Existência de Deus na filosofia, por Luiz Gustavo

Tempo de leitura: 15 minutos

Por Luiz Gustavo

Uma das subdivisões da filosofia é a teodicéia, que busca justamente estudar Deus, descobrindo sua existência e qual é a natureza divina. Tomás de Aquino colocou as 5 provas físicas da existência de Deus, a saber:

1. movimento
2. causalidade eficiente
3. contingência dos seres
4. graus de perfeição dos seres
5. ordem do mundo

Essas provas têm por objetivo comprovar, com argumentos puramente lógicos e baseados em postulados factuais, que Deus existe. Não pretendem, com isso, dizer o que venha a ser Deus, mas apenas que sua existência é necessária, fundamentada em efeitos empíricos e determinar sua natureza, bem como seus atributos.

Deus pode ser demonstrado? Essa pergunta pode ser respondida analisando se Ele nos é evidente. Uma proposição é evidente quando o predicado já está incluído no conceito do sujeito (por ex.: a bola é redonda). Porém, só saberemos que a proposição é evidente se conhecermos o sujeito e o predicado (“a bola é redonda” só é evidente se conhecemos a natureza da bola e o que significa “redonda”). “Deus existe” seria evidente, pois Deus é o puro ser, a própria entidade. Mas não é evidente para nós, já que não conhecemos a natureza divina. E o que não é evidente cabe ser demonstrado. Então Deus pode, sim, ser demonstrado.
A demonstração pode ser feita partindo da causa para os efeitos ou dos efeitos para a causa. No caso, para sabermos se Deus existe, devemos partir dos efeitos físicos observáveis para chegarmos à causa (o próprio Deus). Ou seja, descobrindo a necessidade de uma causa primeira das coisas, estaremos provando que Deus existe.

Para continuar, no entanto, é necessário distinguirmos claramente o que venham a ser potência e ato. Potência é tudo aquilo que não é, mas pode vir a ser (o que ainda não é, mas pode vir a ser). Ato é o que efetivamente se é (o que já é). Por ex.: uma chapa metálica cinza é azul em potência (pode ser azul). Quando a pintarmos, será azul em ato (já é azul). É imprescindível notar que, para uma qualidade passar da condição de potência para ato, é necessário que um outro ser, já com a qualidade em ato, a transfira para esse ser. Visto que um ser não pode modificar-se sozinho, senão por ação de outro anterior (p. ex.: para a chapa passar de azul em potência para azul em ato, foi necessário que um outro ser, já anteriormente azul em ato — a tinta — lhe transferisse essa qualidade).

Sendo assim, partamos para as provas:

1.Prova pelo movimento
Devemos entender por movimento não somente um deslocamento, pois este é tão somente um tipo de movimento. O movimento compreende qualquer processo de passagem de potência (de uma qualidade) para ato (dessa mesma qualidade). Assim,

 

onde, M é movimento “lato sensu”, P é potência e A é ato). Como vimos, para ocorrer um movimento, é preciso que um outro ser, que já possua a característica em ato, a transfira. Mas, para esse outro ser apresentar essa qualidade em ato, havia outro ser anterior a esse que a tivesse transferido. E este, mais outro anterior, e assim sucessivamente. Se continuarmos prosseguindo ao passado, chegaremos a duas conclusões: ou essa sequência vai ao infinito (admitindo que não há Deus) ou ela tem fim, chegando a um primeiro ser (que seria Deus).

Se a sequência fosse ao infinito, nunca teríamos um ato antecedendo às potências, o que faria o movimento inexistir. Mas o movimento existe, logo, temos a segunda conclusão como certa. De fato, uma sequência infinita não pode explicar a existência do movimento. Podemos considerar qualquer sequência de transferência de movimento, como, por exemplo, uma fileira de dominós. Os dominós não vão iniciar o movimento sozinhos, sem que alguém os empurre. Por mais dominós que se ponha na sequência, que sejam infinitos, isso não explicaria o movimento atual deles. Então, para haver movimento, é preciso, necessariamente, que algo dê o empurrão inicial (essa é uma característica do movimento), sem o qual não haveria movimento no instante atual. Assim, se há movimento, deve haver o “Primeiro Motor”. Chamamos de Deus o responsável necessário pelo impulso inicial do Universo.

