Por Manoel Fernandes Neto e Nelson Santos
Marcelo Henrique é a principal voz do Coletivo Espiritismo COM Kardec (ECK), como fundador do grupo e Coordenador-Geral. O ECK é uma proposta abrangente, com pilares em diversas plataformas na Internet e criação de conteúdos diversificados. A atuação do coletivo não está ancorada somente na chamada ambiência espírita, mas em toda a sociedade.
Com uma linha editorial plural, os conteúdos e debates levados a efeito pelo ECK podem falar sobre reencarnação, imortalidade do Espírito, Leis Morais, codificação Kardequiana, fraudes espíritas; mas também podem abordar política, democracia, meio ambiente, inteligência artificial, LGBTQ+, feminismo, emergência climática, aborto e tantos outros temas contemporâneos. Diferente do movimento espírita tradicional, espelhado nos centros e grupos espíritas em geral, não existem pautas proibidas ou “evitáveis” no ECK.
Nesta entrevista que marca os 8 anos de criação do grupo — 11 de de abril de 2017, Marcelo Henrique versa sobre essa experiência coletiva que neste período motivou o debate, a dialógica e a dialética sem limites para compreensão de temas múltiplos, em um tempo de constante mutações de valores.

MH, como também é conhecido, não tem limites na sua atuação no ECK. Visceral — no sentido de profundo e intenso —, ele escreve (muito), edita, orienta, comenta, argumenta, discute, contra argumenta, debate, agrega novos membros ao grupo, impulsiona a reflexão com citações de Kardec, Herculano Pires e outros pensadores e está sempre preparado — “afiado” — para o próximo debate. “Seja o vosso falar sim, sim; não, não”, ele repete com frequência, citando o “Magrão” (que é como ele se refere a Jesus). Ao mesmo tempo, MH pondera, escuta, aceita argumentos, reposiciona-se, diverte-se e diverte, brinca e exercita o que todos somos: Espíritos imortais em aprendizado.
No apoio a variadas tarefas, o ECK conta com um conselho de gestão de 25 membros e uma moderna estrutura organizacional com o objetivo de dinamizar os trabalhos. Organizada em Curadorias e Departamentos, ela fomenta ações e projetos, por meio de habilidades e competências de cada colaborador, sem hierarquia ou dependência. “Assim tem sido, no ECK. Somos um celeiro de oportunidades. Você escreve? Você fala? Você apresenta? Você canta? Você dança? Você atua no palco? Você consegue representar o grupo em um evento? Você pode coordenar um projeto? Você pode falar em nome do ECK numa atividade de estudos ou exposição? Por isso, no ECK, nosso lema tem sido: — Você quer, você pode!”, afirma MH.
O coletivo ECK, para Marcelo, tornou-se uma das referências atuais em termos de Doutrina Espírita e no meio espírita (na feliz expressão de Herculano), com uma estrutura que apesar de virtual assemelha-se a uma instituição espírita com atuação presencial:
“Somos, de fato, um grupo “virtual”, mas que possui uma constância que é parecida com a de uma instituição “física”, isto é, uma entidade que tenha sede própria em algum bem imóvel. Então, este grupo tem uma dinâmica, uma rotina e um conjunto de projetos que estão sempre em andamento. Administrar é ciência, é arte, mas também é sensibilidade. Unir inteligência e emoção, sem afastar a noção de que, como todos somos humanos, acertar e errar faz parte do processo”, esclarece.
O aniversário de 8 anos é um marco para ECK e para ambiência espírita. Nesta entrevista. Marcelo Henrique fala sobre a fundação do grupo e seu desenvolvimento, as inspirações mediúnicas que recebe, suas reflexões em relação ao atual momento do Espiritismo, motivações e expectativas, memórias pessoais, atuação coletiva, humanismo, Doutrina Espírita e seus cismas, bem como desafios e o futuro do coletivo. “É preciso rejuvenescer, diversificar, ampliar, incentivando aqueles que despontam em grupos ou atividades espíritas.”, diz MH.
Leia a entrevista na íntegra:
Portal ECK – O ECK já é um êxito como grupo de estudo, e também como arcabouço de conhecimento acumulado em reflexões sobre diversas áreas de conhecimento, analisadas sobre a realidade espiritual e espírita. Como você enxerga isso neste aniversário de 8 anos?
