Jesus e as verdades espirituais, por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

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Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Todos os Mestres da humanidade, em todas as épocas e lugares, sempre apontaram para a necessidade de voltarmos a viver o presente como única realidade concreta da alma no mundo: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois a cada dia basta a sua própria preocupação….”, disse Jesus.

A Mensagem do Cristo
Em dezembro de 1945, alguns felás (beduínos egípcios) deslocavam-se com seus camelos por perto de um rochedo chamado Jabal al-Tarif, que margeia o rio Nilo, no Alto Egito, não muito longe da moderna cidade de Nag Hammadi. Eles estavam procurando um tipo de fertilizante natural na área, chamado sabaque.

No sopé do Jabal al-Tarif começaram a cavar em torno de uma pedra que caíra no talude, e, sem esperarem, encontraram um jarro de armazenagem com um recipiente selado na parte superior. Um dos felás, chamado Muhammad Ali Samman, quebrou o jarro com uma picareta na esperança de encontrar algo valioso, talvez um pequeno tesouro. Deve ter ficado um tanto quanto decepcionado ao ver que ao invés de ouro ou algum tipo de objeto de igual valor, no jarro só havia fragmentos de papiros.

Muhammad Ali Samman, sem querer ou se dar conta, havia descoberto treze livros de papiro (códices), a que hoje chamamos de a biblioteca copta de Nag Hammadi, dois anos antes de outra descoberta famosa, a dos Manuscritos do Mar Morto, conjunto de documentos encontrados na Palestina e que haviam pertencido a uma comunidade judaica que professavam uma forma ascética diferente de judaísmo, conhecido como essênios. Porém, apesar destes últimos manuscritos terem tido maior divulgação, serem mais famosos e terem sido alvos de debates, os primeiros possuem, todavia, caráter muito mais revolucionário, em especial por estarem ligados diretamente ao cristianismo.

Além de outras obras valiosas, entre estes papiros estava algo muito interessante: o chamado Evangelho de Tomé, que é uma coletânea de sentenças de Jesus que teriam sido compiladas, segundo a primeira frase deste Evangelho, por Judas Tomé, O Gêmeo.

Antes desta descoberta excepcional, os estudiosos dos evangelhos já tinham algumas referências dos pais da Igreja referentes a um documento denominado Evangelho de Tomé (ou de Tomás). Porém, o conteúdo deste documento punha em xeque alguns posicionamentos dogmáticos da Igreja. Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses 6.31 afirmava que o Tomé que escreveu este Evangelho não era um seguidor de Jesus, mas um maniqueu – um maniqueísta, portanto, seguidor gnóstico e místico de Mani, mestre herético do século III. Só que, atualmente, é quase consenso de que o texto de Nag Hammadi foi bem escrito antes do movimento maniqueísta ter vindo à lume e, ainda mais, tudo indica que a cópia copta deste evangelho se baseia em um texto ainda mais antigo, provavelmente escrito em grego e/ou aramaico, a língua falada por Cristo. Além dos testemunhos dos chamados padres da Igreja, temos fragmentos de três papiros gregos – encontrados num monte de lixo em Oxirronco, atual Behnesa, no Egito -, publicados em 1897, e que contêm sentenças de Jesus quase idênticas aos encontrados no Evangelho de Tomé de Nag Hammadi, escrito em língua copta. Estes fragmentos de papiros eram, portanto, representantes ou cópias de edições em grego do Evangelho de Tomé.

Ao contrário dos outros evangelhos conhecidos, quer sejam canônicos ou apócrifos, o Evangelho de Tomé não expõe em nada narrativas sobre a vida de Jesus de Nazaré, mas atém-se especificamente às sentenças que teriam sido proferidas por Jesus a seus discípulos. Entre elas, destaco as que se seguem.