2. Causalidade eficiente
É uma prova bem clara. Sabemos que uma causa é sempre anterior ao seu efeito. Logo, é impossível que alguma coisa seja causa de si mesma, pois isso significaria ser anterior a si mesma, o que é absurdo para os componentes de uma sequência de causas e efeitos.

Sabemos também que o Universo se comporta como uma cadeia de acontecimentos, ou seja, uma sequência de causas e efeitos. Se nenhum componente do Universo pode ser causa de si mesmo, então não encontraremos a causa para a primeira coisa do Universo dentro desse mesmo Universo. Essa causa só pode estar fora ou acima deste Universo (caso contrário, cairemos no absurdo).

Tomando novamente a fileira de dominós, ela representa muito bem uma sequência de causas e efeitos (onde um dominó qualquer é causa do movimento do próximo e foi causado pelo seu anterior, portanto, é uma causa causada). Vimos que não é possível estender essa fileira infinitamente, pois nunca haveria movimento. Além do mais, qualquer dominó não pode ser causa de seu próprio movimento. Mais uma vez, Tomás de Aquino prova que não há nada no Universo (nem mesmo uma sequência infinita) que possa substituir Deus na condição de causa primeira de tudo (a causa não causada).

Outra análise torna ainda mais claro o que se expõe. Se temos uma sequência de causas e efeitos (como a fila de dominós), podemos perceber que eles só “transferem” um movimento, não sendo capazes de nunca, sozinhos, “produzirem” tal movimento. Cabe essa tarefa, portanto, a algo transcendente (ou seja, acima e fora da sequência); que, no caso dos dominós, seria o dedo que empurra (que está fora da sequência de dominós e é a fonte do movimento destes); e no caso do Universo seria o que chamamos de Deus.

Também podemos provar isto ao demonstrar que, retirando uma causa (um dominó da fileira), o movimento não mais se transmite; mas, tirando a primeira causa, os efeitos sequer teriam existido. Mas eles existem…

Chamamos Deus, então, esta primeira causa causante e não-causada necessária.

3. Contingência dos seres
Um ser contingente é um ser que pode deixar de existir, um ser que pode vir a não mais existir. São seres cuja existência é limitada, pois o que pode deixar de existir, houve tempo em que não existia. Podemos compreender que passaram a existir em algum momento (seja porque presenciamos esse fato, seja pela simples natureza dos seres) não podendo ser, então, eternos. É característica dos seres contingentes apresentarem existência limitada, tanto no passado como no futuro.

Pode-se dizer que tudo o que há no universo é contingente, pois tudo que existe não existiu sempre e é possível de, um dia, deixar de existir. Dessa forma, sendo todos os seres contingentes, houve tempo em que nenhum deles existia, quer dizer, nada (nenhum ser) existia.

Ora, o nada não tem ato anterior que lhe possa transferir uma qualidade, então hoje continuaria havendo nada. Mas nós vemos que há tudo, então é necessário que houvesse um primeiro ser com tudo em ato. Esse ser deveria transferir ao nada, ato suficiente para que tudo exista (pois o que existe não pode ter vindo a existir sozinho, senão por um ser anterior que tivesse tudo em ato). Ou seja, esse ser deveria ser ato puro. Somente Deus (ato puro) poderia transferir ao nada (potência pura) ato que trouxesse à existência tudo o que vemos agora. Assim sendo, também vemos que o nada não existe, pois Deus preenche, eternamente, todo o passado mesmo anterior ao Universo e o futuro imensurável que ainda está por vir.

Deus é, portanto, esse ser não contingente, eterno, imutável e essencial para existência das coisas.

4. Prova pelos graus de perfeição dos seres
Podemos observar que todos os seres apresentam qualidades (ou perfeições) em graus diferentes. A beleza, por exemplo, como qualquer outra qualidade (calor, saúde, bondade, justiça, etc.), ora se apresenta em maior, ora em menor quantidade nos diversos seres.

