Espiritismo: o hino de libertação à mulher, entre verdades e falácias, por Cássio Leonardo Carrara

Tempo de leitura: 5 minutos

Da história de Maria Madalena podemos extrair subsídios de valorização da mulher e seu papel na reforma moral humana. A verdade ante as mentiras.

Cássio Leonardo Carrara

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Patriarcal, a sociedade humana colocou a mulher em posição subalterna ao homem.  Ao afirmar que o Espírito não tem sexo e pode reencarnar ora num corpo masculino, ora num corpo feminino, a Doutrina Espírita elimina qualquer hipótese de superioridade masculina que se poderia especular. Não se podem mais admitir diferenças, desrespeitos e opressões, sobretudo quando mascarados por falsas ideologias que se dizem cristãs.

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Um dos fariseus convidou-o para jantar com ele. E entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa. Havia na cidade uma mulher que era pecadora, e esta, sabendo que ele estava jantando na casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com perfume e, pondo-se-lhe aos pés, chorando, começou a regá-los com lágrimas, e os enxugava com os cabelos da sua cabeça, e beijava-lhe os pés e ungia-os com perfume. Ao ver isto, o fariseu que o convidara, dizia consigo: se este homem fosse profeta, saberia quem é que o toca e que sorte de mulher é, pois é uma pecadora. Então Jesus disse ao fariseu: Simão, tenho uma coisa para te dizer. Ele respondeu: Dize-a, Mestre. Certo credor tinha dois devedores; um lhe devia quinhentos denários, e o outro cinquenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou a dívida a ambos. Qual deles, portanto, o amará mais? Respondeu Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou. Replicou-lhe: Julgaste bem. E virando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei na tua casa e não me deste água para os pés, mas esta mos regou com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrou, não cessou de beijar-me os pés. Não ungiste a minha cabeça com óleo, mas esta com perfume ungiu os meus pés. Por isso te digo: Perdoados lhe são os seus pecados, que são muitos, porque ela muito amou. Mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama. E disse à mulher: perdoados são os teus pecados. Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer consigo mesmos: Quem é este que até perdoa pecados? Mas Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz” (Lucas; VII: 36-50).

Cairbar Schutel, em sua obra-prima “Parábolas e Ensinos de Jesus”, destacou um capítulo especialmente para Maria de Magdala. Julgada pela sociedade da época, ela foi um símbolo máximo de renúncia aos prazeres efêmeros da matéria, dedicando-se com amor ao ideal do Cristo a partir do instante em que se sentiu tocada por aquela angelical figura, inspirando-lhe a renovação moral.

Diz Schutel: “Maria Madalena é a mulher de quem Jesus expeliu sete Espíritos maus. Cheia de gratidão pela graça que obtivera, vai à casa de Simão, sabendo que Jesus lá estava; sem se preocupar com a dignidade do fariseu, sem temer escândalos nem preconceitos, lança-se aos pés do divino Mestre e lhe oferece tudo o que tem: perfume, lágrimas, coração e Espírito! A extraordinária mulher não abandona mais o seu salvador: segue-o por toda parte acompanhada daquele préstito de mulheres que, como ela, haviam recebido graças e espalhavam sobre os passos do extraordinário Messias o eterno perfume das suas esperanças.”

O Bandeirante do Espiritismo destaca que a inteligência não é o único caminho que nos eleva a Deus, mas sobretudo o sentimento. “É o sentimento que transforma e modela a alma; é ainda o sentimento que exprime todos os afetos puros, todas as gratidões imorredouras. Tanto na mulher como no homem, o sentimento é a corda vibrátil das grandes emoções.”

Não é fato inédito que, ao longo da história, o ser humano foi capaz de desenvolver espetacularmente a inteligência, mas ainda engatinha nas questões morais, do sentimento. Patriarcal, a sociedade humana colocou a mulher em posição subalterna ao homem. E mais: menosprezou sua capacidade intelectual e questionou sua condição espiritual. Muitos episódios lamentáveis de exploração, violência, assédios e preconceitos de variadas ordens advêm deste erro histórico. Felizmente, observamos que a humanidade ensaia novos rumos de entendimento, avançando lentamente no respeito e na valorização da mulher para posicioná-la, enfim, em igualdade de direitos e oportunidades com o homem.