Jesus disse: “Se seus líderes vos dizem: ‘Vejam, o Reino está no céu’, então saibam que os pássaros do céu os precederão, pois já vivem no céu. Se lhes disserem: ‘Está no mar, então o peixe os precederá pelo mesmo motivo. Antes, descubram que o Reino está dentro de vocês, e também fora de vocês. Apenas quando vocês se conhecerem, poderão ser conhecidos, e então compreenderão que todos vocês são filhos do Pai vivo. Mas se vocês não se conhecerem a si mesmos, então vocês vivem na pobreza e são a pobreza” (Evangelho de Tomé, logion 3).

Perguntaram-lhe os discípulos: “Quando virá o Reino?” Jesus respondeu: “Não é pelo fato de alguém estar à sua espera que o verá chegar. Nem será possível dizer: Está ali, ou está aqui. O Reino do Pai está espalhado por toda a terra e os homens não o veem” (Evangelho de Tomé, logion 113).

Jesus disse: “Eu sou como a luz que está sobre todos. Eu sou o Todo: o Todo saiu de mim e o Todo retornou a mim. Rachem um pedaço de madeira: lá estou eu; levantem a pedra e me encontrarão ali” (Evangelho de Tomé, logion 77).

Passagens semelhantes a estas, ao menos no conteúdo que expressam, podem ser encontradas nos Evangelhos Canônicos, ou seja, nos Evangelhos reconhecidos pela Igreja, apesar do grande número de manipulações, enxertos e cortes pelos quais estes textos reconhecidamente passaram para se adaptar aos interesses que a Igreja, como instituição, passou a compor desde que Constantino a reconheceu como Instituição Oficial. Podemos encontrar exemplos, como em Lucas; 19:20, e que expressam a ideia de Reino de Deus não como um evento ou local espacial ou temporalmente determinado, mas uma conquista do espírito ou mesmo uma tomada de consciência de que, sem que se perceba, o Reino já existe dentro do homem, não sendo extrinsecamente necessário a presença de intermediários institucionais, ou doutores teológicos, que se arvorem na presunção de fazer a ligação entre Deus e o homem, ou a dizer onde está a entrada para um exoparaíso que as Igrejas fizeram cada vez mais longe do homem: “Havendo-lhe perguntado os fariseus quando chegaria o Reino de Deus”, lhes respondeu Jesus: ‘O Reino de Deus vem sem se deixar sentir. E não dirão: Vede-o aqui ou ali, porque o Reino de Deus já está dentro de vós’.”.

É notável a semelhança entre o conteúdo destas sentenças de Jesus com a máxima adotada por Sócrates, e que foi emprestada do pórtico do Templo de Apolo, em Delfos: “Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo”. De igual forma, outro grande mestre do espírito humano, Buda, dizia que só o conhecimento de si levava à iluminação, do mesmo modo que Lao Tsé dizia que apenas o conhecimento da ordem dentro de si levava à compreensão do Tao, do aspecto transcendente que a tudo engloba e vivifica. Da mesma forma, os órficos falavam do processo evolutivo como uma tomada de consciência de que somos deuses por sermos filhos de Deus. Apenas não temos nem a percepção, nem a consciência disto.

Segundo Stephen Mitchell, cujo livro “O Evangelho Segundo Jesus” recomendo, quando Jesus falava do Reino de Deus, ele de fato não estava dizendo ou profetizando um evento que acontecerá de repente e nem uma perfeição fácil e livre de perigos, como interpretaram ao seu bel-prazer alguns doutores da teologia, ou como ainda o fazem alguns líderes de religiões institucionalizadas, retirando a ênfase no presente e pondo-a num futuro sempre mais ou menos distante. Ele estava falando de um estado de espírito que, ao se fazer presente, muda o modo como o homem se comporta com seu semelhante, como fica bem demonstrado em muitas de suas parábolas, como, por exemplo, a da mulher que perde uma moeda e revira a casa inteira em sua busca e, quando a acha, sai a correr chamando os vizinhos e dizendo: alegrem-se comigo, pois achei a moeda que havia perdido. Ela encontrou algo aparentemente muito simples, algo que sempre esteve bem perto dela…

