Leonardo Paixão
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Para o Espiritismo, a Política não se reduz a disputas partidárias, mas é uma oportunidade de praticar o amor ao próximo em escala macro. Assim, a síntese entre espiritualidade e ação política está na capacidade de transformar princípios éticos em estruturas sociais mais justas.
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A relação entre Espiritismo e Política é um tema complexo e que convida à reflexão sobre como os princípios espirituais podem dialogar com a organização da sociedade. Fundado no século XIX, por Allan Kardec, o Espiritismo propõe uma visão de mundo baseada na imortalidade da alma, na reencarnação e na lei de causa e efeito. Seus pilares — caridade, progresso moral e fraternidade — não se limitam à esfera individual, mas estendem-se à coletividade. Nesse contexto, a Política, como mecanismo de gestão do bem comum, torna-se um campo fértil para aplicação desses valores.
Os Princípios Espíritas e a Responsabilidade Social
O Espiritismo entende que o progresso espiritual está inevitavelmente ligado ao desenvolvimento ético e à solidariedade. Em “O livro dos Espíritos”, na questão 799, Kardec questiona as Inteligências Invisíveis: “De que maneira pode o Espiritismo contribuir para o progresso?”. E obtém a resposta: “Destruindo o materialismo, que é uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde está o seu verdadeiro interesse. A vida futura não estando mais velada pela dúvida, o homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente. Destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor ele ensina aos homens a grande solidariedade que os deve unir como irmãos”.
Isso sugere que o compromisso com a justiça social (com geração de riquezas através do empreendedorismo e não apenas exclusivamente pelas mãos do Estado) não é apenas uma obrigação cívica, mas uma etapa necessária para o crescimento moral.
Nessa perspectiva, a Política — quando exercida com integridade — é um instrumento para combater desigualdades, promover educação e garantir dignidade. A máxima “Fora da caridade não há salvação” (citada em “O evangelho segundo o Espiritismo”) reforça a ideia de que ações políticas, são extensões da caridade individual, a serem ampliadas para a população.
A Neutralidade Religiosa e o Engajamento Ético
Embora o Espiritismo defenda a laicidade do Estado, evitando qualquer proselitismo em espaços públicos, ele não prega a indiferença política. Pelo contrário: incentiva que seus adeptos participem ativamente da sociedade, desde que guiados por valores universais como honestidade e compaixão.
Kardec, em “O Espiritismo na sua expressão mais simples”, menciona que “O verdadeiro espírita não é o que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita do ensino dado pelos Espíritos”.
Tal afirmativa deixa claro que a Política, para o espírita, deve ser um meio de servir, não de dominar. A corrupção, o autoritarismo e a negligência com os mais vulneráveis são vistos como obstáculos ao progresso, já que contrariam a Lei de Justiça Divina.
Desafios entre Fé e Ação Política
Um dos dilemas enfrentados pelos espíritas na Política é equilibrar as convicções pessoais respeitando outras visões. Em sociedades democráticas, onde diversas visões de mundo coexistem, impor dogmas religiosos é incompatível com a liberdade de consciência. Por outro lado, a ética espírita — focada no bem-estar coletivo — pode inspirar políticas transversais, como:
– Educação universal e de qualidade (ferramenta para a emancipação intelectual e moral);
– Saúde pública acessível (respeito ao corpo como “templo do Espírito”);
– Meio ambiente sustentável (entendimento da natureza como obra divina a ser preservada);
– Preservação da família como célula-mater da sociedade, combatendo ideologias que alegando liberdade, em realidade, levam à derrocada moral.
Espiritismo e a Crise de Representação Política
Em um cenário global marcado por polarização e descrença nas instituições, o Espiritismo oferece uma acurada reflexão sobre a responsabilidade individual na construção da sociedade. Se cada ação gera consequências (lei de causa e efeito), políticos e eleitores são corresponsáveis pelos rumos da nação. A doutrina alerta contra a omissão: votar conscientemente, cobrar transparência e participar de iniciativas comunitárias e representativas socialmente são formas de exercer a cidadania.
Além disso, a noção de reencarnação amplia a perspectiva temporal: problemas sociais não resolvidos em uma geração recairão sobre as futuras, exigindo, portanto, soluções sustentáveis.
Conclusão: Política como Missão de Elevação
Para o Espiritismo, a Política não se reduz a disputas partidárias, mas é uma oportunidade de praticar o amor ao próximo em escala macro. Assim, a síntese entre espiritualidade e ação política está na capacidade de transformar princípios éticos em estruturas sociais mais justas — sempre lembrando que, para o Espiritismo, a verdadeira revolução começa no íntimo de cada ser. Portanto, sem que haja educação de base – e aqui me refiro ao núcleo familiar –, dificilmente poderemos projetar uma geração futura melhor, porque é a partir de tal base que se fundamenta como uma sociedade se estrutura.
Não pretendo esgotar o tema, logicamente, mas lançar luz sobre como uma doutrina espiritual pode contribuir para um debate político mais humano e consciente. A chave está em conciliar fé e razão, transcendência e pragmatismo, para construir sociedades onde o progresso material e o moral caminhem juntos.
Referências:
KARDEC, A. O Espiritismo na sua expressão mais simples e outros opúsculos de Kardec. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2010.
KARDEC, A. O livro dos Espíritos. Trad. J. Herculano Pires. 64. Ed. São Paulo: LAKE, 2004.
Imagem de Elmer L. Geissler por Pixabay