Marcelo Henrique – Tudo simboliza, para mim, uma “volta ao recomeço”. Todos os dias, quando acordo e me envolvo nas atividades do ECK em seu portfólio de plataformas, penso nisso: — De onde viemos? — Como começamos? — O que eu tinha (e, depois, nós tínhamos) em mente naquele 11 de abril de 2017 (uma semana antes do “aniversário” do Espiritismo, a magna data do livro primeiro)?
Voltemos ao ponto de partida: o ECK nasceu de uma “conversa mediúnica” com o Professor Herculano Pires (que me acompanha desde 1983, quando comprei e li seu primeiro livro e já sentia a sua presença), em que ele me incentivava a aproveitar a “rede” (no caso, o Facebook, naqueles primeiros instantes) para reunir valores individuais sintonizados com uma “ideia nova” de “se fazer” a Filosofia Espírita.
Depois, foram entrando mais e mais pessoas e fomos “nos conhecendo”, surgindo o esboço — e, depois, a materialização — daquilo que Kardec teria sugerido (um grupo pequeno calcado na afinidade de propósitos e sentimentos), Herculano recomendava como sendo um grupo que dialogasse com os públicos interno e externo, com uma “pegada” acadêmico-científica, mas sem deixar de lado a alegria, as afeições e a criatividade, e, por fim, Gélio Lacerda da Silva (que muitos desconhecem seu legado) apontou como sendo a forma de gestão para grupos e instituições espíritas: um colegiado sem “donos do poder” em que a riqueza dos debates levaria naturalmente aos consensos possíveis (algo como havia pensado Kardec no seu “Comitê Central de Espiritismo”.
Agregando, pouco a pouco, muitos valores individuais – hoje somos praticamente três dezenas de pessoas “fazendo” o ECK — surgiu a nossa definição: “Um grupo para repensar as práticas espíritas, a partir da metodologia apresentada por Allan Kardec, ao constituir e codificar a Doutrina dos Espíritos. Um espaço de livres-pensadores para, com elegância, respeito e diálogo, construir e apresentar aos espíritas brasileiros e, também, de outros países, uma opção de caminho para retomar o objetivo maior do Espiritismo — o Progresso Individual e Social”.
Quanto ao conhecimento acumulado, não há dúvidas de que, em nossos dois principais repositórios — o portal ECK e o canal ECK no YouTube – se constituem como repositórios de saber espiritual (sem qualquer tolo e prepotente ufanismo de ser “definitivo”, “completo”, “incontestável”, “absoluto” ou “superior” a quem quer que seja). Adotamos, neles, as duas principais balizas de Kardec: 1) o consenso universal (dos pensadores espíritas, encarnados ou desencarnados), quando possível – e quando não houver consenso, pela dinâmica da maturação das ideias, que sejam, nossas iniciativas, a lídima expressão do livre pensar; e, 2) a progressividade dos conceitos (não só os espíritas, enquanto expressão contida na Filosofia Espírita, mas das ciências, das filosofias, das artes, das consciências, das expressões espirituais humanas), o que nos permite buscar/estar na vanguarda, sobretudo pela coragem de apresentar entendimentos e trazer à discussão certos temas que sempre foram deixados propositadamente de lado ou postos “debaixo do tapete”.
Neste aniversário de 8 anos (e, simbolicamente optamos por colocar “deitado” o número 8, para que ele se aproxime ao sinal que identifica o infinito) queremos valorizar o passado (o que fizemos neste tempo), o presente (o que estamos fazendo e nossos projetos para adiante) e o futuro (no sentido de, à lembrança da parábola dita por Yeshua, o Magrão, lançarmos sementes ao solo, sabendo que muitas delas irão encontrar solo fértil e condições atmosféricas favoráveis para vicejar. E que as sementes possam continuar dando frutos “a cem por um”.
Portal ECK – Como manter motivados em torno do ECK durante esse período de existência essa rede de pensadores de diversos quilates e também o conselho de gestão do ECK com todos os seus membros de valor?
