em um “hospital na espiritualidade”. De maneira generalizada, sem aprofundamento e, principalmente sem estudo, todos se curvam a um modelo incompatível com os postulados da Doutrina Espírita, ainda que Kardec não tivesse fechado questão sobre a metodologia mediúnica devido à progressividade dos ensinamentos.
O desprezo aos livros, que vem, de sobremaneira, se alastrando pelo mundo, até mesmo a partir de determinados mandatários do poder temporal humano, causa preocupação, pois, se dissemina feito uma epidemia, e vai corroendo a cultura e a educação, fragilizando o pensar da (e na) sociedade, que vê-se tolhida de realizar o que nos diferencia das demais espécies – o pensamento. Sem o livre pensar não há equidade, fraternidade, altruísmo nem liberdade, e, como espíritas, não devemos negligenciar o conhecimento amealhado, perante o “mal” em qualquer de suas esferas. Do contrário, devemos nos manifestar embasados nos fundamentos da Doutrina e permanecermos atentos à justiça social, conforme “Desprezo pelos livros”, texto de Cláudio Bueno da Silva.
Wilson Custódio Filho, em “A Banalização do Bem mediante a Institucionalização do Mal e os Dom Quixotes do Meio Espírita” discorre sobre o mal que habita nos corações humanos, agindo por formas dantescas, contraposto a seres quixotescos que buscam a manutenção do bem maior e o progresso da sociedade. Pois, se existe corrupção nos ideais, há, também, os Dom Quixotes que sonham e almejam derrotar os gigantes, encaminhando o mundo, individual e coletivamente, para um ideal ditoso, onde permaneça, nos seres, o bem maior.
Leonardo Paixão, aborda em “Espiritismo e Política: Ética, Responsabilidade Social e Transformação Coletiva”, a difícil relação entre esses dois quadrantes, o espiritual e o político, principalmente pela pouca compreensão do que seja idealmente a política, para materializar-se na prática: o mecanismo humano-social que almeja a equidade na gestão do bem comum, tendo como escopo toda a coletividade, calcada na justiça social, pois somente por (e com) ela se pode dirimir as mazelas da sociedade.
Desde tempos imemoriais, o trabalho realizado pela plebe é o que de fato cumpria os desígnios divinos. Afinal, deuses ou deidades, assim como alguns “eleitos” e seus afins não trabalham, como nos brinda o artigo “As divindades não trabalham”, de Maria Cristina Rivé. Ela pergunta (e nós, também): – Algo mudou ao longo de séculos? Responsivamente, o patriarcado certamente não, como, também, a escravidão e o contemporaneamente nominado racismo, igualmente! Para esses males, o progresso vem, sabemos, ocorrendo e paulatinamente os sanando. Mas, isso não é o bastante! Necessário se faz a conscientização da sociedade, mesmo que tal se faça à custa dos escândalos necessários.
Há no meio espírita uma ojeriza pelo termo socialismo, utilizando como único parâmetro o materialismo. Não compreendem e não procuram compreender, muitos dos que se afirmam espíritas, as obras de Kardec, Denis, Pires, Porteiro e Mariotti. Se o fizessem, já teriam constatado que é na Filosofia Espírita onde se denota o socialismo espiritual. No revelador artigo “Socialismo Espiritual: o Socialismo Progressista dos Espíritas”, Marcelo Henrique discorre sobre as interpretações equivocadas dos espíritas, proporcionando a observação acurada pela dialética e pela dialógica, convidando a todos para reflexões e ações, para que possamos nos tornar protagonistas da efetivação de uma sociedade justa.
É isso! Uma edição que abrange os ditames do progresso em conformidade com o pensamento espírita kardeciano e com nítida inspiração herculanista. Esperamos que tais exposições permitam ao(à) leitor(a) um vislumbre mais lúcido sobre a progressividade da humanidade e o alcance de uma justiça social possível.
Para concluir, uma vez mais, acompanhemos o professor Herculano2:
“O mundo atual é o campo de batalha do espírita. Mas é também a sua oficina, aquela oficina em que ele forja um mundo novo. Dia a dia ele deve bater a bigorna do futuro. A cada dia que passa, um pouco do trabalho estará feito. O espírita é o construtor do seu próprio futuro e o auxiliar de Deus na construção do futuro do mundo. Se o espírita recuar, se temer, se vacilar, pode comprometer a grande obra. Nada lhe deve perturbar o trabalho, na turbulenta mas promissora oficina do mundo atual.”
Boa leitura! Contudo, não esqueça:
“ Tudo é perigoso. Tudo é divino maravilhoso” 1
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NOTAS
1- “Divino, Maravilhoso” é o título de uma canção composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil (1968), notabilizada na voz de Gal Costa.
2- “O Espírita e o Mundo Atual”, de J. Herculano Pires, contido no Livro “O Tesouro dos Espíritas”, de Miguel Vives.
Imagem de Engin Akyurt por Pixabay
Edição: Março de 2025
Editorial: Atento e forte para construir o futuro, por Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos
A Pobreza numa Análise conforme o Pensamento Espírita, por Luiz Gustavo O. dos Santos
Morrer no Japão deve ser ruim, por Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Espiritismo e Política: Ética, Responsabilidade Social e Transformação Coletiva, por Leonardo Paixão
Socialismo Espiritual: o Socialismo Progressista dos Espíritas, por Marcelo Henrique
O Editorial, feito a quatro mãos, traz um pot-pourri de artigos, que a considerar pelo excelente artigo de Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos, nos proporcionarão uma leitura instrutiva enquanto agradável sobre o Espiritismo. Não de qualquer espiritismo, estamos falando do ESPIRITISMO livre e libertário de consciências que queremos conhecer, praticar e divulgar e sobretudo viver. Espiritismo Ciência, Filosofia e Ética, antidogmático, antirreligioso, aquele que, como todo cabedal de mestre mais leva à duvida do que à certeza. A DÚVIDA, armação de Descartes na construção do Cógito, é a alavanca usada por Arquimedes para mover o Mundo.
REVISTA HARMONIA está posta à mesa, divirtam-se e boa leitura.