Este estado de espírito pode ser tão simples e poético quanto a revoada de pássaros no céu ou os lírios no campo. Ele não está fora, mas fora e dentro de nós. Tudo está ligado a tudo. O homem é um ser que depende da natureza e de outros homens para sobreviver. Tudo é um e temos de passar por várias etapas para adquirir a consciência disto: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. Enfim, o Reino é o reconhecimento no coração de que todos somos filhos de um mesmo Pai, portanto, irmãos e irmãs, cada um refletindo o próprio Deus, portanto, a maior alegria é conviver com Deus que se reflete na presença do irmão. Jesus demonstrava isso na prática de várias formas, em especial durante as refeições, já que ele fazia questão de unir na mesma mesa tanto os sábios e Doutores da Lei, quanto gente simples, publicanos, pecadores e pessoas socialmente consideradas impuras.

Todos nascemos, porém com grau variável de pessoa para pessoa, com um pouco da percepção feliz deste Reino e a mantemos enquanto a cultura – o meio – não ajuda o retirar de nós a natural tendência à afetividade, corrompendo-nos. “Se vos fizerdes como uma criança, entrarás no Reino dos Céus”. Os que se envolvem em demasia com as preocupações materiais têm certa dificuldade em entrar neste estado de espírito, pois são possuídos por suas posses que exigem um esforço considerável para serem mantidas e estão tão encarcerados em seus poderes e em sua fantasia social, que, para eles, é quase impossível desapegarem-se delas e terem a liberdade de SEREM longe do peso de demonstrar APARENTAR O TER.

“Não que seja fácil para qualquer um de nós”, escreve Stephen Mitchell. “Mas, se precisarmos avivar a memória, sempre poderemos nos sentar ao pé de nossas criancinhas. Elas, como ainda não desenvolveram uma noção muito firme do passado e do futuro, sabem aceitar de peito aberto e com plena confiança a infinita abundância do presente”. Para elas, o tempo corre de forma diferente que para o adulto.

Nossa realidade é moldada pelas nossas crenças. Normalmente vemos aquilo que esperamos ver e outras coisas escapam simplesmente ao nosso olhar por não levarmos outras possibilidades em consideração. Se tememos ao relógio, se nos apegamos ao passado e se nos apavoramos com o futuro, nunca poderemos viver o presente. De certa forma, entrar no Reino de Deus significa sentir que existe algo que cuida de nós a cada instante, da mesma forma como alimenta as aves do céu e veste os lírios do campo, com infinito amor. Algo que Jesus chamava de Abba – Papai. Um pai bem diferente do patriarcal e vingativo Deus dos Exércitos do Antigo Testamento, ainda muito presente em algumas das igrejas cristãs atuais. Talvez Abba seja uma maneira carinhosa de Jesus de se referir a um Deus Pai-Mãe… “Qual de vós, se vosso filho vos pedir pão, lhe dará uma serpente, ou um escorpião se vos pedir peixe? Pois se vós, que sois imperfeitos sabeis o que dar de bom para vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus!”

Todos os Mestres da humanidade, em todas as épocas e lugares, sempre apontaram para a necessidade de voltarmos a viver o presente como única realidade concreta da alma no mundo: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois a cada dia basta a sua própria preocupação….”, disse Jesus.

As passagens do Evangelho em que Jesus fala de um Reino dos Céus no futuro não podem ser autênticas transcrições do pensamento do Cristo, e sim interpretações de pessoas ainda muito ligadas ao pensamento judaico da época, a não ser, como fala Stephen Mitchell, que Jesus tivesse dupla personalidade, como se fossem torneiras de água quente e fria. O problema é que Jesus usava uma linguagem figurada frequentemente composta por imagens fortes, mais propícias a impressionar a mente simples do povo igualmente simples que o ouvia, fazendo-os refletir seus atos de cada dia. Estas palavras, contudo, podiam ser interpretadas de modo tão diferente quanto o número de ouvidos que as ouviam.