Se há essa diferença entre os seres, não é possível que essas qualidades pertençam a eles em virtude de sua natureza. Se assim fosse, eles seriam essas qualidades em essência (seriam fontes dessas qualidades), podendo possuí-las em absoluto e infinitamente, o que faria inexistir diferença entre eles. Então, como há diferenças, é necessário que as qualidades tenham sido aplicadas ou produzidas neles por uma causa única.

Não podendo essa beleza, por exemplo, ser proveniente do próprio ser, deve ela (como todas as outras qualidades) ser apenas uma parte ou quantidade limitada de uma Beleza infinita. Os seres simplesmente participam dessa Beleza, ou Bondade, ou Justiça, etc. infinitas, que estão acima dessa “hierarquia” dos seres.

Aristóteles (que muito influenciou Tomás de Aquino) exemplificava, em seu tempo, supondo que o fogo é o calor máximo e, dessa forma, é causa de todo calor que existe. Do mesmo modo, para todas as qualidades existe uma quantidade máxima, a saber, infinita; e os seres participam em graus diferentes dessa quantidade máxima ou infinita que deve estar reunida, para todas as qualidades, em uma unidade absoluta (Deus), que é a causa única dessas qualidades.

Temos, portanto, uma explicação na razão do ser. Nenhum ser no universo pode ter a razão de sua beleza, bondade, etc. em si mesmo, pois isto suporia apresentar essas
qualidades (ou perfeições) em sua essência (o que, como visto, não permitiria diferença entre os seres). Por serem diferentes, os seres não têm em si a razão de suas perfeições, não podendo esta ser explicada senão por um Ser que as possua essencial e infinitamente (fora ou acima do Universo “hierárquico”), enquanto os outros seres as possuem apenas por participação.

Deus, então, apresenta em si mesmo a razão de sua existência.

5. Prova pela ordem do mundo
Podemos observar que uma ordem domina o universo. É notável que o universo tem um comportamento quase maquinal, estando longe de se apresentar como uma desordem geral. Todos os seus elementos e seres, como um todo, comportam-se de maneira que não fuja a uma ordenação cósmica perceptível.

Analisando os seres, vemos que eles agem em razão de algum fim. Porém, nem sempre esses seres sabem a que fim se destinam. Podemos pegar qualquer caso, por exemplo, uma bola de bilhar. Ao dar uma tacada na bola, temos o objetivo de que ela
percorra um caminho tal que caia na caçapa. No entanto, a bola está se movendo para um fim que ela mesma desconhece. Esse exemplo pode se aplicar a qualquer outro caso. Por trás de qualquer objetivo está necessariamente uma intenção, intenção esta que pode simplesmente ser desconhecida pelos seres. Se vemos um feixe de flechas indo em direção a um alvo, compreendemos que elas não foram sozinhas, mas foram lançadas por um arqueiro que as ordena de forma a alcançar o objetivo.

O universo é algo admiravelmente ordenado e os seres, por mais diferentes que sejam, conspiram para um fim comum. Olhando para o passado, fica claro que os seres (incluindo nós) estão agindo em conformidade, em um sentido único, até mesmo evolutivo. Todavia, embora inseridos nesse contexto e participando do processo de organização do Universo, nós não temos conhecimento de onde iremos chegar, isto é, não sabemos a que objetivo nos destinamos (tomando a humanidade como um todo). Estamos, então, indo em direção a um objetivo, porém, por nós desconhecido (como as flechas que se dirigem cegamente ao alvo). E, sendo assim, é necessário que uma intenção esteja por trás desse objetivo, ou seja, uma inteligência esteja ordenando esse todo complexo (as flechas cegas precisam ser orientadas pelo arqueiro), dirigindo os seres a seu objetivo.

