Núbor Orlando Facure
Pode-se falar que mente e Espírito são sinônimos? O Espírito pode se explicar pelos neurônios?
Para as Neurociências a mente é um conjunto de propriedades características do ser humano. Ela inclui a capacidade de pensar, de tomar decisões, de avaliar o sofrimento, de fazer cálculos, de comunicarmo-nos com nossos semelhantes, de compreender a lógica, e de reconhecer o mundo à nossa volta. Todas essas competências são habilidades criadas pelo próprio cérebro. Sem o cérebro, não existiria a mente!
Todas essas afirmações são descritivas das propriedades da mente, sem defini-la. Para mim, adoto a ideia de que a mente é sinônimo de Espírito e o cérebro, o instrumento de sua manifestação. Todas essas competências da mente (da Alma) se processam através do cérebro, que utiliza seus neurônios, mas é independente dele. Na primeira afirmação – de que a mente resulta da atividade cerebral – estaríamos obrigados a ser o que o cérebro é. Todo o nosso conhecimento, numa visão aristotélica, seria adquirido depois de sensibilizarmos o cérebro. Não haveria, assim, nenhum conhecimento inato. Atribuir ao neurônio uma propriedade que é da Alma seria atribuir às partes uma atividade o que é do todo, o que é filosoficamente errado.
O Espírito, portanto, se explica numa série de experimentos que revelam sua atuação extracerebral, em todos os fenômenos de “emancipação da Alma”. A Doutrina Espírita tem um texto claro sobre esses fenômenos. Recentemente escrevi um artigo sobre o que chamei de “Fenômenos espírito-físicos” e, ali, fiz uma sugestão sobre a atividade dos corpúsculos de Nissl [1], hoje chamados retículos endoplasmáticos, na produção de proteínas que constroem portas de entradas nas membranas dos nossos neurônios. Pude sugerir que compete ao Espírito construir o padrão de neurônios que deseja ter.
Aprofundando um pouco mais os conceitos desse estudo, comecemos com Shakespeare (Próspero): “Nós somos feitos da mesma matéria que os sonhos”. Nosso cérebro é, assim, atingido continuamente por estímulos externos e internos. Quando reagimos, estamos pondo em ação um turbilhão de combinações químicas nas sinapses entre milhões de neurônios envolvidos nessa reação. O contato de um neurotransmissor provoca mudanças no interior do núcleo dos neurônios. Saindo dos núcleos, um mensageiro químico leva uma receita de proteína que se fixa na membrana celular criando um novo ponto de contato, onde mais estímulos poderão ser decodificados. Um estímulo repetitivo acabará criando vários botões sinápticos, ampliando a possibilidade de conexões desse neurônio com seus vizinhos.
Para resumir, um neurônio estimulado intensamente, e repetidamente, passa a elaborar receitas a partir do seu núcleo, que ampliará, em três frentes, a capacidade do neurônio: 1) aumento do número dos botões sinápticos; 2) aumento da árvore (prolongamentos) sináptica; e. 3) ampliação da rede de contato entre neurônios. Ao fazermos nossas escolhas – prefiro música clássica; ao tomarmos nossas decisões – prefiro continuar magoado; ao escolhermos nossos amigos – só aceito meus parentes; ao nos dedicarmos a uma rotina de exercícios físicos – prefiro a vida sedentária; ao escolher uma leitura – um jornal sensacionalista, um livro de autoajuda; ao criticar um comportamento – meu chefe é prepotente; ou, ao decidir pelo altruísmo – meu filho merece esse sacrifício. Todas essas atitudes são recursos que fixam para sempre o tipo de neurônio que permanecerá vivo e atuante em nosso cérebro. A oportunidade de crescer espiritualmente não nos faltará, mas a escolha será sempre nossa. Sou de opinião que uma das mais significativas contribuições científicas da Doutrina Espírita é a “Teoria dos Fluidos Espirituais” [2], que nos permitirá estabelecer uma nova concepção de toda fenomenologia física e espiritual que conhecemos.
Em termos de conceitos espíritas, tem-se que a citada teoria ainda não é aceita pelo meio acadêmico conservador, se considerarmos a versão que a Doutrina Espírita oferece. Se usarmos o termo – que me parece mais acanhado – de “bioenergia”, creio que encontraremos investigação científica séria. Quero aproveitar a pergunta para esclarecer o conteúdo da afirmação que foi destacada.
Há uma série de situações que a Ciência humana testemunha sem conseguir explicar ou até mesmo admitir. Por exemplo, as cirurgias espirituais sem assepsia, a cura pela imposição das mãos, o transporte de objetos de um ponto ao outro vencendo obstáculos materiais, as aparições, as comunicações com os desencarnados, hoje registradas em mídias, o aparecimento de doenças tidas como psicossomáticas, entre muitas outras que a meu ver são produzidas pela presença desse “Fluido Espiritual”, que modifica as propriedades da matéria corrompendo as leis da física que conhecemos. O fenômeno mediúnico é, por isso, um automatismo cerebral complexo, que ocorre com a participação em parceria de uma consciência encarnada, o médium, e um Espírito comunicante.
Um Espírito (desencarnado) que pretenda se manifestar em nosso mundo terá sempre de contar com a participação de um médium que lhe cederá os “fluidos humanos”, necessários a esse processo. Seja nos fenômenos de efeitos físicos, seja nos fenômenos de efeitos intelectuais, essa dualidade é fundamental.
A história da Humanidade em todas as civilizações registra a presença destas comunicações. Estão aí os Livros Sagrados de diversas religiões para confirmar. No entanto, foi com Allan Kardec, em “O livro dos Médiuns”, que recebemos da espiritualidade um esclarecimento direto do processo pelo qual essa comunicação espiritual ocorre. Está escrito que as comunicações mediúnicas ocorrem “através do cérebro do médium” [3].
Foi, por isso, que estudando a Neurologia, assumi o desafio de compreender neurologicamente a mediunidade. O que propus só tem valor provisório, até que alguém mais experiente possa nos corrigir ou a espiritualidade nos fornecer subsídios para uma melhor compreensão. Considerando as características da escrita mediúnica, pela sua rapidez, escrita essa por vezes na total escuridão, abordando temas sem preparo prévio, creio que ela se parece muito com nossos atos automáticos, que se processam nos núcleos centrais do cérebro. Foi essa combinação que apontei nas minhas descrições. Enquanto o Espírito que se comunica se utiliza dos núcleos do automatismo motor, o médium tem livre o seu córtex cerebral que lhe permite interferir ou não na mensagem. Por isso o processo é de parceria, sempre.
Da minha parte, procurei dar um enfoque mais neurológico; envolvendo os núcleos da base nos automatismos psicomotores, podemos compreender a fisiologia que impulsiona a mão do médium na psicografia e a fala mediúnica. Atualmente, os estudiosos do cérebro estão dando cada vez mais destaque aos neurônios em espelho. Com eles, nós sintonizamos com as atitudes dos outros, permitindo-nos “sentir no lugar do outro”.
Notas do ECK:
[1] Corpúsculos de Nissl são aglomerados de ribossomos no citoplasma de neurônios que sintetizam proteínas como neurotransmissores.
[2] Vide, em especial, “A Gênese” (Edição Restaurada – FEAL, Tradução Carlos de Brito Imbassahy), Capítulo XIV. Também, na “Revue Spirite” (Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos, Tradução de Salvador Gentille Editora Ide), de Março/1866, o texto “Introdução ao estudo dos fluidos espirituais”.
[3] Conforme “O livro dos Médiuns” (Tradução J. Herculano Pires, Ed. Lake), Segunda Parte, item 189. “Observação”.
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay