Jon Aizpúrua [1]
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Existem espaços e momentos apropriados para os diversos espiritismos se comunicarem, dialogarem e compartilharem conhecimentos e experiências. Um diálogo sem quaisquer desqualificações e sem a pretensão de querer converter ninguém. Quem sabe se um diálogo assim praticado poderá resultar em benefício significativo para a compreensão e difusão do Espiritismo, este, no singular e com letra maiúscula.
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Os espíritas costumam falar em “Espiritismo” no singular, quando se referem à doutrina fundada, sistematizada ou codificada por Allan Kardec no século XIX. Costuma-se dizer que “o Espiritismo é um só” e que a causa das divergências que tendem a aparecer e reaparecer em momentos diferentes deve estar localizada nas condições espirituais, intelectuais ou morais particulares de cada um de seus seguidores, pois, encarnados ou desencarnados, médiuns ou não, também é atribuído peso significativo à influência de tendências negativas derivadas do orgulho, preconceitos ou crenças derivadas do dogmatismo ou fanatismo.
Contudo, estamos convencidos de que seria muito mais apropriado usar esta palavra no plural, “Espiritismos”, se quisermos abrir os olhos para o que já é uma realidade em relação ao que aconteceu e está acontecendo com a proposta kardecista, e não apenas sucumbir aos nossos desejos. Deixaremos agora de lado, para efeito de nossa exposição, os sincretismos, nos quais as crenças católicas e as tradições africanas e indo-americanas são amalgamadas com práticas mediúnicas exuberantes e heterogêneas, cujos participantes não hesitam em se apresentar como espíritas, assim como fazem, também, os membros de grupos que se estabeleceram em torno de opiniões ou ensinamentos de supostos Mestres ou entidades espirituais superiores e que, de maneira explícita, rejeitam ou subestimam a orientação kardecista. E tampouco não trataremos do chamado “moderno espiritualismo”, muitas vezes indevidamente chamado de “Espiritismo anglo-saxão”, que tem como um dos traços distintivos a rejeição da tese reencarnacionista.
Por si só, as menções anteriores contribuem muito a favor desta pluralidade de espiritismos sobre os quais estamos comentando, mas a nossa reflexão não é principalmente nessa linha, mas sim para chamar a atenção para as numerosas e variadas modalidades que são apreciadas no movimento espírita internacional, seja em grupos, sociedades, fraternidades, federações a nível nacional e internacional; também em congressos ou em publicações ou nas declarações e exposições de líderes, escritores, palestrantes ou médiuns, sem falar nas práticas mediúnicas em cujo âmbito prosperam diferentes critérios ou ocorrências e as diferenças se tornam abismais. A realidade objetiva é a de que existem instituições e pessoas que, deixando de lado as distintas nuances, reconhecem a obra de Kardec como sua referência essencial, mas fazem leituras bastante díspares e às vezes antagônicas do próprio Espiritismo e do pensamento de seu fundador.
Em nossa opinião, reconhecer e assumir esta pluralidade já é uma questão de bom senso porque os fatos o indicam claramente. E achamos do maior interesse refletir sobre as causas e as chaves das divergências que separam os espíritas. É evidente que não existem diferenças substanciais quanto ao reconhecimento e proclamação dos postulados básicos que definem o Espiritismo: Deus, Espírito, sobrevivência, evolução, reencarnação, causalidade espiritual, mediunidade, vida universal. No entanto, existem alguns, e muito profundos, no que diz respeito às concepções, explicações ou interpretações destes princípios e suas derivações ou aplicações.
A primeira coisa que se faz necessária é analisar se os ensinamentos de Kardec, o resultado de suas pesquisas e as orientações ditadas pelos Espíritos que o aconselharam, as quais foram suficientemente claras e explícitas para resolvem todas as questões filosóficas, científicas, éticas e materiais ou espirituais, que ele se propôs a examinar seguindo um admirável traçado metodológico. Neste ponto crucial podemos encontrar a raiz das divergências que deram origem aos vários espiritismos.
Vale lembrar que Kardec alertava insistentemente que o Espiritismo deveria avançar com o progresso e corrigir aquilo que se demonstrasse em erro, e é isso que procede quando se trata de uma doutrina filosófica e científica com consequências morais, sobre a qual afirmou que “seu verdadeiro caráter é o de uma ciência e não o de uma religião”. Sobre os mais diversos assuntos, ele esclareceu que formulou algumas teorias sob base hipotética e que, portanto, tais deveriam aguardar confirmação no futuro ou, do contrário, seriam descartadas. Infelizmente, estas definições, que nos parecem claras e precisas são solenemente ignoradas, ou interpretadas capciosamente, submetidas a um processo de ressemantização, para que não digam o que significam e não signifiquem o que realmente querem dizer.