O que chegou a nós, em formas de textos evangélicos, não são mais do que interpretações sobre os dizeres do Cristo feito por discípulos. Algumas passagens são tão opostas à doce doutrina de amor e compreensão de Jesus que dificilmente não nos deixam de chocar. Estas estão muito impregnadas de um espírito de vingança e de uma agressividade apocalíptica de mesmo aspecto como encontrado nos textos dos profetas do Antigo Testamento, e cabem muito bem aos judeus que vivenciaram os terríveis acontecimentos da Revolta Judaica do ano 66 d. C., que terminaria com a destruição de Jerusalém pelos romanos e com a dispersão dos judeus por todo o mundo. Cristo desejava mudanças sociais sim, mas a partir da mudança íntima das pessoas que encontrasse a intuição em si de que são filhos de Deus e, portanto, que todas as demais criaturas são irmãos e irmãs que merecem respeito. Estas passagens de um reino externo por vir, muito provavelmente, poderiam ter sido inseridas no Evangelho por discípulos que interpretaram os acontecimentos como um início da materialização do Reino que Jesus pregava, sem atinarem que este Reino é de uma profundidade maior do eles pensavam. Eles viveram estes acontecimentos e tentaram ver neles uma concretização da mudança social que Jesus aspirava a implantar na Terra, ou ainda, por interpretações feitas por discípulos de discípulos. Já que Jesus não deixou nada escrito, tudo o que dele sabemos é de segunda ou terceira mão, sendo o primeiro evangelho sinótico, o de Marcos, sido escrito provavelmente por volta do ano 60, ainda que baseado – segundo experts – em um texto anterior, chamado de “quelle” – fonte, em alemão, e que muitos pensam estar contido em grande parte no Evangelho de Tomé. Fora isso, a distância ajudou a acomodar os ensinos de Cristo ao que viviam seus seguidores.

Estes discípulos ainda estavam cheios da tradição judaica. Passagens que falam do Reino de Deus como algo que virá no futuro existem aos borbotões nos profetas e nos escritos apocalípticos judaicos redigidos sob o jugo romano dos primeiros séculos de nossa era, bem como na maioria dos textos geralmente muito patriarcais atribuídos a Paulo pela Igreja primitiva. Elas são repletas de uma esperança passional, exclusivista, e, como apontou Nietzsche, de um amargurado ressentimento contra “eles” (os poderosos políticos e econômicos, os ímpios). Mas tudo isso é fruto de uma interpretação intelectual e passional das reformas sociais propostas por Jesus, que, em toda a sua vida, aboliu todo tipo de distinção de castas e de origens, devido à sua consciência de irmandade entre todos. Os discípulos dos discípulos tiveram uma noção apenas intelectual disto e não da vivência do estado de espírito ou da consciência cósmica vivenciada por Jesus. Uma vivência que foi plenamente vivida por um Francisco de Assis ou por um Mahatma Gandhi, e que é profundamente revolucionária.

Stephen Mitchell fala, com muita propriedade, que o Reino de Deus “não é algo que irá acontecer, porque não é algo que, temporalmente falando, possa acontecer. Não pode surgir num mundo”, como se fosse uma invasão externa. “O meu Reino não é deste mundo” – “é uma condição que não tem plural, mas apenas infinitos singulares. Jesus falava das pessoas ‘entrando’ no Reino, e que as crianças já estavam nele […]. Se pararmos de olhar para frente e para trás, foi o que ele nos disse, poderemos nos dedicar a buscar o Reino que está bem debaixo de nosso pés, bem diante de nosso nariz; e, quando o encontrarmos, alimentos, roupas e outras coisas necessárias também nos serão dados, tal como o são às aves e aos lírios. […] Este reino é como um tesouro enterrado num campo que é nossa alma; é como uma pérola de grande valor; é como voltar para casa. Quando o encontramos, a nós mesmos, tornamo-nos donos de uma riqueza infinita […]”, é por isto que todos os místicos falam em perderem-se em Deus. “Eu e o Pai somo um”, pois nossa personalidade é apenas uma máscara mutável, mas o self, como diria Jung, é a parte mais próxima do divino, em nós. Vivenciando o Deus que há em nós, poderemos reconhecer o Deus que há no outro e, assim, poderemos viver, naturalmente, devido à nosso grau de consciência, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

