Indignação Digna!, por Débora Nogueira e Marcelo Henrique

Tempo de leitura: 7 minutos

Débora Nogueira e Marcelo Henrique

Eu fiquei indignado
Ele ficou indignado
A massa indignada
Duro de tão indignado
(“Indignação”, Skank).

Imagem de Stefan Keller por Pixabay

É preciso se indignar. O silêncio nunca foi opção diante de tanto a se fazer na vida. Aproveitar, então, cada momento é fazer valer mais uma encarnação, uma oportunidade de aprendizados.

São muitas coisas, gente! E há situações que me deixam indignada, enquanto outras me pedem silêncio. Mas – como sempre repetimos no grupo “Espiritismo COM Kardec – ECK”, será que o silêncio realmente é uma prece?

Sobre os silêncios, tem gente que acha que é melhor que os outros… E não é “só” por causa de cargos ou funções que ocupam, de diplomas, mas porque pensam que aqueles que não estejam “ao seu alcance” devem se calar.

Para estes, só os “capacitados” têm direito à fala. É aquele papel – literalmente, o papel! – do diploma que traz o seu nome em letras garrafais. É o letreiro na porta de um gabinete. Ou o número de seguidores que tem, nas redes sociais, que é considerado, hoje, expressão de popularidade.

Evidentemente, não estamos deixando de lado aqueles vários aspectos que derivam das conquistas pessoais e dos esforços de cada indivíduo e seria absurdo negar isto. É da Lei do Progresso batalhar e conseguir…

Mas isso não dá o direito a ninguém de se considerar superior a quem quer que seja. Não fazemos nenhuma crítica ao saber, à inteligência, ao estudo. Jamais! A indignação se dirige ao uso que se faz disso, subindo degraus em direção à soberba. A arrogância derivada do conhecimento adquirido não serve de nada e o saber somente para si também não tem serventia.

Para que serve, então, o conhecimento? Para ser compartilhado…

A soberba se relaciona diretamente com o orgulho, que sempre faz sombra à evolução espiritual do ser. E como existem espíritas orgulhosos e soberbos! E não-espíritas, também, já que o defeito é humano e não escolhe hora nem lugar.

Mas nos compete falar dos espíritas e para os espíritas. No chamado “meio espírita” grassam os conservadores. E o conservadorismo, em si, é uma afronta a um dos pilares da Filosofia Espírita: o progresso. Porque a mudança é inerente ao Espírito e, consequentemente, à sociedade e ao mundo em que se vive.

Mas, que mudança e qual mudança? Por ser inconstante o ser, a mudança não pode ser sinônimo de leviandade. Mudar, assim, implica seguir adiante, enfrentando medos, contestando nossas “certezas”, abandonando o passado e a dando as mãos para os nossos erros, para de fato aprender com eles. E esse aprendizado não significa dizer para si e para os outros que não erramos, antes…

“Deus no comando”

Na ambiência espírita desses dias difíceis da atualidade, vez por outra recebemos mensagens mediúnicas. Algumas delas são incompatíveis com o que aprendemos nos estudos espíritas. Há aquelas que são nitidamente instrumentos de autovalorização do médium (como se este precisasse de elogios a qualquer custo), relacionados à trajetória de dedicação à causa espírita. Outras recebem a assinatura de um “suposto comunicante”, mas parecem o alter ego do próprio médium… Ventriloquismo?

Outras se travestem da aparente mansuetude, expressando virtudes ainda incompatíveis com o padrão de humanidade vigente na Terra, pregando o distanciamento das causas sociais e da efervescências político-social, como a amordaçar o natural desejo e a ação transformadora do homem (encarnado) sobre o orbe, como agente de transformações. Quase todas as mensagens “mediúnicas” neste sentido pregam uma apatia, uma subserviência e uma docilidade incompatíveis com o momento e suas frentes de trabalho. E advogam que o Progresso está sendo “trabalhado” pelas “entidades superiores, desencarnadas”: “Deus no comando” ou “os Mensageiros não dormem”, dizem elas…

Vale dizer, ainda, que há uma aura sacrossanta em relação aos Espíritos (?) e aos médiuns, considerando-os, sempre, muito superiores ao padrão humano vigente na ambiência terrena. São personagens de veneração e idolatria cegas, inquestionáveis e acima do crivo de lógica racional estabelecido por Kardec, desde os albores da Filosofia Espírita. Onde fomos parar, enquanto movimento de ideias e de pessoas? Numa religião estagnada e aprisionante? Numa igreja de pretensas e imutáveis verdades? Por que nos afastamos – e tanto – do dever de comparar, sopesar, avaliar e aceitar e rejeitar mensagens “espirituais”?