Então, se há uma ordem a que tudo segue e os seres são incapazes de conhecer o objetivo, fica evidente que esta ordem é proveniente de uma inteligência (arqueiro) que direciona os seres (flechas cegas) a seus objetivos desconhecidos (alvo). Essa inteligência organizadora e direcionadora é o que chamamos de Deus.

Objeções às provas e respectivas respostas
1. Objeção: Infinitude da sequência ato-potência (remetida à primeira prova)
A série de movimento pode partir ao passado infinitamente, não precisando chegar a um primeiro motor do universo. Mesmo que este exista, está situado além do que podemos compreender, onde consideramos ser o infinito, o que nos mostra uma indeterminação de sua existência definitivamente.

Resposta: Tomás de Aquino responde que essa objeção não poderia atingir o argumento. Na verdade, temos como característica própria do movimento a necessidade de ser produzido (conformo o postulado físico: “nenhum corpo altera seu estado de movimento senão por ação de uma força externa”). Os elementos do universo precisam de uma fonte motora, do contrário nada se moveria. Como já colocado, somente se explica o movimento de uma fila de dominós por um agente acima dessa fila, transcendente; porquanto uma quantidade de elementos, infinita que seja, nunca poderá ser causa de um movimento. Pois nenhum ser inserido nessa cadeia é capaz de, por si, dar início ao movimento, senão por ação de uma força externa. Assim, prosseguir ao infinito sem chegar ao primeiro motor é suprimir a fonte do movimento e, por conseguinte, o próprio movimento. Ora, mas o movimento existe. Então, existe um primeiro motor.

Outro exemplo: a extensão de um riacho, por maior que seja (ainda que infinita) não explica o movimento da água. O leito apenas permite a corrente de água, mas não produz essa corrente, mesmo que tenha extensão infinita, isso não traz a explicação. A explicação da corrente necessita, em algum momento, da nascente, que a produz.

Esta objeção pode ser remetida também à segunda prova. Devemos ter em mente que os seres componentes do Universo não produzem movimento, mas apenas o
transmitem. A produção é por conta de um ser transcendente auto-movente. A transmissão, por sua vez, é interrompida caso seja suprimida uma das causas (retirado um dominó), fazendo com que o movimento cesse. Mas se suprimirmos a primeira causa (que é o que ocorre quando levamos a sequência ao infinito), faremos com que o movimento sequer tenha se iniciado, muito menos se transmitido. Assim, a prova é válida e a objeção ainda se mostra insuficiente.

2. Objeção: Linha do tempo circular (remetida à segunda prova)
Nietzsche e filósofos gregos sem noção de criação pretenderam opor a esta prova a hipótese de uma causalidade circular, ou seja, recíproca dos seres.

Resposta: Porém, mesmo fundamentando essa hipótese, não afetaria a prova da causalidade, visto que uma evolução circular ou linear se refere apenas à transmissão, não à produção da série de causalidade. Ficaria por explicar a existência do Universo como um todo.

3. Objeção: O mundo (remetida à terceira prova)
Panteístas sustentam que o ser necessário, responsável pela existência dos seres contingentes e que tem a razão de sua existência em si mesmo não seria Deus, mas o próprio mundo, tomado num conjunto e concebido como sendo único e infinito (Deus é o mundo).

Resposta: Esta objeção vai claramente contra a razão. Sabemos que o todo, que é a soma das partes, não pode ser de natureza diferente das partes. Ora, os componentes do mundo são contingentes, logo, o mundo também é contingente (ou seja, não tem a razão de sua existência em si mesmo). Então, sua existência exige, como a de todos os seres contingentes, um ser que existe por si mesmo (Deus).

4. Objeção: Conservação do quantidade de movimento (remetida às primeira e
segunda provas)
O físico Michio Kaku, em seu livro Hiperespaço (Ed. Rocco, col. Ciência Atual), nos diz (pág. 216) que a falha das provas cosmológicas (1.a e 2.a) é que a conservação da massa e da energia é suficiente para explicar o movimento sem apelo a um Móvel Primeiro. A exemplo do que ocorre com moléculas de gás, que podem ricochetear contra as paredes de um recipiente sem requerer alguém ou qualquer coisa para pô-las em movimento. Em princípio, essas moléculas podem se mover para sempre, sem exigir princípio nem fim, não havendo, então, a necessidade do Primeiro Móvel.