O verdadeiro Jesus é o Jesus do Sermão da Montanha, o Jesus entre as crianças, o Jesus que admitia mulheres, publicanos e leprosos entre seus seguidores, um homem que se esvaziou dos desejos mundanos comuns, esvaziou-se de doutrinas e regras – todos os inúteis aparatos intelectuais – e se deixou preencher pela vida, como o demonstram as suas parábolas, onde o reino é o campo, é a festa de núpcias, é a rede lançada ao mar… Porque se desapegou de tudo o que é egóico e passou a sentir o TODO – o Tao, como diria Lao Tsé –, ele deixou de ser meramente alguém, para ser também todos, todo o mundo: “Tudo isso que fizeres a um destes pequeninos, fareis a mim”. Porque admitiu Deus em si, sua personalidade é como um ímã que atrai a todos. Quanto mais se aproximam dele, mais sentem a pureza de seu coração. Um coração que é como um quarto claro e espaçoso: “Vinde a mim todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. As pessoas ou as possibilidades abrem a porta e entram. O quarto recebe a todas o tempo que quiserem, sem impor regras além da do amor. É bem diferente de um coração cheio de pertences, de crenças e de certezas, cujo dono senta-se atrás da porta trancada com uma arma em punho, como o fazem as Igrejas de todas as denominações.

Jesus também reconhecia as verdades espirituais que foram ditas pelos outros Grandes Mestres da humanidade, em todas as épocas. É assim que se explica as grandes similaridades entre seus ensinamentos e os de Buda, por exemplo, que nasceu mais de 500 anos antes de Cristo.

Jesus enfatizava a importância da evolução e da transformação pessoal: “Não te maravilhes de eu ter dito: Necessário vos é nascer de novo (João; 3:3-7)”. Reconhecia a imortalidade da alma: “De fato, Elias há de vir e restabelecer todas as coisas. Eu, porém, vos digo: Elias já veio e fizeram dele o que quiseram! E os discípulos compreenderam que era de João Batista de quem ele falava” (Mateus; 17:11-13; Marcos; 9:11-13). Bem, como Elias não voltou numa carruagem celeste ao tempo de Jesus, e como “os discípulos compreenderam que era de João Batista de quem ele lhes falava”, Elias e João têm de ser a mesma pessoa… Ora, todos conheciam a história do nascimento de João – aliás, o anjo que aparece a Zacarias diz que o menino “irá adiante do Senhor no espírito e no poder de Elias (Lucas; 1:17)”.