Mesmo assim, é preciso admitir que, em certos pontos, o ilustre pensador francês não foi suficientemente explícito, tendo incorrido em ambiguidades e contradições, não conseguindo ir além dos moldes da teologia cristã ou das noções científicas prevalecentes na sua época. Assim, alguns espíritas usam as meras opiniões de Kardec para apoiar as suas próprias, enquanto outros, com essas mesmas citações, apoiam conceitos muito diferentes dos que Kardec pretendeu estabelecer.
Muitos espíritas – a maioria, para falar a verdade – em destacada contradição com o projeto kardecista, assumem o Espiritismo como religião, ou mesmo como “A” religião. Supõem as obras da Codificação Espírita teriam dito tudo e que tudo o que ali teria sido afirmado seria absolutamente verdadeiro, indiscutível e intocável. Consideram que a missão do Espiritismo seria o restabelecimento do “cristianismo primitivo ou original” e, consequentemente, a evangelização representaria a síntese da tarefa a ser cumprida no mundo. E se olharmos para a linguagem que eles utilizam, ela é tão mística, doce, meticulosa e conservadora, que supera a de qualquer uma das muitas congregações evangélicas que competem entre si para amealhar seguidores em todos os lugares. Quantas vezes lemos ou ouvimos, para nosso espanto, que os representantes do Espiritismo cristão se apresentam como “os trabalhadores de Jesus” e que o seu trabalho consiste em “levar mais ovelhas para o rebanho do Senhor”! Aliás, a cada dia ganha mais força neste movimento uma concepção desnaturada de Jesus, de quem dizem que ele não era “nem homem nem Deus”, confirmando, assim, que adotaram a tese roustainguista do Jesus fluídico e se distanciaram do ensinamento kardecista a respeito da condição humana, inteiramente natural a Jesus.
Nós que nos definimos como espíritas laicos, livre-pensadores, não-religiosos, humanistas, universalistas, racionalistas, pluralistas, progressivos e progressistas, pensamos de modo distinto e nos expressamos com uma linguagem muito diferente, porque concebemos caminhos e objetivos próprios para o projeto kardecista e, por isso, estamos situados em “outro” Espiritismo. Não pretendemos ter a verdade – que, por definição, é impossível de compreender ou apreender em termos definitivos ou absolutos. No máximo, ela seria a nossa verdade. Com humildade, reconhecemos as nossas limitações, apenas compensadas pela vocação que nos impulsiona ao estudo, ao uso da razão, à dúvida e à procura do conhecimento em vez da crença, e ao exercício do direito inalienável à liberdade de pensamento, de consciência e de expressão, livre, portanto, de ideias supersticiosas provenientes da cultura do pecado ou da culpa. Não temos a vocação de ovelhas! Preferimos sentir-nos como águias que abrem as suas majestosas asas para voar livremente nas alturas, enxergando novos e mais amplos horizontes.
Fazer estes esclarecimentos sobre as fronteiras que nos separam dentro do chamado movimento espírita, não só implica reconhecer uma realidade que é conhecida por todos, mas também que pode ser assumida com espírito sereno, com ânimo para o diálogo e disponibilidade para estabelecer e consolidar uma clima fraterno nas relações que devem prevalecer entre os espíritas, respeitando o que cada um, conforme sua livre vontade, entende ou aceita. Frequentemente se assinala que “entre os espíritas, há mais o que nos une do que o que nos separa”, e isso é verdade se nos referimos aos postulados centrais da Doutrina Espírita – aqueles que constituem o seu núcleo duro –, mas, como observamos, não é assim quando se trata de definir o Espiritismo e abordar, em todas as suas implicações, a análise de cada um destes princípios e a complexidade das suas consequências.
Existem espaços e momentos apropriados para os diversos espiritismos se comunicarem, dialogarem e compartilharem conhecimentos e experiências. Um diálogo sem quaisquer desqualificações e sem a pretensão de querer converter ninguém. Quem sabe se um diálogo assim praticado poderá resultar em benefício significativo para a compreensão e difusão do Espiritismo, este, no singular e com letra maiúscula.
Nota do ECK:
[1] Livre tradução de Marcelo Henrique, a partir do original deste artigo, em espanhol, remetido para o ECK.