Mas por que ainda não alcançamos êxito neste intento? Talvez a razão esteja em nossa má vontade em interpretar e, principalmente, incorporar os ensinos de Jesus. Para Schutel, “A história de Maria de Magdala é a história da reabilitação da mulher; para o cumprimento de seus deveres cristãos, Jesus não faz seleção de sexo em seus trabalhos missionários. Ao contrário, acerca-se das mulheres, que, mesmo sem que ele falasse, pressentiam, naquela eminente figura, o Messias prometido.”

Logo, o desprezo histórico ao sexo feminino jamais pode encontrar justificativa na verdadeira lide cristã. Aliás, a sensibilidade mais aflorada o coloca acima do sexo masculino no que concerne aos trabalhos voltados à espiritualidade. “Quer da manifestação dos fenômenos de animismo, quer nos fenômenos propriamente espíritas, o sexo feminino sobrepuja o chamado sexo forte; é mais passível, mais dócil, mais dotado de sensibilidade, e, pois, de mediunidade.”

Da história de Maria Madalena extraímos a pureza de seu sentimento verdadeiro e a postura de devoção que deve caracterizar, nas palavras de Cairbar, a mulher espírita: “Arrastado ao calvário, Maria acompanha a Jesus: pregado este na cruz infamante, ela não o abandona: ajoelhada, de cabelos em desalinho, participa da agonia! Jesus expira, lançam seu corpo num sepulcro; ela afasta-se, porque a isso é constrangida por soldados pretorianos; mas não se contém; enquanto uns fogem atemorizados e outros se escondem e temem, ela, a mulher extraordinária, não pensa em si mesma, não cogita dos males que lhe poderiam advir, mas prepara bálsamos perfumados e volta ao sepulcro para dar o seu testemunho de amor sincero àquele que lhe dera a vida da alma, deixando ver que, nem mesmo a morte tem poder para extinguir do seu Espírito os sinceros afetos que devota a seu Mestre!”

Mesmo que Jesus não dirigisse a palavra ou o olhar a Maria Madalena e outras mulheres que o seguiram, elas jamais duvidaram de sua eminente figura, identificando-o prontamente como o Messias. No fundo de suas almas, a intuição dessas mulheres a fizeram crer sem a necessidade de milagres ou prodígios. É por esta razão que a verdadeira mensagem cristã, revivida pelo Espiritismo, é um hino de libertação às mulheres. Cairbar exorta: “O Espiritismo, salientando o papel que Madalena desempenhou no Cristianismo, vem concorrer para a libertação da mulher do fardo do mundo e do jugo das religiões sacerdotais. Vem garantir-lhe o direito do estudo, do livre-exame e até do apostolado.”

Ademais, ao afirmar que o Espírito não tem sexo e pode reencarnar ora num corpo masculino, ora num corpo feminino, a Doutrina Espírita elimina qualquer hipótese de superioridade masculina que se poderia especular. Argumentos os mais esdrúxulos, sabemos, foram ao longo da História motivos geradores desta hierarquia injustificável que ainda é vista e sentida no presente século.

Não temos dúvidas de que a mulher, sensível e receptiva aos sentimentos mais nobres, ao contato com a espiritualidade, bem como o afeto e o cuidado que lhe são inatos, qualificam-na para colaborar com a renovação da humanidade, guiando-nos em um caminho drasticamente oposto ao que percorremos por séculos e séculos. Não se podem mais admitir diferenças, desrespeitos e opressões, sobretudo quando mascarados por falsas ideologias que se dizem cristãs.

Além de tudo o mais que poderíamos enfatizar, a mulher, premiada com o dom de gerar vidas, é colaboradora ativa do progresso das almas. E não só por trazer ao mundo Espíritos que necessitam de nova encarnação para reparar débitos passados, mas sobretudo por orientá-los e amá-los pelo resto de sua própria existência. Teoricamente, o homem também deveria exercer esse papel, mas sabemos que não raras vezes ele se recusa e foge à responsabilidade que lhe cabe.

Encerramos com Cairbar, solenemente: “Libertador da mulher, Cristo outorgou-lhe a missão de amar e profetizar; revestiu-a das faculdades preciosas do Espírito para a realização do divino desiderato de unir ambos os mundos, ambas as Humanidades: a Humanidade que se arrasta na Terra, e a Humanidade que flutua nos Céus!”

Referência:

SCHUTEL, C. Parábolas e Ensinos de Jesus. “Maria de Magdala”. 27. Ed. Matão: Casa Editora O Clarim, 2015.

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Nota do ECK: Texto originariamente publicado na RIE – Revista Internacional de Espiritismo – edição de maio de 2019.

Imagem de Simp1e123 por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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