Marcelo Henrique – A motivação sempre me pareceu ser algo duplo: uma porção íntima, decorrente do que se é (Espírito e suas encarnações, sua bagagem), do que se pensa (a atividade ininterrupta do Espírito, incluindo o que faz enquanto o corpo repousa) e do que se faz (missões, tarefas, ações humano-materiais). Outra, exterior, derivada da ambiência em que cada um se encontra. E isto nos leva a um conceito que eu aprendi muito cedo na instituição espírita em que iniciei (Sociedade Espírita Tereza de Jesus) e a qual sou eternamente grato: oportunidades. Todos precisamos de “chances”, de “espaços”, de “situações” para demonstrar o que pensamos, o que fazemos e o que queremos: numa só palavra, precisamos de oportunidades. Com treze (anote bem, treze) anos de idade eu estava numa reunião pública fazendo a minha palestra espírita (de quinze minutos, complementada, na igual porção de tempo pelo dirigente de grupo de estudos que em mim acreditou e que, no horário de sua fala, me apresentou como um “jovem espírita” (na verdade, um adolescente) que tinha uma mensagem para passar: a parábola do semeador e os frutos do bem. Com dezessete anos, também acreditaram em mim e em mais três jovens da mesma idade para que os quatro, juntos, fundassem uma juventude espírita naquela instituição (porque a última havia terminado no início dos 1970). Com vinte e oito anos de idade, eu fui eleito para ser vice-presidente da mencionada entidade. Oportunidades.
Repeti, tanto na citada juventude como em outras atividades (setores, departamentos, associações) o exemplo que recebi daquele experiente expositor/dirigente: oferecer oportunidades, abrir caminhos e espaços, convidar para que cada um possa brilhar, na sua condição individual (os “talentos” do Magrão), em tarefas e atividades.
Assim tem sido, no ECK. Somos um celeiro de oportunidades. Você escreve? Você fala? Você apresenta? Você canta? Você dança? Você atua no palco? Você consegue representar o grupo em um evento? Você pode coordenar um projeto? Você pode falar em nome do ECK numa atividade de estudos ou exposição?
Por isso, no ECK, nosso lema tem sido: — Você quer, você pode!
Quais foram os maiores desafios pessoais e coletivos nesses 8 anos?
Marcelo Henrique – São vários. Tentarei “focar” nos principais. Vamos a eles:
Em primeiro plano, os desafios pessoais. Voltar à rotina “administrativa” numa “instituição” espírita. Somos, de fato, um grupo “virtual”, mas que possui uma constância que é parecida com a de uma instituição “física”, isto é, uma entidade que tenha sede própria em algum bem imóvel. Então, este grupo tem uma dinâmica, uma rotina e um conjunto de projetos que estão sempre em andamento. Administrar é ciência, é arte, mas também é sensibilidade. Unir inteligência e emoção, sem afastar a noção de que, como todos somos humanos, acertar e errar faz parte do processo.
Também o lidar com aquilo que sou (ou somos). Isto é, cada qual, intimamente, com suas crenças, seus paradigmas, seus talentos, suas emoções, seus defeitos e suas qualidades. E me permitir avançar, a partir desta nova experiência coletiva (diária) que é o ECK. Sem orgulhos exacerbados, sem vaidades desmedidas, sem melindres que comprometam o curso dos acontecimentos e o andamento dos projetos.
E aprimorar a dialógica e a dialética. O diálogo pressupõe a abertura para o outro disposto a com ele aprender, a partir de outros pontos de vista, saindo das nossas “certezas” ou “zonas de conforto”. A dialética configura o saber divergir, o entender o ideário individual e a trajetória do outro, respeitando-a, na mesma proporção em que a nossa também é respeitada. Isso significa, na prática, investir nas convergências e não dar primazia às divergências. Construir ações conjuntas (parcerias) naquilo que for comum e que possa representar o real somatório de esforços e de pensamentos.
E, em sede de desafios coletivos, listo: a) congregar pessoas tão diferentes; b) conciliar a amplitude dos saberes, derivados da formação, cultura e experiências de cada um; c) otimizar energias e direcionar as pessoas “certas” para determinadas atividades/tarefas; d) administrar “egos” (porque todos temos, cada qual, o seu); e, e) lidar com “perdas” (isto é, aquelas pessoas que entram no grupo, convivem, colaboram e decidem, por motivos pessoais vários, deixarem o ECK).
Todavia, tenho por lema algo que me acompanha há décadas, no chamado meio espírita (feliz e adequada expressão de Herculano Pires, para o conjunto dos espíritas neste orbe): o maior desafio é o dia de hoje! O que vamos fazer? Quem vamos esclarecer? Quem vamos consolar, pelo esclarecimento? Qual será o resultado da ação ECKana que estiver em curso?