Imagem de Paul Henri Degrande por Pixabay
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ORIGINAL EM ESPANHOL
Espiritismos
Jon Aizpúrua
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Hay espacios y momentos apropiados para que los diversos espiritismos se comuniquen, dialoguen y compartan conocimientos y experiencias. Un diálogo sin descalificaciones y al margen de la pretensión de que querer convertir a nadie. Quién sabe si un diálogo así practicado, pueda redundar en un significativo beneficio para la comprensión y difusión del Espiritismo, éste sí, en singular y con mayúscula.
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Los espíritas estamos acostumbrados a hablar de “Espiritismo” en singular, cuando nos estamos refiriendo a la doctrina fundada, sistematizada o codificada por Allan Kardec en el siglo XIX. De manera reiterada se suele decir que “el Espiritismo es uno solo” y que la causa de las divergencias que suelen aparecer y reaparecer en distintas épocas hay que ubicarla en las particulares condiciones espirituales, intelectuales o morales, de cada uno de sus seguidores, ya se trate de encarnados o desencarnados, médiums o no, atribuyéndose también un peso significativo a la influencia de tendencias negativas derivadas del orgullo, los prejuicios, o las creencias derivadas del dogmatismo o del fanatismo.
Sin embargo, estamos convencidos de que sería mucho más apropiado utilizar este vocablo en plural, “Espiritismos”, si deseamos abrir los ojos a lo que es ya una realidad acerca de lo que ha sucedido y está ocurriendo con la propuesta kardecista, y no apenas sucumbir a nuestros deseos. Dejaremos a un lado ahora para el propósito de nuestra exposición los sincretismos, en los que se amalgaman creencias católicas y tradiciones africanas e indoamericanas con exuberantes y heterogéneas prácticas mediúmnicas cuyos participantes no vacilan en presentarse como espiritistas, tal cual lo hacen también los integrantes de agrupaciones que se han constituido alrededor de las opiniones o enseñanzas de pretendidos Maestros o entidades espirituales superiores y que de manera explícita rechazan o subestiman la orientación kardecista. Y no nos ocuparemos tampoco del denominado “moderno espiritualismo”, muchas veces impropiamente denominado “Espiritismo anglosajón”, uno de cuyos rasgos distintivos es el rechazo a la tesis reencarnacionista.
Ya de por sí, las anteriores menciones abonan mucho a favor de esa pluralidad de espiritismos sobre la cual estamos comentando, pero nuestra reflexión no va principalmente en esa línea, y sí en la de llamar la atención acerca de las numerosas y variopintas modalidades que se aprecian en el movimiento espírita mundial, sea en los grupos, sociedades, fraternidades, federaciones de ámbito nacional e internacional; también en los congresos o en las publicaciones o en las declaraciones y exposiciones de los líderes, escritores, oradores o médiums, por no mencionar las prácticas mediúmnicas en cuyo ámbito prosperan distintos criterios u ocurrencias y las diferencias se tornan abismales. La realidad objetiva es que instituciones y personas que, matices aparte, reconocen la obra de Kardec como su referencia esencial, hacen lecturas bastante dispares y en ocasiones antagónicas del mismo Espiritismo y del pensamiento de su fundador.
En nuestra opinión, reconocer y asumir esta pluralidad ya es un asunto de sentido común porque los hechos la señalan con claridad. Y nos parece del mayor interés reflexionar acerca de las causas y las claves de las divergencias que separan a los espíritas. Es evidente que no hay diferencias sustanciales en lo que concierne al reconocimiento y proclamación de los postulados básicos que definen al Espiritismo: Dios, Espíritu, supervivencia, evolución, reencarnación, causalidad espiritual, mediumnidad, vida universal. Sin embargo, sí las hay, y muy profundas, en lo que se refiere a las concepciones, explicaciones o interpretaciones de esos principios y de sus derivaciones o aplicaciones.
Lo primero que se impone es analizar si las enseñanzas de Kardec, fruto de sus investigaciones y las orientaciones dictadas por los Espíritus que le asesoraron, fueron suficientemente claras y explícitas como para haber dejado resueltas todas las cuestiones filosóficas, científicas, éticas, de orden material o espiritual, que se dispusieron a examinar siguiendo un admirable trazado metodológico. En este punto crucial podemos encontrar la raíz de las divergencias que han dado origen a varios espiritismos.
Conviene recordar que de manera insistente Kardec advirtió que el Espiritismo debía avanzar con el progreso y rectificar en lo que estuviese errado, y eso es lo que procede cuando se trata de una doctrina filosófica y científica de consecuencias morales, sobre la cual sentenció que “su verdadero carácter es el de una ciencia y no el de una religión”. Acerca de muy diversas materias aclaró que había formulado algunas teorías con carácter hipotético y que por lo tanto debían esperar su confirmación en el porvenir o de lo contrario ser desechadas. Infelizmente, estas definiciones, que nos lucen claras y precisas, son sin embargo ignoradas, o interpretadas capciosamente, sometidas a un proceso de resemantización para que no digan lo que dicen y no signifiquen lo que realmente significan.
