Marcelo Henrique e Claudia Jerônimo
Vimos trabalhando, mês a mês, e chegamos a esta sexta edição de 2023, com as questões das adulterações das duas últimas obras de Allan Kardec – “A Gênese” e “O Céu e o Inferno” – ocorridas, sabidamente, após a sua desencarnação (31 de março de 1869), quando supressões, acréscimos e outras alterações de conteúdo foram realizadas por terceiros, em desrespeito aos princípios e fundamentos espíritas, bem como ao conteúdo doutrinário e à metodologia empregada por Kardec em todas as suas demais publicações.
Nesta edição, optamos por reduzir o número de artigos, atendendo a solicitação de vários leitores, para objetivar, em cada número da revista, uma análise mais precisa do conteúdo, visto que um quantitativo maior de textos não estava sendo favorável à compreensão conjunta. Deste modo, a partir desta e nas futuras edições, publicaremos quatro artigos.
Na abertura deste número, Marcelo Henrique nos sugere analisar, no seu texto “Fiat Luz, Genesis!”, de modo comparativo, lado a lado, trecho por trecho, em distintos itens e capítulos, o teor das duas edições – a publicada, em vida, por Kardec e a apresentada postumamente ao público. Reforça a necessidade de uma análise plural, envolvendo os aspectos históricos, documentais, jurídicos e doutrinário-principiológicos, para buscar chegar à (necessária, oportuna e inafastável) conclusão: qual delas seria a que possui conteúdo plenamente compatível com a Filosofia Espírita? Seu artigo, assim, “disseca” as alterações efetuadas em cada um dos capítulos, apresentando, lado a lado, as conclusões dos dois segmentos que analisaram os textos de “A Gênese” no “Grupo Virtual de Estudos – GVE” constituído pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP), por seu Departamento de Doutrina.
Neste caminho, Nelson Santos no seu ensaio “Por que Kardec não teria efetuado grande parte das alterações em “A gênese” e “O Céu e o Inferno”?”, alerta para uma inconsequente pressa em considerar válidas e autênticas as edições póstumas dessas obras, da parte de muitos que se declaram estudiosos de Kardec. Santos, então, enumera quatro pontos (a pesquisa in loco, na França), os enquadramentos e contornos jurídicos em relação às edições, a demonstração inconteste de autoria documental e literária, e o conteúdo doutrinário e a progressividade dos ensinos dos Espíritos (e do seu próprio trabalho). Diante de tais premissas e de um “adendo importante” ele conclui. E você deve estar ávido para conhecer esta conclusão (que está expressa no título), não é mesmo?
Na sequência, Wilson Garcia discorre sobre a oportunidade das hipóteses, em Ciência, destacando que estas devem ser testadas, e enquanto não o são, nenhuma delas servirá para validar o imaginário do possível, no seu ““A gênese” e, agora, o livro “O céu e o inferno” vistos por dois prismas opostos”. Razão pela qual é recomendável que nos afastemos dos “apaixonados” na defesa cega de suas meras hipóteses. Caso contrário, pela insuficiência e pelo afogadilho de uma temerária conclusão, poder-se-á atestar que Kardec, ao revisar suas obras, agiu de modo desqualificado e incompatível com o método que empregou durante toda a sua vida e por toda a sua “trajetória espírita”, posto que os contornos das edições tidas como verdadeiras – as póstumas – são declaradamente opostas às bases e princípios norteadores da Doutrina dos Espíritos.
Sérgio Aleixo, então, derradeiramente, no seu “Uma velha polêmica”, aborda um “pequeno” (?) – talvez em tamanho, no sentido da extensão das linhas de um dado item, em determinado Capítulo de “A Gênese” – na edição autêntica (publicada em vida por Kardec), reproduzido em outra obra do Professor francês, como referência de um conceito fundamental, o qual, na edição póstuma foi retirado. Pequenos detalhes, grandes problemas!
Alcançamos, assim, o sexto feixe de documentos-artigos sobre esta importante celeuma da atualidade espírita., De um lado, os que se perfilam no segmento de discordar das edições tradicionalmente aceitas como da lavra de Kardec, apresentando a imprecisão de sua publicação originária e destacando alterações e adulterações, afastando a adoção das edições póstumas, em face dos prejuízos existentes ao conteúdo das obras e à filosofia espírita. E, do outro lado, os que se acham convencidos da autoria de Kardec em relação aos textos, mesmo que inexista documentação e validação jurídica desta tese, até o momento.