Resposta: Essa objeção aparenta a feita por Nietzsche, em que uma quantidade de movimento existe, ou seja, há transferência de ato-potência de maneira linear, referindo-se também apenas à transmissão, não à produção do movimento (se ele se conserva, não está sendo criado a todo instante). É uma situação, como outras que existem, de movimento surgido do nada (como muitos cientistas insistem em existir), mas o simples fato de haver o movimento, já nos leva a uma cadeia de causa-e-efeito que, por mais longa que seja, deve chegar a um momento de produção desse movimento, certos de que o nada, nada pode produzir.

Partículas de gás não decantam ou sedimentam como, por exemplo, as de poeira levantada (estas sim, se conservassem o movimento, estariam adquirindo forças de fora do sistema, pois este não é seu estado natural). Gás é um estado da matéria, somente menos denso, como uma esponja é menos densa que uma pedra; e um recipiente fixo cheio de gás pode ser considerado como um corpo em si, e em repouso, pois todo o gás delimitado é um corpo, somente com diminuta densidade. Já a energia interna do sistema só existe pelas condições de temperatura, volume a ser ocupado e pressão do gás, mostrando haver dependência de causalidade para essa baixa densidade (e existência do gás). E a temperatura, volume e pressão (PVT) são determinadas também por alguma causa. Ademais, para a ciência atual, o limite temporal passado dos eventos é o Big Bang, tornando, de qualquer jeito, finita temporalmente a conservação da quantidade de movimento; bem como a expansão universal justifica as condições de PVT do universo, tomado, no todo, como um sistema em si. Se mesmo as condições do sistema universal têm causas, os sistemas locais também as terão, e ainda mais claras. Há, portanto, uma primeira causa nessa sequência, da qual o Universo inteiro emergiu e que impulsionou o Big Bang, aqui chamada de Deus.

5. Objeção: Mundo não é infinito (remetida à quinta prova)
Kant diz que o mundo não é infinito, então a inteligência ordenadora, embora prodigiosa, não precisa ser, a rigor, infinita.

Resposta: É necessário observar, entretanto, que esta afirmação supõe que a ordem resulta de uma simples arrumação dos materiais preexistentes (em que, de fato, uma inteligência finita seria suficiente). Este é justamente o erro da objeção. Na verdade, a ordem é um aspecto do ser, uma ordem interna, na essência e propriedade das coisas. O autor da ordem é, a um tempo, criador do ser universal. Então, a ordem surgiu quando da concepção das coisas, sendo condição e requisito de sua existência. Esse poder organizador ultrapassa os limites intrínsecos dos seres, sendo infinito. Para administrar poder infinito, é necessária uma inteligência infinita.

6. Objeção: O acaso (remetida à quinta prova)
Para escapar ao argumento, ateus costumam afirmar que a ordem do Universo (a qual todos concordam haver) é fruto do acaso, produto de forças inconscientes que, fortuitamente, geraram uma harmonia acidental.

Resposta: Fica claro que esta afirmação é, na verdade, fuga de uma explicação. São características próprias do acaso a inconstância e a irregularidade, que são, justamente, o oposto da ordem. A maior prova de que o Universo apresenta uma ordem é a existência da própria Ciência. O objetivo da Ciência é justamente encontrar os padrões na Natureza. Quando se elabora, por exemplo, uma fórmula física, identifica-se nela uma ordem dos acontecimentos, uma constância, e é essa característica do Universo que permite que a Ciência tenha campo de existência. Sem essa ordem, nem a matemática mais elementar seria possível. O acaso pode explicar uma ordem parcial ou acidental, mas não uma ordem que abrange inumeráveis casos e se perpetua entre os seres ou dentro destes com uma constância invariável.