Há os espíritas que preferem o trabalho “intramuros”. Isto é, sentem-se melhor protegidos com a estrutura (há quem mencione “egrégora”) da instituição, para que ali compareçam os necessitados “do corpo e da alma”, para serem atendidos, amparados, confortados e recebam, inclusive, mantimentos, agasalhos ou remédios. Não estamos, de jeito nenhum, minimizando estas atividades nem depreciando seus resultados.

Todavia, entendemos que, ao lado de tais realizações, é preciso que o espírita assuma um compromisso com o “exterior”, que pode ser a rua ou o bairro onde o grupo/instituição espírita se localiza. Mais além, a própria cidade a que pertence. Quem sabe o Estado ou o País, em projetos, ações ou mandatos específicos. Vimos insistindo acerca da inserção dos espíritas, nas esferas municipal, estadual ou nacional, em conselhos de representação social, existentes em todos, por obrigação legal.

Em realidade, além de fazer a caridade, disponibilizando mantimentos, roupas, calçados, remédios, é preciso se indignar em relação à condição de vida das pessoas, sejam aquelas que comparecem à casa espírita, ou as que estão próximas de nós, em “guetos” da modernidade, moradores de rua, de favelas ou de bairros sem qualquer mínima infraestrutura e qualidade de vida.

É como se estivéssemos em um jogo de tabuleiro. Daqueles em que você arremessa os dados e movimenta os peões, casas à frente, mas que, nos retângulos desenhados há informações que contém ordens: avance três casas, volte sete casas, vá para a prisão, perca a vez, e assim sucessivamente…

Neste jogo é de se perguntar acerca do porquê a indignação nunca chega na casa da frente do jogo da caridade? Sim, você já conquistou a casa 10. Mas… e agora? Penso que será necessário voltar algumas casas… Como assim?

O “voltar” no jogo de tabuleiro representa uma derrota, um fracasso. E ninguém quer perder, certo? Pois é… Mas, e no “jogo” da vida? Será, mesmo, uma derrota? Ou representa a vitória de ir além para entender o que significa, de fato, a ação social espírita, a participação do espírita na sociedade e o cumprimento das “missões” que cada reencarnante tem perante a atual existência…

O “voltar” para ir adiante, neste sentido prático, é o estar consciente de que é imprescindível na ambiência espírita discutir os (graves) problemas sociais que todos enfrentamos, direta ou indiretamente. E isto, em realidade, implica em discutir política, não a de organização partidária ou ideologia filosófica e associativa, mas a política social.

A respeitável senhora ou o aposentado que se dedica às atividades espíritas irá dizer: “Política no meio espírita? Evangelho sim, política não! Política não se mistura com Espiritismo nem com Evangelho!”. Ou frases similares, de igual contextura…

Então, voltando ao jogo, a caridade tradicional – que tem algum mérito, já o dissemos – fica estagnada na casa cinco, nesse jogo interminável. Ou, quando avança, pelos êxitos das atividades e pela população atendida (que sempre aumenta!), avança duas e, depois, volta três… Mas, como assim? Estamos fazendo o nosso melhor! – dizem dirigentes ou voluntários…

Será, mesmo?

Proselitismo

Que tipo de caridade existe na instituição que você frequenta? As pessoas necessitadas preenchem cadastros? Havendo filhos menores, estes são “convidados” a participar da “evangelização”? Os pais são encaminhados para assistir à palestra? A família “tem” de tomar o passe? Para receber a cesta básica da semana ou mês, é preciso frequentar a casa, pelo menos nos dias de distribuição? Hum…

Caridade não combina, jamais, com proselitismo. A “missão” dos espíritas não é “cooptar” mais espíritas. Não é tornar as pessoas espíritas, adeptas da Filosofia Espírita ou frequentadoras das instituições. Inclusive porque não é aceitável tentar convencer ninguém a “ser espírita”, já que muitos dos necessitados já possuem suas crenças pessoais, suas religiões ou igrejas ou também podem optar por não ter qualquer “religião” (considerando que a maioria dos espíritas entende o Espiritismo como tal).

E, neste ponto, a (nossa) indignação é ainda mais flagrante e patente!