Portal ECK – O Espiritismo é humanista em sua essência, o ser – material e espiritual – é o centro do interesse e em sua órbita tudo desenvolve-se. Contemporaneamente esses valores estão em desuso, como, efetivamente, resgatá-los em um mundo cada vez mais árido em gestos e ações?
Marcelo Henrique – A ideia do humanismo precisa ser melhor entendida entre os espíritas. De que humanismo estamos falando? Como afirmamos em um de nossos artigos (“Serve-nos o humanismo de Kardec?, publicado no ECK, em <https://www.comkardec.net.br/serve-nos-o-humanismo-de-kardec-por-marcelo-henrique/>): “Em linhas gerais, o Humanismo foi um conjunto de ideias, nascidas antes e durante o Renascimento, cujo escopo era a valorização das ações humanas e dos valores morais (como justiça, respeito, honra, amor, liberdade, solidariedade, etc.). Sua configuração partiu do antropocentrismo, com o homem no centro do pensamento filosófico, resgatando alguns conceitos da cultura clássica antiga (sobretudo dos gregos), com destacada valorização dos direitos humanos e das expressões de cidadania”.
Esta base teórica, quando aproximada da Filosofia Espírita, amplifica sua contextura e seus (possíveis) efeitos (práticos). Não há dúvidas de que Kardec era um humanista teórico-prático, pelo que escreveu, falou e realizou, antes e depois de “O livro dos Espíritos”. Não tenho dúvidas, também, que aqueles que “se esforçam em ser espíritas” (vide os mesmos esforços para domar as más inclinações e a transformação moral sugerida por Kardec (“O evangelho segundo o Espiritismo”, cap. XVII, item 4), tem o humanismo como pressuposto de ideologia e práxis, embora esta última continue muito “tímida” (para resgatar a resposta das Inteligências Invisíveis a Kardec, no item 932, de “O livro dos Espíritos”).

Voltando ao citado artigo de nossa lavra, a atitude humanista espírita para o atual quadrante em que vivemos, nos direciona para ATIVAMENTE, edificarmos “a construção de uma sociedade socialmente justa e fraterna”, motivando-nos e mobilizando-nos a partir “da indignação e da solidariedade capaz de direcionar esforços para, com a fundamentação crítica da Doutrina dos Espíritos, influir no progresso (social). Engajam-se, deste modo, os espíritas em movimentos e iniciativas voltados à luta para superar este perverso modelo social, substituindo-o, aos poucos e perseverantemente, por um melhor e mais ajustado aos reais propósitos da encarnação neste orbe”.
É isso que devemos e precisamos fazer para, como consta da pergunta, o resgate desses valores, muitos em franco desuso, em um mundo “cada vez mais árido em gestos e ações”. Assim, mesmo que os “outros” continuem indiferentes, cabe a nós, espíritas humanistas, um portfólio de ações efetivas na direção da justiça social efetiva e permanente.
Portal ECK – Kardec na edição de dezembro de 1868 da “Revue Spirite” alertou sobre os cismas no Espiritismo. Até onde podemos falar em “meio espírita”, que dista a algum tempo, dos fundamentos espíritas e do pensamento kardeciano, considerando, ainda, os inúmeros “espiritismos” criados para acomodação de interesses?
Marcelo Henrique – A menção aos cismas na obra de Kardec (em artigo de sua lavra) não é, até hoje, bem entendida pelos espíritas em geral. Pouco se sabe sobre a ambiência daquela época, em sede da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), embora alguns documentos de Kardec que têm sido recuperados, traduzidos e divulgados – reforce-se, sem “ginásticas interpretativas” ou “tergiversações para validar teses espúrias” – forneçam, aqui ou ali, indícios de que o princípio geral de “onde há homens, há embates” também seja aplicável ao “Espiritismo nascente”. O primeiro grande cisma é situado no próprio seio da SPEE, quando da divulgação do livro de Roustaing (“Os quatro evangelhos – a revelação da revelação”). O pedantismo rustenista está grafado no próprio subtítulo da obra, pretendendo ser “superior” em relação ao conjunto kardeciano (as 32 obras, como costumamos dizer). O desejo de confrontar o poderio religioso da época, instituindo uma nova religião, que seria o “futuro das religiões”, para eles, e que, com isso, resultaria em fama, poder, honra, glórias e muito dinheiro, seduziu muitos espíritas dos primeiros tempos. O segundo cisma ocorreu justamente quando Kardec morreu, ao contrário do que alguns tentam impor, a “turma de Kardec” foi solenemente ignorada e afastada da condução dos projetos em curso: a sociedade, a editora, a revista… Amélie, de legítima herdeira do legado do Mestre foi sendo escanteada. A História – e ela é maior do que qualquer opinião – registra a criação de uma outra entidade pelos legítimos continuadores da proposta kardeciana, enquanto os detratores ficaram à frente da SPEE e dos projetos correlatos.