Aun así, hay que admitir que sobre determinados puntos el ilustre pensador francés no fue suficientemente explícito, incurrió en ambigüedades y contradicciones, y no consiguió rebasar los moldes de la teología cristiana ni de las nociones científicas imperantes en su tiempo. De aquí que algunos espíritas se sirven de sus opiniones para respaldar las propias, mientras que otros, con esas mismas citas, sostienen conceptos muy diferentes.
Muchos espíritas, la mayoría a decir verdad, en contradicción con el proyecto kardecista, asumen el Espiritismo como una religión, o incluso como LA religión. Suponen que en las obras básicas de la codificación está dicho todo y que todo lo que está dicho allí es absolutamente cierto, indiscutible e intocable. Consideran que la misión del Espiritismo es el restablecimiento del “cristianismo primitivo u original” y en consecuencia la evangelización representa la síntesis de la tarea por cumplir en el mundo. Y si al lenguaje que emplean vamos, es tan místico, edulcorado, melindroso y conservador, que supera al de cualquiera de las tantas congregaciones evangélicas que compiten por ganar adeptos en todas partes. Cuántas veces leemos o escuchamos, para nuestro asombro, que los representantes del Espiritismo cristiano se presentan como “los trabajadores de Jesús” y que su labor consiste en “llevar más ovejas al rebaño del Señor”! De paso, cada día cobra más fuerza en ese movimiento una concepción desnaturalizada de Jesús, de quien dicen que no fue “ni hombre ni Dios”, ratificando así que han adoptado la tesis roustainguista del Jesús fluídico y se han apartado de la enseñanza kardecista respecto a la condición humana, enteramente natural de Jesús.
Quienes nos definimos como espíritas laicos, librepensadores, arreligiosos, humanistas, universalistas, racionalistas, plurales, progresivos y progresistas, pensamos de otra manera, nos expresamos con un lenguaje muy diferente, concebimos distintos caminos y metas para el proyecto kardecista, y por eso, estamos ubicados en otro Espiritismo. No pretendemos tener la verdad, la cual por definición es imposible de asir o de aprehender en términos definitivos o absolutos. A lo sumo sería nuestra verdad. Con humildad reconocemos nuestras limitaciones, apenas compensadas por la vocación que nos impulsa hacia el estudio, al uso de la razón, a la duda y a la búsqueda del saber antes que de la creencia, y al ejercicio del irrenunciable derecho a la libertad de pensamiento, de conciencia y de expresión, libres de ideas supersticiosas provenientes de la cultura del pecado o de las culpas. No tenemos vocación de ovejas, preferimos sentirnos como águilas que despliegan sus alas majestuosas para volar libres hasta las alturas y divisar nuevos y más amplios horizontes.
Hacer estas precisiones en cuanto a los linderos que nos separan dentro del movimiento espírita, no solo implica reconocer una realidad por todos sabida, sino que ella puede ser asumida con espíritu sereno, con ánimo para el diálogo y disposición para el establecimiento y consolidación de un clima fraterno en las relaciones que han de primar entre los espíritas, respetando lo que cada uno, conforme a su libre albedrío, entienda o acepte. Con frecuencia se suele apuntar que “entre los espíritas es más lo que nos une que lo que nos separa” y eso es cierto si estamos haciendo referencia a los postulados centrales de la Doctrina Espírita, los que constituyen su núcleo duro, pero, como hemos anotado, no lo es tanto cuando se trata de definir al Espiritismo y de abordar en todas sus implicaciones el análisis de cada uno de esos principios y la complejidad de sus consecuencias.
Hay espacios y momentos apropiados para que los diversos espiritismos se comuniquen, dialoguen y compartan conocimientos y experiencias. Un diálogo sin descalificaciones y al margen de la pretensión de que querer convertir a nadie. Quién sabe si un diálogo así practicado, pueda redundar en un significativo beneficio para la comprensión y difusión del Espiritismo, éste sí, en singular y con mayúscula.
É sempre um prazer ler ou ouvir este senhor, para mim o grande representante do Espiritismo, laico, livre pensador e progressista, neste momento em que temos a enorme honra de viver no mesmo tempo em que ele aqui está entre nós. É verdade subscrevo inteiramente ” ..não temos vocação de ovelhas ,preferimos sentir-nos como águias que abrem as suas asas majestosas e antever novos e amplos horizontes “… esta é uma bela frase que nos define. Obrigada Jon Aizpúrua.