Já que se fala tanto em Jesus, o que fazia o Mestre? Ficava numa “casa” aguardando a presença dos necessitados? Reunia seus adeptos e seguidores em templos (centros espíritas)? Tinha o objetivo de convertê-los a alguma crença? Fundou alguma religião? Se você respondeu NÃO a todas estas questões, você está entendendo a proposta deste texto…

Para você que acredita, solícita e piamente, sincera e fervorosamente, cristã e devocionalmente que o nosso país seja “o coração do mundo e a pátria do evangelho”, nós lhe perguntamos: você vê coração? Enxerga a vigência da mensagem de Jesus de Nazaré (adjetivada como “evangelho”) no dia a dia do Brasil? Sério, mesmo? Hum…

Acreditamos que a imensa maioria dos espírita sabe e conhece a realidade social brasileira. E, por isso, dizem: – Ah, mas não é para agora. Isto está sendo construído “pela Espiritualidade. O coração e a pátria virão no futuro!”… Será, mesmo? De que maneira? E já que você acredita nisto, no que você tem contribuído para a “implantação” deste estado futuro?

“Coração do mundo”

Sim, porque os “imateriais” não constroem absolutamente nada de material, neste planeta, sozinhos… Eles precisam dos encarnados. Aliás, a tarefa social-material cabe aos encarnados – ainda que os bons propósitos possam ser secundados pela influência dos Espíritos, por meio da comunicabilidade (mediunidade em suas múltiplas facetas). Mas, lembremos, tudo é uma questão de sintonia: a influência pode ser para o bem ou para o mal… Depende das NOSSAS intenções!

Para nós, o “coração do mundo” padece de enfermidades. Está com “arritmia”. Tem o entupimento dos vasos sanguíneos que o alimentam e sustentam. Precisa de acompanhamento especializado, de terapias, de procedimentos cirúrgicos delicados. E, mais que isso, de atenção permanente.

O evangelho, por sua vez, nos parece aquele guia motivacional que todos sabem que é valioso e que se aplica às diferentes situações da vida, mas permanecemos sem coragem, sem preparo, sem atitude para implementá-lo em nosso viver pessoal e coletivo. Um compêndio de boas intenções, mas estas “não ultrapassam as janelas de nossas casas”, como o Skank cantou na música citada no início deste ensaio.

E, se a nação está dividida, como demonstrou a última eleição, com diferença mínima de votos válidos entre os dois candidatos que foram ao segundo turno, vamos relembrar a frase dita pelo Homem de Nazaré, de que “a casa dividida rui”. Implode. Destroem-se os “opositores”, digladiando-se a partir de suas “crenças”, suas “verdades” pré-estabelecidas e a “sanha” de sair vencedor…

Ao invés das meras paixões ideológicas que a política partidária comporta, temos que ter uma paixão maior, que é a do desejo de “melhorar o mundo”. Utopicamente, a princípio, sabemos. Mas realístico à medida em que vamos fazendo, cada qual, o que seja possível.

Passada a eleição, ainda nos confrontamos com a realidade da violência, do inconformismo belicoso, da necessidade de anulação ou destruição do “oposto” ou “diferente”. E isto é injustificável, imperdoável, inadmissível. Acreditamos que os atos violentos e terroristas de 8 de janeiro foram importantes para separar em dois blocos os que ainda se alinhavam ao projeto político vencido na eleição de outubro de 2022.

Agora, pensamos e acreditamos, aos poucos, a grande maioria dos que não apoiaram o presidente eleito – Luís Inácio Lula da Silva – condenando a barbárie e a criminalidade contida naqueles atos de janeiro, com a mão na própria consciência irá dizer para si mesmo: – Esta não é a realidade em que acredito, nem os valores que professo!

E a minoria delinquente, que está presa em Brasília e todos os que direta ou indiretamente patrocinaram a sanha violenta, será processada e criminalizada, com o rigor da lei e os direitos processuais correlatos (contraditório e ampla defesa, assim como o devido processo legal), sem qualquer intenção ou atitude de vindita. No exato rito de uma das leis que o próprio Espiritismo consigna: causa e efeito, assim como a responsabilidade espiritual de cada um.

Quanto a nós que escrevemos este artigo e os demais que acessarem seu conteúdo, concordando com suas linhas, estamos exercendo a nossa Indignação Digna. Porque queremos um país melhor, não plasmado “pelos Espíritos (desencarnados)”, mas construído, dia após dia, com o suor e as lágrimas, mas também os sorrisos do povo brasileiro.

Vamos juntos?

Written by 

Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

2 thoughts on “Indignação Digna!, por Débora Nogueira e Marcelo Henrique

  1. Muito bom o artigo, amigos Marcelo e Débora. Estou de pleno acordo, é preciso se indignar mesmo, principalmente nos posicionando contra a hipocrisia religiosa, que fecha os olhos das pessoas para a realidade. Por mais dura que seja, precisamos enfrentá-la, sem escamotear, com o firme propósito de atuar de forma proposita!

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