Sendo assim, a única possibilidade real de Elias ter retornado à terra como João era a de que ele reencarnou como João, conhecido como O Batista, primo de Jesus… Esta ideia na reencarnação, conhecida ao tempo e na região de Jesus com o nome confuso de ressurreição (Mateus; 16:13-15), era familiar a inúmeros sistemas filosóficos da era helenística, e é encontrado em Pitágoras, Sócrates e Platão, sendo retomado por Amônio Sacas e por seu discípulo Plotino e, já na era cristã, por Orígenes de Alexandria, um dos pais da Igreja. Esta crença permaneceu mais ou menos atuante durante os primeiros séculos do cristianismo até que os interesses temporais e políticos a tornaram numa crença herética. Cristo também solapou a proibição de Moisés de não invocar os mortos, pois sabemos de seu encontro visível com dois mortos (Mateus; 17:14-21 e Lucas; 9:37-43) – o próprio Moisés, e Elias (João já havia sido degolado a esta época) –, no fenômeno da transfiguração, isso sem falar nas aparições póstumas durante os quarenta dias após a crucificação, já que Cristo podia aparecer e desaparecer de repente, tanto em Emaús (“então se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles”, Lucas; 24:31), como em Jerusalém “estando as portas fechadas”. E, “Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disse-lhes: Paz seja convosco!”, João; 20:19. “Finalmente apareceu Jesus aos onze, quando estavam em casa…” (Marcos; 16:14). Tal fenômeno se explica perfeitamente pelo processo da materialização do nobre e poderoso espírito de Jesus. É interessante notar, nesse ponto, o comportamento de algumas seitas de base fundamentalista que aceitam tudo ao pé da letra que está escrito na Bíblia mas, quando chegam nestas partes dos Evangelhos, INTERPRETAM o que está escrito da forma que mais lhes convenha para negar a realidade destes fatos, isso quando não invocam o suposto ser que acaba por se transformar em seu maior aliado em questões que os embaraçam, ou seja, o “demônio”, para dizer que estão errados os outros, os que aceitam a reencarnação ou a vida após a morte e que estão possuídos do espírito do mal, e não eles, detentores de todo o saber sobre o absoluto… “Ai de vós, doutores da lei…” pois estão plenos de orgulho, e são como “Cegos a guiar outros cegos”.

Enfim, ainda citando Mitchell, Jesus foi o maior exemplo de quão longe pode o homem chegar. Ele soube viver plenamente entre os dois mundos: o material e o espiritual. Soube dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ele foi uma árvore. Como fala Mitchell, a árvore não tenta arrancar da terra as suas raízes e plantar-se no céu, nem tampouco estende suas folhas para baixo, junto à lama. Ela precisa tanto do solo quanto da luz, e sabe a direção de cada coisa. Exatamente porque enterra as suas raízes na terra escura, é que pode sustentar suas folhas no alto para receber a luz do sol… É pena que Jesus de Nazaré seja frequentemente incompreendido pelos Cristãos.

Bibliografia sugerida

Mateus, Marcos, Lucas e João. O Novo Testamento: Os 4 Evangelhos, diversas editoras.
Meyer, Marvin. O Evangelho de Tomé. Ed. Imago, Coleção Bereshit, Rio de Janeiro, 1993.
Miranda, Hermínio Correia. O Evangelho de Tomé: texto e contexto. Ed. Arte e Cultura, Niterói, 1992.
Miranda, Hermínio Correia. O Evangelho Gnóstico de Tomé. Publicações Lachâtre, Niterói, 1995.
Mitchell, Stephen. O Evangelho Segundo Jesus. Ed. Imago, Coleção Bereshit, Rio de Janeiro, 1994.
Benítez, J. J. Operação Cavalo de Tróia. Editora Mercuryo, São Paulo, 1988.
Leloup, Jean-Yves. O Evangelho de Tomé. Editora Vozes, Petrópolis, 1998.
Tricca, Mª Helena de Oliveira (Org.) Apócrifos: os Proscritos da Bíblia. Editora Mercuryo, São Paulo, 1989.

Textos da edição

EDITORIAL: Jesus, entre o homem e o mito

Separar Jesus do Cristo!, por Marcelo Henrique

Jesus a porta, Kardec a chave?, por Natália Canizza Torres

Jesus e as verdades espirituais, por Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Jesus e o Espiritismo pós-cristão, por Milton Medran Moreira

Jesus, um exemplo moral que permanece até hoje, por Paulo Roberto Santos (in memoriam)

O maior revolucionário de todos os tempos, por Reza Aslan

Jesus numa moto, por Manoel Fernandes Neto

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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