Flávia Lemos Sampaio Xavier e Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Almoçando em um shopping center, Joaquim ouve, de forma distraída, a conversa na mesa ao lado. O medo ganha vida no diálogo de duas senhoras que falavam sobre a filha de uma delas, recém-chegada do exterior. A jovem, que havia passado um tempo pesquisando as mudanças climáticas em determinada Agência de Cooperação Internacional retornara angustiada, sentia o que fora diagnosticado como ecoansiedade: “um medo crônico da destruição ambiental” pensando que seus dias em família podiam ser os últimos.
Essa narrativa reflete um sentimento cada vez mais presente em diferentes níveis nas famílias brasileiras: a desesperança climática. Trata-se de uma percepção de que nossa hora chegou, resultado da crise ambiental que se arrasta há décadas somada à inefetividade das ações políticas na prevenção dos desastres. Os efeitos são palpáveis e essa sensação de iminência, permeada de medo e pânico, aparece não mais somente em filmes, mas em reportagens e nas conversas do cotidiano.
Essa desesperança nos leva a acreditar que o apocalipse ambiental é inevitável, o que acaba sendo ainda mais prejudicial do que a negação. A paralisia que surge da ideia de que nada mais pode ser feito afeta todos os níveis da sociedade: governos, empresários e cidadãos. A famosa frase de Dante Alighieri: “Deixai toda a esperança, vós que entrais”, parece ecoar diante do medo de um inferno climático irreversível.
No entanto, essa visão pode se tornar um grande empecilho para ações transformadoras. A paralisia gerada por essa percepção do inevitável pode fomentar um pensamento egoísta e imediatista, levando à erosão do pacto intergeracional — aquele que visa proteger as futuras gerações, um pacto que hoje parece quebrado pelo medo e pelo individualismo.
Contudo, a esperança não precisa ser alienante. Pelo contrário, ela pode ser um motor para a mudança. Em seu livro A Revolução da Esperança (1976), Erich Fromm já afirmava que a esperança passiva é uma forma disfarçada de desespero e desamparo. Mas há outro tipo de esperança, a esperança ativa, que não ignora a realidade, mas age para transformá-la.
” A solução para a crise climática deve partir da política e das políticas públicas. O cientista Carl Sagan afirmou certa vez que, se a extinção da humanidade ocorresse, não seria o fim do mundo — seria apenas o fim da raça humana. O mundo seguiria seu curso, com ou sem nós. Para evitar esse cenário, é preciso resgatar a esperança ativa, que rompe com a negação e nos permite agir diante de uma realidade cada vez mais evidente.”
Exemplos de que é possível superar crises ambientais já existem. A história do Clorofluorcarbono (CFC) e sua relação com o buraco na camada de ozônio, superada por meio de ações políticas e inovação tecnológica com o Protocolo de Montreal (1987), nos mostra que a mobilização de lideranças globais pode fazer a diferença. O CFC, amplamente utilizado na indústria e em produtos de conforto para as famílias, foi substituído por novas tecnologias, provando que a combinação de ciência, política e cooperação pode ser eficaz.
Hoje, no entanto, o desafio é ainda maior. A crise climática exige uma transição muito mais complexa e profunda, sem precedentes. E é aqui que entra a visão da economista Mariana Mazzucato, que defende o papel fundamental do Estado empreendedor.
No artigo The Entrepreneurial State Must Lead on Climate Change, Mazzucato defende que o que precisamos é de Estados mais ambiciosos, que não se restrinjam a aperfeiçoar o funcionamento do mercado e reduzir riscos, passando a atuar como formadores de mercados e investidores em bens públicos e uma sociedade sustentável. Ao longo do artigo, a autora também descreve como deveria ser a abordagem de liderança dos Estados, que devem adotar o papel de “investidores de primeira instância”. São necessárias ações concretas, impulsionadas por lideranças capazes de romper com pactos retrógrados e com a superficialidade de medidas cosméticas, mas realmente devem mobilizar a sociedade para uma mudança profunda em todos os setores.
“A esperança ativa precisa ter lastro na realidade. O Brasil, como um dos maiores exportadores agrícolas e de mineração do mundo, precisa ser um dos protagonistas dessa transformação, garantindo que os custos da transição sejam adequadamente financiados. Assim, poderemos preservar nossa posição econômica global e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente para as futuras gerações.”
Como nos ensinou Martin Luther King Jr., “É melhor tentar e falhar do que ficar parado assistindo a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão, do que não fazer nada”. Se quisermos reverter a desesperança climática e construir um futuro mais verde, é preciso agir agora. Lideranças políticas, empresários e a sociedade civil precisam abraçar essa virada social e produtiva, acreditando que a mudança é possível e urgente.
REFERÊNCIAS:
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Tradução de Ítalo Eugenio Mauro. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2017.
FROMM, Erich. A Revolução da Esperança: Por uma Tecnologia Humanizada. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
MAZZUCATO, Mariana. The Entrepreneurial State Must Lead on Climate Change. Project Syndicate, 2022. Disponível em: https://www.project-syndicate.org/commentary/entrepreneurial-state-only-solution-to-climate-change-by-mariana-mazzucato-2022-11. Acesso em: 12 out. 2024.
AUTORES:
Flávia Lemos Sampaio Xavier – Doutoranda em Políticas Públicas pela Escola Nacional de Administração Pública-ENAP
Marcus Vinicius de Azevedo Braga – Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-PPED/IE/UFRJ
Imagem de Robert Nilsson por Pixabay