Envolto nos preparativos de palestras e conferências que venho fazendo sobre o centenário do Professor Herculano Pires, me debrucei, novamente, sobre duas de suas mais de 80 obras:
“Revisão do Cristianismo” e “Agonia das Religiões”.
Ambas procuram resgatar o pensamento do homem Jesus de Nazaré, redescobrindo-o em face de tantas adulterações que a Igreja Católica e seus dogmas impingiu ao pensamento, aos feitos e à natureza verdadeiramente humana do pescador de homens galileu.
De fato, entre o mito e o espírito encarnado
há múltiplas diferenças, absolutamente inconciliáveis para quem deseja conhecer mais de perto a personalidade significativa de um dos avatares enviados pela Espiritualidade para desempenhar significativa missão no sentido do esclarecimento da Humanidade e da aproximação desta com os verdadeiros Valores do Espírito.
O movimento espírita em geral diz-se espírita-cristão, ou cristão, simplesmente.
Apegam-se ao desenho místico e mítico de Jesus-Cristo, o símbolo inventado pela Igreja Romana e recolorido por cada uma das seitas e religiões que derivam da figura originária, ditas religiões cristãs. Não acho, particularmente, que o Espiritismo seja (meramente) cristão, embora reconheça as ligações de muitas das colocações feitas pelos Espíritos e reunidas por Kardec na Codificação com os feitos, fatos, ideias, parábolas e pregações daquele homem singular.
A própria ideia da publicação inicial da “Imitação do Evangelho segundo o espiritismo” (depois corrigida, em edição subsequente como, apenas “O Evangelho segundo o espiritismo” remete a uma associação, mas não-vinculação exclusiva da Doutrina dos Espíritos ao ideário jesuítico (que nada tem a ver com a ordem religiosa que subtraiu e exclusivou este adjetivo).
De outra sorte, a “presença” de diversos desencarnados com títulos sacerdotais ou vinculação com o pensamento “cristão” também levou à oficialização da “boca torta pelo cachimbo” como se o Espiritismo fosse (apenas) a continuidade do Cristianismo (e, nesse sentido, com o resgate da formatação da Casa do Caminho).
Não o é!
É fato que o Espiritismo tenciona ser uma tradução das Leis Espirituais mais consentânea ao raciocínio lógico e à vivência interpretativa de tais leis, considerando-se sua aplicabilidade irrestrita a “todos os seres da criação”.
Então, por isso, se vincular-se objetivamente ao “pensamento cristão” estará perdendo significativa oportunidade dialógica com todas as correntes de pensamento não-cristãs que estão tanto no Ocidente quanto, marcadamente, no Oriente.
E como “o vento sopra aonde quer”, vale salientar que o Planeta Terra já conheceu, em diversos momentos existenciais, culturas e cenários, diversos avatares que, a exemplo das realizações do Moço de Nazaré, foram importantíssimas para a disseminação de conceitos de Alta Espiritualização, remetendo os homens de cada tempo e lugar ao exame de si mesmos e à aproximação com a realidade transcendente, extrafísica e permanente, assim como dos valores ético-morais da convivência interpessoal, tão necessários para a permanência das sociedades e culturas.
Destarte que estes ascensionados promoveram e promovem o necessário intercâmbio com as ideias espirituais, permitindo que todos possam conhecer, pouco a pouco, a imutável realidade espiritual, que a todos alcança. Assim, vincular o Espiritismo ao Cristianismo (ou ao homem real Jesus de Nazaré) é impedir, de fato, a aproximação entre distintas vertentes, não para a odiosa e desnecessária ecumenização humana, mas para a edificação da República dos Homens de Bem, pautados por seu caráter e por sua espiritualidade, em pensamentos, palavras e ações.
Não, o Espiritismo não é cristão!