Outro ponto significativo que Kardec aponta em várias passagens — e elas têm de ser entendidas tanto no que está escrito quanto nas entrelinhas, a partir do real exame historiográfico e interpretativo, sem influência das “preferências” de certos espíritas, em relação ao que gostariam fosse o Espiritismo — aponta para a clarividência do Professor francês a respeito de três características em relação aos espíritas: 1) o Espiritismo não seria motivo nem fundamento de crença; 2) haveria muitos modos de entender a Filosofia Espírita, peculiares ao “nível” de progresso espiritual de cada um e o exercício da lógica racional aplicada; 3) o entendimento espírita jamais seria imposto a quem quer que seja, nem condicionado a modos majoritários de entendimento, condicionados de cima para baixo.
Então, é natural que existam diferenças (mas não divergências) interpretativas. Isto muda completamente o “modus procedendi” das instituições e grupos espíritas, em sendo esta a premissa. Ora, a Doutrina dos Espíritos é uma construção coletiva, partindo da simbiose entre os conhecimentos dos encarnados e desencarnados, numa produção contínua (e foi por isso que Kardec estabeleceu a “progressividade dos ensinos dos Espíritos” como baliza inafastável). O “cogito ergo sum” tem de ser valorizado na ambiência espírita e o que notamos, muitas das vezes, é a renúncia ao livre pensar, a vedação dos debates estruturais, filosóficos e contextuais e, em consequência, o cancelamento daqueles que ousam apresentar ideias diferentes daquelas chanceladas pelo “mainstream”.
O que foi marcante, em mais de 75 anos de Espiritismo organizado no Brasil (situando-nos, historicamente, no Pacto Áureo das federações espíritas em 1949), foi a organização verticalizada do meio espírita, como se somente a alguns fosse franqueada a possibilidade de pensar e estabelecer premissas “doutrinárias” e de ação — e isto desencadeia a situação que temos atualmente, neste século, e as dificuldades corriqueiras entre indivíduos e grupos espíritas. Gélio Lacerda, já citado por mim, foi um pensador ousado para propor uma reestruturação do sistema, abolindo o modo federativo (em que um “poder central” domina os demais e impõe verdades) para se adotar o confederativo (próximo da ideia do Comitê Central de Espiritismo sugerido por Kardec — e não implementado, em face de sua precoce partida).
Então é de se perguntar: — os cismas são negativos? Que cismas o são? E quais cismas são possíveis e necessários? Se ficarmos na ideia central, de dessintonia, de embates, de disputas, de proeminência de ALGUNS dirigentes, expositores, médiuns ou Espíritos sobre os demais, os cismas são fundamentais para a oxigenação das ideias, para a revolução (sem armas, logicamente), e para a transformação salutar das estruturas. Quem conferiu “complementaridade” a determinados autores espirituais? Quem elegeu determinadas obras como incontestáveis e continuadoras da obra kardeciana? Quem estabeleceu sabedoria e infalibilidade a homens (médiuns, dirigentes, expositores)? Os homens! A advertência sempre serena de Kardec foi a de que “não acreditais em tudo o que dizem os Espíritos”.