Ainda assim, este veículo de comunicação social espírita, por ética e dever de especialidade jornalística, afirma:
1) o livre pensamento e a livre expressão são elementos peculiares à Doutrina dos Espíritos, perfilados entre os textos kardecianos como “legado espiritual individual” e consolidados entre as Leis Morais (apresentadas, especificamente, na terceira parte de “O livro dos Espíritos”);
2) os indivíduos e grupos tidos como espíritas devem, permanentemente, estudar o conteúdo das obras, cotejando-as umas às outras, e entendendo o conjunto inseparável das trinta e duas obras de Kardec como essenciais ao conhecimento espírita-espiritual;
3) é salutar e absolutamente necessário que se promovam publicações e eventos para o livre e responsável debate sobre as questões afetas ao conteúdo e aos elementos de natureza editorial das obras de Kardec;
4) baseados no espírito kardeciano de tudo analisar e debater, é desaconselhável – enquanto existam pontos controversos – declarar que a questão já está “satisfeita” ou “resolvida” e que determinadas pessoas, grupos ou instituições detém “a verdade” ou são consideradas infalíveis ou definitivas em suas afirmações, publicações ou documentos;
5) nenhum tema, relacionado aos cenários material ou espiritual, deve ser afastado de debate e interpretação, tampouco de expressão individual ou coletiva, já que Kardec declarou ser a livre apresentação das ideias e a comparação lógico-racional entre elas, o fundamento da construção progressiva da Filosofia Espírita;
6) o grupo “Espiritismo COM Kardec (ECK)” seguirá promovendo eventos e patrocinando publicações que se adequem aos postulados e princípios da Filosofia Espírita, principalmente por entender que não há, no meio espírita, como existe em determinados agrupamentos humanos, sobretudo os cunhados ou reconhecidos como “religiões”, uma autoridade incontestável ou uma vinculação de natureza hierárquica, de indivíduos ou grupos sobre outros; e,
7) a defesa, da parte do ECK pela tese da adulteração póstuma das obras de Kardec não afasta o fundamental respeito aos que pensam diversamente, com base na premissa espiritual do livre exame e da natureza progressiva dos Espíritos, que podem rever, a cada passo, suas convicções e opiniões, mantendo, com os discordantes, relações de convivência e diálogo, permanentemente.
Seguimos acreditando que, nesta e em outras temáticas, subordinadas ao exame espírita, a aproximação entre os extremos irá ocorrer, de futuro, e sem a necessidade de um consenso imposto e surdo, os indivíduos naturalmente irão entender os fatos em sua profundidade, afastando conceitos e “provas” impróprias, para adotar posturas mais próximas possíveis das verdades espirituais, em conformidade com as Leis Universais.
É nisto que acreditamos!
Imagem de Kanenori por Pixabay
LEIA OS TEXTOS DA EDIÇÃO
Editorial: Que os debates jamais sejam silenciados!, por Marcelo Henrique e Claudia Jerônimo
“A gênese” e, agora, o livro “O céu e o inferno” vistos por dois prismas opostos, por Wilson Garcia
O item 10 da 4a edição de OCI é mais uma prova da adulteração evidente:
“10.º — O Espírito sofre a pena de suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no mundo corporal. Todas as misérias, todas as vicissitudes que suportamos na vida corporal são decorrentes de nossas imperfeições, expiações de faltas cometidas, seja na existência presente, seja nas precedentes.”
A Doutrina identificou o fato de que nem todos desenvolvem imperfeições. Alguns escolhem percorrer o caminho do bem (questões 121 e 133 de OLE), o que não os isenta das vicissitudes da matéria. Alguns encarnam por expiação e, outros, por missão ou por mera necessidade de aprendizado, fazendo sua parte na Criação.
Admitir que Kardec tenha incluído esses itens nessa edição, em especial o item 10, seria admitir que Kardec entrou em contradição com tudo o que havia desenvolvido até então.