Kardec não proibiu, apenas pediu respeito às leis – a verdade kardeciana e as mentiras ditas em relação às suas ideias, por Cláudio Bueno da Silva

Tempo de leitura: 3 minutos

Cláudio Bueno da Silva

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Que os espíritas aprendam a debater com respeito, sem criar atritos e cisões. A ética do Espiritismo e os exemplos de conduta de Allan Kardec não são suficientes para que os adeptos saibam respeitar as opiniões contrárias?

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Embora o contexto de “O livro dos Espíritos”, no que se refere ao Livro Terceiro, “As Leis Morais”, seja todo de estudos da relação das leis naturais com o comportamento da humanidade encarnada, boa parte dos espíritas, na prática, não compreende assim.

Não basta ler o riquíssimo capítulo. É preciso debate-lo, esmiúça-lo, para uma melhor compreensão quanto à sua aplicabilidade na vida em sociedade.

Essa mesma “boa parte dos espíritas” desaconselha toda discussão que saia do teor evangélico, pois isso a afastaria dos propósitos do Espiritismo. A decisão está baseada na célebre declaração de Kardec publicada na “Revue Spirite” [1], que sugere aos adeptos evitarem nas suas reuniões, abordagens que “digam respeito à política e às questões irritantes” (?!).

Essa interpretação dos espíritas desconsidera inúmeras passagens em que Kardec explica e justifica esse pedido de moderação ou renúncia, em respeito às leis que então vigoravam. 

É preciso que se diga que o ambiente político da França no período em que Allan Kardec atuou não favorecia manifestações, ostensivas ou não, que apoiassem ou mesmo discutissem o que hoje chamamos causas sociais. Por razões óbvias pode-se compreender que o regime ditatorial de Napoleão III não as toleraria.

Se naquele momento não havia atmosfera e condições apropriadas para o aprofundamento de muitos temas que “O livro dos Espíritos” provoca, hoje é bem diferente.

Concorda-se com Kardec que discussões rasas e “irritantes” como as que se têm visto desde sempre em muitos meios é incompatível com os propósitos da casa espírita. Mas daí a entender que Kardec desaconselhou debater temas que são do interesse humano (inclusive a Ciência Política) [2] a distância é grande. As “Leis Morais” foram ditadas pelos Espíritos para funcionar como uma espécie de Constituição moral a inspirar os homens na criação de leis terrenas cada vez mais próximas das leis divinas.  

No texto “Impressões gerais”, do livro “Viagem Espírita em 1862”  (relatos de viagens em contato com espíritas de inúmeras cidades francesas), Allan Kardec, “um democrata na alma” [3],  insinua sobre o cerceamento que havia naquele período por parte de autoridades em relação a atividades que pudessem desagrada-las: “Devemos acrescentar que, em nenhuma das localidades visitadas – afimra Kardec –, as reuniões espíritas sofreram a mais leve restrição e devemos agradecimentos às autoridades civis pela cortesia de que fomos objeto em mais de uma circunstância”.

No mesmo livro, no texto “Sobre a formação de grupos e sociedades espíritas”, Kardec informa: “Quanto às formalidades legais, não há, na França, nenhuma a regulamentar, desde que as reuniões não se realizem com mais de vinte pessoas. Além deste número, as reuniões regulares e periódicas devem ser autorizadas, e isso embora a tolerância que a maioria dos grupos espíritas goza em razão de seu caráter pacífico, exclusivamente moral”.

É clara a posição de Kardec quanto à conveniência de manter afastadas quaisquer discussões “incômodas” (estudos político-sociais, por exemplo), quando se lê a advertência que faz: “Em qualquer circunstância, todavia, os espíritas devem ser os primeiros a dar exemplo de submissão às leis, isso no caso de ser necessária a sua aplicação”.

O tempo exíguo diante das volumosas tarefas com a formulação da Doutrina, a sua missão eminentemente intelectual de teor científico-filosófico, e fatores outros, não o impediram entretanto, de apontar caminhos práticos de solidariedade e fraternidade entre os homens. Ele próprio deu exemplos nesse sentido. Elegendo a caridade como norma de amor ao próximo, induziu a pensar que este ato moral de ação íntima traduz uma atuação social.

Os livros e as ideias de Kardec (e os ensinos de Jesus também) estão repletos de humanismo, de reflexões para a prática do amor em sociedade, mesmo porque a Doutrina Espírita foi concebida para estruturar a vida moral da humanidade. Isso só será possível se o homem souber aplicar em sociedade aquilo que incorporou em si dos fundamentos espirituais que a Doutrina ensina.

Gabriel Delanne, no seu convívio próximo de Kardec, descreve várias ações solidárias do mestre. Kardec narra, na “Revue”, episódios de campanhas de arrecadação em favor de comunidades operárias e coletividades necessitadas de auxílio. Isso é envolvimento social. Kardec tinha total compreensão da amplitude da caridade dinâmica e a desenvolvia de forma discreta, aliás como deve ser. 

Àqueles que não tenham ainda essa visão é necessário instruí-los com os recursos pedagógicos da Doutrina.

Que os espíritas aprendam a debater com respeito, sem criar atritos e cisões. A ética do Espiritismo e os exemplos de conduta de Allan Kardec não são suficientes para que os adeptos saibam respeitar as opiniões contrárias?

Há que se estimular mais e mais pessoas, espíritas ou não, a participarem de reuniões e grupos interessados em desbravar as complexidades da estrutura e das relações sociais, com o suporte do conhecimento espírita. Isso trará amadurecimento e mais ampla compreensão do que nos compete realizar para o nosso progresso moral individual e coletivo.

Referências:

[1] KARDEC, A. “Revue Spirite”.  fev. 1862. 

[2] A Ciência Política é disciplina que combina elementos da sociologia, da história, da antropologia, da psicologia social, da filosofia e da economia.  

[3] Expressão usada por Jean Prieur, em “Allan Kardec e sua época”, Ed. Lachâtre, 2015, página 47.

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Postagem efetuada por membro do Conselho Editorial do ECK.

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