Vejo, assim, importante que haja cismas. Porque eles têm o poder e a característica de motivar o ser a pensar e a tomar decisões. O ECK é um cisma em relação à ideia equivocada, dogmática, paralisada, confortável de “religião espírita”, com suas castas sacerdotais na forma de “porta-vozes oficiais do Espiritismo”. Não há limites para o pensar, como disseram eminentes filósofos desde a Antiguidade, porque a máquina cerebral não para. O que precisamos é da aplicação da lógica e da racionalidade aos (todos) pensamentos. E, para isso, é preciso que se coloque, lado a lado, ideias distintas, muitas antagônicas já na origem, porque se afastam da principiologia espírita fundamental, mas a grande maioria delas “pontos de vista” que precisam ser conciliados. Eis o porquê de, na prática, existirem “muitos Espiritismos”, sem que, dentre eles, se tenha que eleger um, e cancelar os demais. Por ser, o Espiritismo, interpretativo, cada indivíduo (Espírito) irá entendê-lo (e mais além, praticá-lo) conforme suas “condições”, suas “características”, seu padrão de progresso. Por que, então, querer que todos pensem da mesma maneira e estejam submetidos a um mesmo padrão? Não seria (será) mais fácil colocar todos em dialógica, para que cada um possa avançar (no que possível) em seu modo de pensar?
Portal ECK – O Espírito, como sabemos, só avança e progride. Qual a diferença entre o Marcelo Henrique de 2017 e o de hoje, em 2025. Na mesma linha, o que o Marcelo de hoje diria ao Marcelo de 2017?
Marcelo Henrique – Ah, muita diferença. Estamos falando de 8 anos. Neste tempo há de se considerar o que fizemos, coletivamente, no ECK e, também, aquilo que individualmente realizei em outros cenários: o profissional, o educacional-formativo, o educacional-laboral, as atividades sociais, a participação em movimentos sociais, as atividades políticas, os relacionamentos interpessoais e, também, as atividades espíritas como escritor, expositor, médium.

Luís XIV, estadista francês, afirmou certa feita: “A constância não consiste sempre em fazer as mesmas coisas, mas aquelas que tendem para o mesmo fim”. Neste escopo, há que se considerar os “fins pessoais” e os “fins coletivos”. A Filosofia Espírita fala disso quando exorta a pontualidade de, a partir do progresso individual, as sociedades experimentarem progressos coletivos. Esta é a regra áurea da Lei do Progresso, porque não há progressão social sem os avanços individuais, porque, senão, do contrário, seríamos meros títeres da Força Maior do Universo. O indivíduo, então, conforme a fala do citado personagem, busca seu aperfeiçoamento por meio de distintas ações, para que elas convirjam para o objetivo finalístico: proveito, bem-estar, felicidade, autonomia. O conjunto (de qualquer natureza), formado pelo somatório de diferentes individualidades, igualmente irá investir em propostas, projetos, ações que tendam para o mesmo elemento finalístico: alcançar seu objetivo existencial institucional.
Neste sentido, temos, no ECK, um conjunto de livres pensadores com suas bagagens espirituais (somatório das existências), com histórias de vida e experiências peculiares (em vários campos da vida) e com repositórios de saber derivados de leituras, análises, formações e exercícios bastante diversos. Mas, o objetivo (do grupo e de todos os que o compõem) segue sendo aquela diretriz citada na resposta à primeira questão, aqui resumida: a nossa definição: “Um grupo para repensar as práticas espíritas, a partir da metodologia apresentada por Allan Kardec; livres-pensadores para, com elegância, respeito e diálogo, construir e apresentar aos espíritas uma opção de caminho para retomar o objetivo maior do Espiritismo — o Progresso Individual e Social”.
O Marcelo Henrique de 2025 segue mudando, se transformando. Como cada ser que pensa e investe nisso. Com suas próprias experiências, vivenciando doces e amargos sabores, frutos de suas vivências. Isto faz todo o sentido para cada um, nesta vivência encarnatória e, também, terá muito sentido no conjunto das encarnações.
Portal ECK – Sobre a Dialética e a Dialógica no ECK: quais são seus limites (caso existam) e suas conquistas?