Ou melhor, se o fosse, de fato, estaria sendo minimizado, diminuído, restringido, posto que sua “missão” foi, é e continuará sendo a de, por meio do intercâmbio Entre Mundos, permitir a continuidade das “revelações” espirituais, que nada mais são do que o domínio dos conhecimentos metafísicos e da aplicabilidade das Leis Espirituais sobre tudo e todos, resgatando, aí também, a ideia de que “três revelações da Lei de Deus” teriam ocorrido, sequencial e progressivamente. Ora, meus caros amigos espíritas, se a revelação posterior (Espírita) veio para ampliar e aperfeiçoar aquilo que Jesus teria nos trazido, vincular o Espiritismo ao Cristianismo seria, no mínimo, recuar não um, mas vários passos. E é preciso, sempre, avançar!
Voltemos, então e derradeiramente, ao curioso título desta missiva:
“Jesus soltou um pum”
Que, aliás, deve ser chocante e até considerado como uma “blasfêmia moderna” em relação a (um dos) espírito(s) que serviram de guia e modelo para a Humanidade.
Sim, um dos, já que a tradução correta da resposta ao item 625, de “O livro dos espíritos”, é Vede Jesus e não, simplesmente, Jesus. Se é para “ver” Jesus, isso significa que outros guias e modelos são (e tem sido) enviados para os locais mais distintos e distantes entre si, para a apresentação, aos homens de cada tempo, das informações que constituem o chamado Conhecimento Espiritual.
Cada um no seu momento e lugar!
Sim, amigos, Jesus soltou um pum, Jesus rolou pelo chão com as crianças (vide a maravilhosa descrição de J. J. Benítez, em “Operação Cavalo de Tróia”, volume 1, sobre as peripécias que o rabi fazia quando cercado por crianças de diferentes idades, e que teria dito aos apóstolos “deixai vir a mim as crianças, pois dele é o Reino”), Jesus se irritava e se entristecia (e o episódio da reprimenda a Pedro e outros discípulos que dormiram enquanto ele se retirou para orar, no Horto e a expulsão dos vendilhões do Templo se constituem exemplos nítidos da natureza humana e das reações naturais em face de decepções e contratempos), Jesus se alegrava e cantava hinos religiosos ou músicas do povo, Jesus teve necessidades físicas (deve ter tido dor de barriga, dor de cabeça e outras indisposições – daí o “pum” em algumas situações) e, ainda mais do que isso, enfrentou a sociedade machista e despreparada para a igualdade, em seu tempo – onde a mulher, por exemplo, só podia se movimentar proximamente ao marido, após o término da sombra deste no chão – para incluir entre os DOZE que lhe seguiram de perto uma mulher, justamente Myriam, a de Magdala, a quem Michelângelo e outros pintores “mais sensíveis” a retrataram em algumas telas, em face feminina na Última Ceia e que, algum dia isso se tornará “crença comum”, Jesus se consorciou em matrimônio com ela e teve um filho biológico.
É a este Jesus
Verdadeiramente, que os espíritas deveriam se referir, buscar essencialmente se parecer (em termos de condutas) e estreitar laços pela sintonia espiritual.
Não o Jesus da Manjedoura, nem o Jesus Imolado na Cruz, mas o Jesus-Homem, bem próximo de nós e com muitas das nossas reações humanas, que dele nos aproximam, em espírito e verdade, como verdadeiros irmãos, filhos de um mesmo Pai.
E que, assim compreendendo a natureza humana e a essência espiritual do Homem de Nazaré, com seus numerosos feitos (espirituais, mediúnicos e amorosos), pelos quais ele é tanto identificado, como “Médium de Deus”, possa ser ele o exemplo para fazermos o nosso papel de espíritos em marcha, para sermos “o sal da terra e a luz do mundo”, já que ele vaticinou: “tudo isso que eu faço, vós também podeis fazer”!
Professor tive agora acesso a este seu artigo é realmente inovador e dá -nos exactamente a dimensão humana, mas de uma espiritualidade enorme do Homem de Nazareth, Yashua Ben Yousef. Talvez a geração que se segue à nossa O possa ver assim, sem o misticismo de hoje e que origina tantas divisões sem nexo.Bem-Haja. R