7. Objeção: A evolução (remetida à quinta prova)
Tentou-se explicar a ordem do universo pela evolução.

Reposta: Mas a evolução, ao contrário de estabelecer uma ordem, a supõe como requisito, visto que se origina de leis necessárias e pré-existentes. As causas eficientes não excluem as causas finais: contrariamente, o mecanismo não tem sentido nem existência a não ser pela sua finalidade. Como visto, as causas que podem explicar a evolução dos seres não fazem mais do que seguir a uma ideia imanente, uma intenção e, dessa forma, supõem existir uma ordem anterior e superior a elas. A evolução, então, exige de forma absoluta uma inteligência.

Com estas colocações, podemos ter uma base, até mesmo científica, para provarmos que é necessário haver Deus e que nenhum outro tipo de ‘agente’ pode substitui-lo nessa função transcendente. Desvinculando, dessa forma, a imagem personalística e cheia de vontades do SENHOR irado e temível para uma visão limpa de mitos, criteriosa e muito útil, a quem avançar nesse sentido, para explicar um pouco mais o Universo. Cabe agora, conhecendo Deus numa jornada racional e lógica, e após combatido as objeções surgidas, apresentar os atributos divinos decorrentes dessa análise de seus efeitos.

Atributos de Deus

Aqui, há uma listagem dos atributos transcendentais inerentes a Deus que se apreende das provas acima:

Perfeito: Podemos dizer que Deus é perfeito em virtude de ser o puro ato. Como visto, podemos imaginar um momento em que nenhum ser contingente existia (o universo e todos os seus elementos não existiam, pois todos são contingentes). Ora, se o nada, que é pura potência, existia, então continuaria existindo hoje, pois uma potência não passa para ato por si só. Mas, se tudo existe, quer dizer que havia ato suficiente para dar existência a tudo (e deve ser, então um ato puro). Se é ato puro, é, então, perfeito.

Imóvel / Imutável: O movimento é a aquisição de um ato que não se possui. Ora, se Deus tem tudo em ato, ele é imóvel. O movimento é só para os seres imperfeitos. Não há que se falar em “mudança” para um ser perfeito.

O Primeiro: Se o consideramos o ato puro, eterno e ilimitado, causador de todas as coisas, seria ilógico pensarmos em um anterior, pois este teria que ultrapassar Deus em seus atos, em sua eternidade e em sua infinitude, além de ter criado Deus. E, ainda se fosse assim, então passaríamos a chamar esse ser anterior de Deus. Deus será, necessariamente, o primeiro.

Simples: Deus não é composto de partes de nenhuma natureza. Decerto, toda composição supõe imperfeição, pois o composto depende dos elementos ou partes que o constituem, sendo, portanto, em relação ao seus componentes, um ser secundário e derivado. Se Deus é absolutamente primeiro, então não é composto de forma alguma. E, portanto, é perfeitamente simples.

Eterno: Se é imutável/imóvel, quer dizer que sempre existiu. Pois se tivesse passado a
existir em algum momento, teria se movido e já não seria perfeito. Deus não faz parte do Tempo (que é o vir-a-ser), mas da Eternidade (que é o não vir-a-ser).

Inteligente: Um mecanismo só tem existência para uma certa finalidade. O universo, que funciona como um gigantesco mecanismo, terá um fim, bem como tudo o que o constitui. Qual é o fim, não sabemos. Mas sabemos que estamos indo em alguma direção. E, se não sabemos onde chegaremos apesar de seguirmos uma direção, quer dizer que estamos sendo guiados (como as flechas cegas, que comprovam claramente a existência de um arqueiro). Sendo assim, Deus tem uma intenção, o que é próprio da inteligência.

Espiritual: Deus é inteligente. E a inteligência não é própria da matéria, somente o espírito é dotado de inteligência (a matéria é bruta e irracional). Deus não apresenta qualquer tipo de matéria, já que a matéria é corruptível e contingente, enquanto Deus é incorruptível. Deus é, portanto, essencialmente espiritual.

Onipotente: Sendo possuidor de todos os atos, ele pode transmiti-los a qualquer potência e fazer qualquer coisa (dentro da perfeita coerência), pois criou o Universo.