Marcelo Henrique – Penso que seja necessário formar um tripé. Mas, como assim? Temos dois pilares, Dialética e Dialógica. Qual o terceiro? A Convivialidade. Porque, para dialogar e debater, é preciso investir na (boa) convivência. E temos visto, por aí, para usar um outro bordão que é característico do ECK, muitos edificando muros, enquanto seria muito melhor construir pontes. A existência de uma ponte, simbólica, como a estrutura de engenharia física que existe em nossas cidades, é a de aproximar, unir, ligar, isto é, permitir que haja interação e que esta seja permanente. O ECK tem feito isso, seguida e permanentemente. Mantemos contato, conversações, projetos, parcerias com aqueles que buscam os mesmos objetivos. E, com aqueles com quem temos (pequenas) diferenças (de interpretação, de projetos e ações, mas jamais de finalidade que é a espiritual-espírita), mantemos canais de diálogo permanente. Por isso, nossa motivação em estar em contato com pessoas, grupos e instituições não é outra senão conhecer o que pensam e o que e como fazem os “outros” espíritas, aproveitando aquilo que seja bom, verdadeiro e útil (as três decantadas peneiras de Sócrates). A recíproca também tem sido verdadeira: temos visto agrupamentos espíritas repetindo ações ou reformulando projetos a partir das ideias e da vivência do ECK, o que nos deixa muito felizes por, voltando à exortação do Magrão, as sementes lançadas estarem vicejando e dando saborosos frutos.
Bem, mas é preciso falar dos limites. E eles existem e são encontrados todo o tempo. O primeiro: o desconhecimento de Kardec (Herculano apelidou o Espiritismo de “o grande desconhecido” dos espíritas, bem como da sociedade em geral. Natural que o seja de quem não tem proximidade com a Filosofia Espírita. Mas o que dizer dos que se dizem espíritas, sem conhecer a “base”?). O segundo: a retórica de que o Espiritismo é algo “superior” no contexto da Humanidade, como se fosse “mais” e “melhor” do que outras filosofias. O terceiro: a ideia de que só há UM Espiritismo (como mencionamos anteriormente, explicitando a existência plural de EspiritismoS). O quarto: a conduta usual de desclassificar quem pensa e faz algo diferente daquilo que, para si, seu grupo ou instituição, “seja” Espiritismo (o que deriva da centralidade e do autoritarismo do item anterior). O quinto: enfrentar as manifestações daqueles que, mesmo sem conhecer, nem o Espiritismo (Filosofia Espírita — Kardec), nem na essência o que faz o ECK, já adotam a negação de Pedro, porque desconhecem ou temem algo que não conhecem. O sexto: a oposição sistemática; a agressividade (marcantemente, em comentários nas redes sociais) tentando intimidar ou impor seus pontos de vista; o cancelamento (prática de incentivar outros à oposição, à ridicularização, ou ao combate ao que pensa e faz o ECK (ou qualquer outro grupo ou iniciativa). E, o sétimo: fechar-se em si mesmo, impedindo qualquer diálogo, qualquer tentativa de se chegar a um “meio termo”, ou a própria disposição à dialógica em si.
E as conquistas? Muitas, sem ufanismo nem ilusionismo. Mas é bom destacar que Dialética e Dialógica (assim como a mencionada Convivialidade) não são algo pronto e acabado, nem uma fórmula aplicável a quaisquer situações. É um constructo teórico-prático, adaptável a variadas circunstâncias fáticas. A forma de dialogar e debater nunca é — nem poderia ser — a mesma. A primeira conquista, portanto, é a de poder ser, no ECK, a “metamorfose ambulante” (de Raulzito), não no sentido da inconstância irresponsável e descompromissada, mas na acepção de poder ser diferente, ousado, proativo, criativo e realizador. A segunda conquista é a pluralidade, albergando tantas pessoas diferentes, com trajetórias únicas e que, por onde passaram sempre estiveram mais próximas da figura de “ovelhas negras” do que “cabras de manjedouras” e, como tal, sempre foram vistas com receios por desafiarem a mesmice, as rotinas e o “status quo” de grupos dogmáticos. A terceira conquista é a constância que deriva da dedicação daqueles que assumem encargos e os desempenham com sequência e, também, aqueles que se dedicam para apresentar resultados quando convidados ou solicitados. A quarta conquista é a leveza, que nos permite brincar, galhofar, rir de si mesmo, contar piadas, e fazer do riso um refrigério e um combustível espiritual. A quinta conquista é tratar com muita seriedade os conhecimentos espirituais-espíritas que nos chegaram como legado (de Kardec) e o que vamos produzindo, na esteira do processo de continuidade das atividades de pesquisa, filosofia, ciência e ação social espírita do ECK. A sexta conquista é estar no ambiente (meio) espírita, ser visto, notado, “incomodar” alguns e “atrair” outros, permitindo, com isso, conhecer outros pontos de vista, convidar pessoas com contribuições tão ricas para escrever ou falar em nossos espaços, numa pluralidade cultural e filosófico-científica que Kardec, se encarnado estivesse, realizaria. E, por último, a sétima conquista é a ambiência de uma verdadeira família que vivenciamos todos os dias, com aqueles mesmos pontos positivos e negativos de uma parentela corporal, diante da frequência da convivência.

Sete limites e sete conquistas. Sete, de origem hebraica, para simbolizar o sempre!
Portal ECK – Qual a visão futura que você tem em relação à atuação do Grupo ECK?
Marcelo Henrique – Recentemente o ECK recuperou uma entrevista que Herculano concedeu ao seu biógrafo, o jornalista Jorge Rizzini — numa parceria com a editora Paideia, que transcreveu o conteúdo da fita gravada pelo segundo —, com a “ousadia” de revisitar e atualizar os conhecimentos contidos no texto original, cinquenta e três anos após sua realização, conforme publicado em nosso Portal ( LINK ). O título original era: “Entrevista para o futuro”. O futuro para nós, no caso, é hoje, 2025, e realizamos a contextualização daquilo que o Professor declarou em 1972. É uma dileta homenagem à sua lucidez, clarividência, conhecimento e esforço, portanto.
Então, de modo similar, devemos entender esta derradeira pergunta como uma “entrevista para o futuro”. E, como tal, nos permitimos não realizar um exercício de futurologia, mas, do contrário, tecer algumas considerações sobre o continuum de nossas atividades e a perspectiva do que poderemos encontrar nos dias que virão.
Logicamente, nem eu, nem aqueles que hoje estão à frente da maioria das atividades do ECK, daqui a algumas décadas, estarão encarnados. E os que estiverem, em face da longevidade, já não terão os mesmos ímpeto, energia e disponibilidade. É preciso, então, investir nos continuadores.
Lembra quando falei, lá atrás, em uma pergunta, sobre oportunidades, é sobre isso. É permitir que as pessoas se “aventurem” em “aparecer”, em realizar, em coordenar, em escrever, em apresentar, em falar para o público, etc. E temos feito isso. E os resultados têm sido excelentes. Os talentos (lembrando a parábola de Yeshua, o Magrão) estavam e estão por aí, esperando uma oportunidade para brilhar.
Então, o ECK já está pensando no futuro, em quem estará à frente de cada um dos projetos que estão em andamento (e dos que virão, à frente). É preciso rejuvenescer, diversificar, ampliar, incentivando aqueles que despontam em grupos ou atividades espíritas. Este foi o processo desde 2017, percebendo, inicialmente nas redes sociais – em especial no Facebook – aqueles que despontavam em comentários ou publicações. Os que gostavam de debater com respeito e elegância. Os que traziam aportes de conhecimentos (espíritas ou de cultura geral, de arte, de filosofia, de ciência). Os que “apareciam” em textos publicados por sites ou periódicos espíritas. Os que faziam palestras virtuais ou lives. Os que cantavam ou dramatizavam. Todos eles foram vindo, acreditando na proposta inclusiva e plural do ECK.
Então, o futuro já está na porta. Ou, o futuro é o próximo dia, a próxima edição da revista, a próxima live, o próximo texto, a próxima música, o próximo esquete teatral, a próxima poesia ou crônica, a próxima entrevista, o próximo Documento ou Editorial.
O futuro é agora!
Agradeço a oportunidade de falar do ontem, do hoje e do amanhã, em nome do ECK — representando-o em relação ao conjunto de vozes, de personalidades interessadas na proposta transformadora do Espiritismo (de si mesmas, de outrem, da sociedade): dos que estudam; dos que pesquisam; dos que “se expõem”; dos que têm coragem de falar o que pensam, com a responsabilidade por suas posições; dos que defendem o legado de Kardec; dos que se enxergam na postura séria e incisiva de Herculano; dos que são amorosos, carinhosos, solidários… Estes são o ECK! Esta é a “cara” do ECK! Porque falar do ECK é falar de cada um de nós, de nossos sonhos, de nossas alegrias e tristezas, de nossos desafios, de nossas conquistas. E é claro, do nosso futuro enquanto consequência do presente!
Fotos: Júlia Schultz
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