Justo e Coerente: Sendo Deus portador de todos os atos, é ele dotado de todas as qualidades.

As qualidades negativas, no entanto, não se encontram em Deus. Isso porque o mal, a violência, a tristeza, o ódio etc, não estão presentes em nada nem em ninguém, mas eles são justamente a ausência das qualidades positivas. O escuro não preenche um ambiente. Ele, em si, não é alguma coisa, mas a ausência de outra (a luz). Assim é com as qualidades. Violência, maldade, ódio, injustiça, portanto, não existem por si, mas são a falta de paz, de bondade, de amor, de justiça, etc. respectivamente. Deus apresenta, então, todas as qualidades em plenitude (e se não há falta das mesmas, não existem ódio, violência, etc. em Deus).

Ao possuir todas as qualidades em grau máximo, também apresenta a Justiça plena.

Deus é maximamente justo. Mas sua justiça não está ligada necessariamente à justiça do homem. Podemos dizer que Ele é justo ao fazer valer igualmente para todos as leis da natureza (que são, essas sim, as leis divinas). A gravidade, o magnetismo, ação e reação, todas as leis descobertas pela Física (e mesmo as ainda não descobertas) não privilegiam alguém ou alguma coisa em detrimento de outra.

Não podemos dizer que Deus seja injusto ao permitir, por exemplo, que uma bomba lançada por um líder radical dizime uma população de pessoas inocentes. A ação de Deus não irá contra suas próprias leis, pois estas são sábias e perfeitas. Ele não vai, então, agir diretamente desviando o rumo da bomba para o espaço sideral, pois isso seria ir contra suas leis naturais (a gravidade) e morais (o livre-arbítrio), ou seja, seria incoerente (e Deus, apresentando todas as qualidades em plenitude, é, também, plenamente coerente). Assim, a forma de atuação de Deus não será agindo contra suas leis, mas dentro delas. A ação divina não será direta sobre a natureza, mas indireta, utilizando, parafraseando Hegel, o livre arbítrio dos indivíduos em prol de seus objetivos, assinalando que as leis universais não valem apenas para os movimentos como também para as atitudes. É, como qualquer outra, uma lei natural. Deus é justo e coerente.

Único: Deus é ilimitado em suas características. Se há um ser infinito, não pode haver outro. É impossível existirem dois infinitos, pois um limitaria o outro, e, havendo um limite, nenhum seria infinito.

Mesmo supondo haver dois deuses, temos duas hipóteses que chegam à mesma conclusão. Ou há dois diferentes, e se há diferença é porque um deles não é perfeito, visto que a perfeição é uma só, sendo Deus apenas aquele que for perfeito; ou há dois perfeitos, o que configuraria uma identidade infinita entre eles, que, sendo idênticos em tudo, não se distinguiriam como duas entidades. Deus, portanto, é único.

Estes são os atributos divinos. Ademais, mostra-se inútil citarmos suas virtudes, porquanto sabemos serem elas ilimitadas em Deus. Assim, essas provas e respectivos corolários nos trazem uma satisfação e embasamento lógico para crer em Deus elaboradas por um dos maiores representantes da Igreja Católica, São Tomás de Aquino (demonstrando repudiar a fé cega). Tamanho foi o cuidado na argumentação que, após compreendermos sua amplitude, concluímos que a explicação do universo necessariamente cai, ou em Deus, ou no absurdo.

BIBLIOGRAFIA:
JOLIVET, Régis; Curso de Filosofia; Editora Agir
— — — — — ; Tratado de Filosofia, 4.º Volume (Metafísica); Editora Agir
FEDELI, Orlando; Caderno Existência de Deus; Página da Associação Cultural Montfort (www.montfort.org.br)
KARDEC, Allan; A Gênese; Editora F. E. B.
KAKU, Michio; Hiperespaço; Editora Rocco
TRESE, Leo J.; A fé explicada; Editora Quadrante
IMBASSAHY, Carlos B.; Arquitetos do Universo, o outro lado da Física; DPL Editora

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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